Entrevista exclusiva

Repórter revela bastidores de cobertura da morte dos Mamonas Assassinas: "Ninguém se acostuma com a tragédia"

Eleonora Paschoal conta como ajudou nas buscas há exatos 27 anos e recorda cenas chocantes do local do acidente: “As pessoas queriam souvenirs”


Eleonora Paschoal na cobertura da morte dos Mamonas Assassinas, em 1996
Em 3 de março de 1996, Eleonora Paschoal encontrou jaqueta de integrante dos Mamonas Assassinas em árvore próxima ao local do acidente - Fotos: Reprodução/Globo
Por Walter Felix

Publicado em 03/03/2023 às 05:00,
atualizado em 03/03/2023 às 10:59

Então contratada da Globo, a repórter Eleonora Paschoal enfrentava um plantão tumultuado naquele sábado de 2 de março de 1996. “Chovia muito, mais ou menos como tem chovido esses dias em São Paulo”, recorda. O expediente havia sido dedicado à reportagem sobre os problemas ocasionados pela tempestade na periferia da capital paulista. Como o carro da emissora acabou atolado na lama, a equipe foi resgatada graças à ajuda de um helicóptero da Band.

“Voltei para a emissora, coloquei a reportagem no ar e fui embora, imunda e cansada”, conta Eleonora, em entrevista exclusiva ao NaTelinha. Depois de uma ida ao shopping para jantar, voltando para casa, ela deu de cara com um motoboy da Globo, acionado para lhe informar sobre a suspeita da queda de uma aeronave na Serra da Cantareira. “Fiz alguns contatos e, em questão de minutos, eu já sabia que era o avião dos Mamonas Assassinas.”

Era o início de uma cobertura histórica para a TV brasileira: o acidente havia matado todos os integrantes da banda mais popular do país, além de um segurança, um assistente de palco, o piloto e o copiloto. “Liguei para a redação e falei com o diretor Roberto Müller, que vetou a divulgação. Ele disse: ‘Imagina… Não podemos dar essa notícia assim. É preciso ter muita certeza. Olha só de quem vocês estão falando’. E eu dizia: ‘Mas eu tenho certeza que são os Mamonas’”.

Na época, a jornalista fazia um curso de pilotagem de aeronaves. Traçou, então, com o piloto da Globo, o plano de voo, com possibilidades de local do acidente. Ela sabia que o learjet usado pela banda era um avião de caça adaptado para passageiros. “Os pilotos costumavam dizer que, para pilotá-lo, era preciso ter pé e bunda. As respostas aos comandos eram muito rápidas, e o piloto que não estivesse muito bem treinado podia ter dificuldades.”

O combinado era que o helicóptero da Globo decolasse no momento em que saísse o primeiro raio de sol daquele domingo, 3 de março de 1996. Para não perder tempo, Eleonora pegou a estrada e foi logo para a Serra da Cantareira, onde passou a madrugada. No dia seguinte, logo pela manhã, o piloto da emissora encontrou o ponto exato onde estavam os destroços, antes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros.

A repórter então foi negociar com o comandante do grupamento: “Já localizamos os destroços. O helicóptero da PM ainda não decolou. Vamos fazer um acerto?”. Eleonora propôs dar as coordenadas, com uma condição: “O senhor segura toda a imprensa aqui e só eu vou com a tropa. Como fui eu que achei, tenho o direito de ser a primeira a chegar”. Ela ouviu um alerta do oficial: “Os meus homens não vão carregar nenhum equipamento nem vão socorrer você nem seu cinegrafista se vocês escorreguem. É por sua conta em risco”.

"Por várias vezes, foi preciso parar para respirar fundo"

Repórter relembra cobertura da morte dos Mamonas Assassinas: \"Pessoas queriam souvenirs\"

E assim Eleonora Paschoal foi a única repórter autorizada a adentrar a mata, na companhia do cinegrafista Américo Figueiroa. “Enquanto achávamos os destroços, eu ia fazendo a minha matéria, contando o que estava vendo. Tudo o que vimos, assim que chegamos, foi chocante, muito triste mesmo. Por várias vezes, foi preciso parar para respirar fundo. Nosso pensamento era: ‘Calma, vamos lá. A gente precisa esclarecer o que aconteceu e contar para as pessoas. E a gente só vai fazer isso se ficar equilibrado’.”

A jornalista já estava habituada a cobrir acidentes aéreos. Ainda assim, as imagens lhe causaram impacto. “Ninguém se acostuma com a tragédia. Na época em que comecei a trabalhar na Globo, eu não podia esboçar muita reação. Era preciso fazer um exercício, respirar fundo e passar a informação, fazendo o trabalho de ‘reportagem’ mesmo.”

A lembrança mais aterradora é mesmo dos corpos mutilados, espalhados pela mata. “Não vou entrar em detalhes, porque acho que ninguém merece detalhes disso. Eu e meu cinegrafista precisamos parar por alguns segundos. Pedimos luz para aquelas pessoas e força para que a gente pudesse terminar o nosso trabalho. Tivemos que segurar a emoção e fazer tudo de forma mais clara e objetiva possível.”

Outras imagens ficaram na memória da jornalista: o saco com o corpo do vocalista Dinho sendo içado pelo helicóptero e a jaqueta do grupo, que encontrou pendurada em uma das árvores. “Fiz uma passagem na reportagem da Globo mostrando exatamente como encontramos aquela jaqueta. Aliás, não tocamos em nada. Tudo o que mostramos na reportagem estava exatamente da forma como foi encontrado depois do acidente.”

Também ficou na memória da jornalista o ocorrido na noite anterior. “Você acha que sobreviveu alguém?”, perguntou um colega. “Não. Pelo impacto e pelo tipo de avião, nem milagre faria alguém sobreviver a esse acidente”, respondeu Eleonora, sem perceber que, a seu lado, estava a então namorada de Dinho, ansiosa por notícias. “Ela ficou muito brava comigo, como se eu tivesse desejado que eles estivessem mortos, quando, na verdade, foi uma constatação técnica.”

"Falo disso e fico até arrepiada até hoje"

Repórter relembra cobertura da morte dos Mamonas Assassinas: \"Pessoas queriam souvenirs\"

A reação de alguns curiosos também aparece entre as lembranças mais chocantes daquele trabalho. “As pessoas começaram a correr para a Serra, e pegavam tudo o que viam pelo caminho. As pessoas queriam souvenirs daquela tragédia. Falo disso e fico até arrepiada até hoje”, revela a jornalista, que também não se esquece da comoção em todo o país com a morte precoce dos cinco integrantes da banda:

“Todo mundo era fã deles. Eu também gostava das músicas, até hoje gosto. Meu filho tem 21 anos, ou seja, não viveu aquela febre, mas adora Mamonas Assassinas desde pequeno. Havia um carinho nacional, e eu me encaixo nessa legião de fãs. Achava a banda o máximo, com aquela vontade de viver e aquela luz para divertir as pessoas.”

Eleonora Paschoal, sobre Mamonas Assassinas

Hoje, Eleonora Paschoal se divide entre Orlando, nos EUA, e São Paulo, trabalhando como freelancer em várias emissoras brasileiras. “Antigamente isso era impossível e impensável. Mesmo com os freelancers, as empresas queriam exclusividade”, avalia. O método de trabalho já permitiu que ela cobrisse a morte de Gugu Liberato (1959-2019) para a Band e as eleições presidenciais nos Estados Unidos para o SBT.

Além do trabalho como repórter, a veterana faz palestras e atua como media training, gerente de crises e assessora de imprensa. Do triste episódio que completa 27 anos nesta sexta-feira (3), ela acredita que conseguiu deixar um recado: “Reafirmei aquela imagem de alguém que vai atrás da informação, e tenta dar a notícia da forma mais correta possível”.

“Um repórter não cria, mas recria. Ele não inventa, conta exatamente o que aconteceu. Depois, quando termina tudo, posso entrar no meu carro e até desmontar. Só que, durante o trabalho, eu preciso manter o meu sentimento o mais selado possível para passar a informação correta.”

Eleonora Paschoal
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