Publicado em 28/01/2019 às 06:15:12
2018 foi um ano de pretensas ousadias falidas no horário das 19h. Em Janeiro, a medieval “Deus Salve o Rei”, de Daniel Adjafre, deu as caras com muita pompa e luxo em sua produção, que caíram por terra em face dos problemas da condução do seu enredo, incoerências históricas e um casal principal incapaz de provocar empatia.
No fim de julho, foi a vez de “O Tempo Não Para”, que se encerra nesta segunda-feira (28), dar o ar de sua graça. Também com uma premissa inusitada – desta vez uma família do século XIX que é congelada após um naufrágio e acorda em 2018, tendo que se adaptar a um mundo totalmente diferente do seu –, a história de Mário Teixeira também chegou prometendo. E, assim como sua antecessora, naufragou (literalmente) em suas próprias falhas.
Embora já explorada em outras artes, como o cinema, a ideia central da novela ainda assim é bem diferente do habitual. Seu ponto de partida é o ano de 1886, no naufrágio do navio Albatroz. Na viagem, embarcava a família de Dom Sabino Machado (Edson Celulari), um milionário da época. Entre eles, a filha, Maria Marcolina “Marocas” (Juliana Paiva), que recusou um casamento arranjado em pleno altar. O navio se choca com um iceberg, no melhor estilo de Titanic, e os náufragos congelam no mar.
O bloco gigante que se forma acaba aparecendo no litoral paulista e desperta a atenção de Samuca (Nicolas Prattes), um jovem empresário que se encanta pela mocinha enquanto o gelo se parte e todos são puxados e levados para o laboratório Criotec, em uma operação liderada pela oficial da Marinha Waleska (Carol Castro). Quando acordam do congelamento, todos se deparam com um mundo totalmente diferente e muito mais avançado, precisando se adaptar a todas estas mudanças.
A partir daí, novos conflitos tomaram forma, como o ciúme doentio de Betina (Cleo), noiva de Samuca, destinada a acabar com o relacionamento dele com Marocas; a paixão entre Sabino e Carmem (Christiane Torloni), mãe do rapaz, despertando o ódio de Agustina (Rosi Campos), ex-esposa do milionário; e uma rede de intrigas em torno dos congelados, movimentando especialmente a ambiciosa Dra. Petra (Eva Wilma), especialista em criogenia (estudo de baixas temperaturas). Isso parecia ser o suficiente para uma deliciosa novela das sete. O empolgante início misturava elementos clássicos do folhetim com a inusitada ideia da transposição temporal “forçada” pelo inesperado.
Além disso, outros bons personagens também funcionavam e rendiam ótimas cenas, como o humilde Eliseu (Milton Gonçalves), que se tornaria amigo de Dom Sabino; o boa-praça Elmo (Felipe Simas), que viveria um curioso relacionamento com Miss Celine (Maria Eduarda de Carvalho) preceptora da família Sabino Machado; a espalhafatosa Coronela (Solange Couto), mãe de Waleska e dona da pensão onde a família se abriga; e a maluquinha periguete Vera Lúcia (Talita Younan).
Não demorou dois meses para que os primeiros sinais de perda de fôlego e repetição de situações começassem a aparecer e a novela decaísse bastante.
O conflito entre Marocas e Samuca, que envolvia inclusive um bom gancho (a empresa do rapaz ter sido construída em cima das terras da família da protagonista), se resolveu muito rapidamente e, após se casarem, não houve mais situações que pudessem turbinar a história. Aliás, as cenas do casamento por vezes beiraram a pieguice.
Um outro caso que chama atenção em se tratando de um perfil desperdiçado é o de Zelda (Adriane Galisteu). A estilista, que marcaria a estreia da apresentadora nas novelas globais, foi apresentada como uma invejosa que roubaria os desenhos da herdeira de Sabino, formou uma divertida dupla com seu assistente Igor (Léo Bahia), a quem chamava de Poc (gíria homossexual para designar gays que fossem mais chamativos).
Do nada, a personagem simplesmente sumiu, enquanto Igor se aproximou justamente de Betina, de quem Zelda era aliada. Difícil de entender.
Aliás, Betina (primeiro papel de Cleo sem seu consagrado sobrenome, Pires) pode ser considerada tranquilamente o ponto mais negativo da novela. Uma vilã gratuita, sem qualquer motivação em suas ações, que praticamente se resumiu a infrutíferas tentativas de matar Marocas e tirar de Samuca o poder de sua empresa Samvita.
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O conjunto foi agravado pela fraca atuação de sua intérprete, tornando tudo ainda mais constrangedor. Quem também não teve sorte com seu papel vilanesco foi João Baldasserini, pouco à vontade como Emílio – que morreu picado por uma cobra – e também como Lúcio – irmão gêmeo, também do mal, disposto a vingar a morte do irmão.
Ainda assim, a trama teve seus pontos positivos. Juliana Paiva, um dos nomes mais promissores de sua geração, deu conta do recado como protagonista, embora Marocas tenha se perdido na execução do autor. Edson Celulari, há anos relegado a tipos secundários, fez de Dom Sabino seu melhor papel em anos e trouxe uma deliciosa parceria com Christiane Torloni. Talita Younan, por sua vez, conseguiu compor uma personagem totalmente diferente de sua K1, na elogiada "Malhação - Viva a Diferença", e esbanjou química ao lado de Micael Borges. E Regiane Alves, da metade da novela pra cá, ganhou um merecido destaque como a vilã Mariacarla, exercendo o papel que Cleo e Baldasserini não conseguiram.
Também merece um importante parêntese a questão da representatividade negra, através de nomes como as atrizes Cris Vianna, Olívia Araújo, Juliana Alves, Aline Dias e Lucy Ramos; e os atores David Junior, Milton Gonçalves e Maicon Rodrigues. Embora a maior parte interpretasse escravos da família Sabino Machado, também havia espaço para outros perfis, como a advogada Vanda (Lucy) e a dona de uma loja de perfumes Mazé (Juliana).
Neste aspecto, Mário Teixeira foi mais feliz que João Emanuel Carneiro em sua Segundo Sol, criticada pela pouca presença de negros em atores principais, ainda mais que era ambientada em Salvador, cidade de maior população negra fora da África. Ainda assim, não impediu que alguns destes tipos também perdessem destaque.
A perda de fôlego do enredo acabou se refletindo na audiência, repetindo um cenário semelhante ao de "I Love Paraisópolis" (2015), assinada em conjunto com Alcides Nogueira. Beneficiadas pela boa entrega de suas antecessoras ("Alto Astral", em 2015; e "Deus Salve o Rei", em 2018); ambas foram perdendo ibope à medida que suas histórias foram cansando. Porém, "Paraisópolis" conseguiu elevar 1,5 da média geral do enredo de Daniel Ortiz. A atual derrubou dois pontos da novela de Daniel Adjafre, terminando com 24 pontos totais, abaixo até mesmo de “Sangue Bom” (2013), que terminou com 24,6.
"O Tempo Não Para" comprovou um problema recorrente na obra de Mário Teixeira: embora autor de boas ideias centrais, seu desenvolvimento peca por não conseguir ter fôlego para aguentar seis meses de trama – uma exceção foi "Liberdade, Liberdade" (2016), onde a situação se inverteu e a história começou morna e foi ganhando energia.
O enredo dos congelados merecia um melhor tratamento e não poderia ser desperdiçado da forma que foi. Ou seja, contradizendo seu título, aqui o tempo parou.
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