Atriz de Falas Negras chama a atenção para o racismo no Brasil: "Existe, é real e mata!"
No próximo dia 28, Aline Deluna presta homenagem a Josephine Baker em Paris
Publicado em 24/11/2021 às 05:59
No mês da Consciência Negra, o NaTelinha conversa com Aline Deluna, atriz que em 2020 interpretou Virgínia Leone Bicudo (1910-2003) no especial Falas Negras, da Globo, socióloga e primeira mulher psicanalista brasileira, nascida em São Paulo, foi Cofundadora da Sociedade Brasileira de Psicanálise e uma das responsáveis por importantes publicações na área.
A personagem da vida real não foi a primeira personalidade que a atriz deu vida. No próximo dia 28, a artista se apresenta no Chez George, em Paris, o Pocket Show em homenagem a Josephine Baker (1906-1975), primeira atriz negra a protagonizar um filme conhecida por sua militança e luta contra o nazismo, a homofobia e o racismo.
"Acho extremamente simbólico e de extrema importância que uma artista negra do alcance que foi Josephine Baker, 46 anos após sua morte, receba uma homenagem de tamanha grandeza e reconhecimento por toda sua luta e o que ela representa ainda nos dias de hoje", diz, Aline.
No mês da consciência negra, como você se sente quando escuta alguém dizer que deveria se "consciência humana"?
Aline Deluna - Penso que isso faria sentido se todos os seres humanos não recebessem tratamentos diferentes por causa de sua cor ou cultura. É claro que será um dia lindo quando pudermos não falar mais em racismo, quando não for mais necessário debater esse tema, mas, ainda, chegarmos nesse dia. O racismo existe, é real e mata! Então, é um tema urgente. O mês da Consciência Negra é um mês onde a cultura Negra, a historia, a beleza, ficam em evidência e não podem ser ignoradas como acontece na maior parte do tempo. A mídia, o mercado, a indústria da Moda, se sentem obrigados a dar voz a pessoas negras e, infelizmente, ainda precisamos abrir caminho na "marra" para, aí sim, mostrarmos nosso talento, nossa cultura, nossa historia, nossa produção. A ideia da meritocracia faz crer que quem é bom se destaca e obtém sucesso consequentemente, mas isso não acontece se quem detém os meios para que esse "destaque" seja possível não abre espaço. Ainda é preciso entender e aprender muito sobre o processo escravocrata pelo qual o povo negro passou, e as consequências disso até hoje.
133 anos depois da abolição da escravatura no Brasil ainda nos deparamos com casos de racismo. Acredita que vamos precisar de mais 133 anos para aprender alguma coisa?
Aline Deluna - Espero que não! Mas, infelizmente, enquanto vivermos em um sistema que se baseia na exploração de mão de obra barata para benefício de uma elite, sempre haverá um esforço para conservar uma parte da população que sirva para exploração. O povo negro, antes escravizado, hoje, ainda, é mantido num lugar inferiorizado, também por questões politicas e de interesse econômico para a manutenção desse sistema.
Você participou de Falas Negras Virgínia Bicudo, e da série Sob Pressão como uma mulher vítima de feminicídio. Assim como o racismo, a violência contra a mulher ainda se faz muito presente na sociedade. Qual a importância de trabalhos como estes na televisão?
Aline Deluna - A televisão ainda é o meio de comunicação mais popular, de um impacto imenso na população. Apresentar temas assim, através da arte que tem uma maneira diferente de causar impacto e transformar ideias, é um privilégio muito grande. Óbvio que o entretenimento leve e divertido é importante também, mas poder usar esse espaço para trazer temas como o feminicido e, mais do que isso, poder mostrar as consequências, os efeitos, e reflexões sobre, ter o poder de incentivar a fala sobre um assunto tão silenciado... Os índices de morte de mulheres, em grande parte por seus próprios companheiros, é assustador, e mostra como a mulher ainda é vista como um objeto de posse na nossa sociedade.
No próximo dia 28, você apresentará no Chez George, em Paris, um Pocket Show em homenagem a estrela norte-americana Josephine Baker. O que o público pode esperar deste espetáculo? Está ansiosa?
Aline Deluna - O Pocket Show é versão reduzida do espetáculo musical “La Vénus Noir”, realizado no Brasil, o teatro Maison de France, mas que mantém a mesma característica de mesclar a historia da vida de Josephine Baker, com humor, números de dança e canções. Aqui [França] será apresentado todo em Francês. Claro que eu estou ansiosa! Já seria natural a ansiedade antes de uma nova estreia, ainda mais em um espetáculo apresentado em língua estrangeira e, em um momento tão importante na historia da personagem, mas, no fundo, é essa ansiedade que dá o gostinho de aventura. E depois é só tomar uma tacinha de vinho francês pra relaxar. [risos]
Ativista, naturalizada francesa, Josephina Baker lutou contra o nazismo, o racismo e a homofobia. 46 anos após a morte da artista, sua luta parece não ter fim. O que deu errado?
Aline Deluna - Não deu errado, a luta continua, só ainda não terminou. Infelizmente, a falta de informação, a distorção dos fatos e o medo, fazem com que as pessoas tombem para o lado errado da luta simplesmente por não conseguirem enxergar dessa forma. É preciso investir em educação, em cultura, em formação de pensamento critico para fortalecer a massa que enfrenta essas forças que pregam o ódio. Josephine não teria como fazer isso sozinha, ninguém consegue fazer uma revolução desse tamanho sem o apoio da maioria.
Durante a pandemia e o isolamento social, a cultura foi fundamental para nossa saúde mental, a mesma cultura tão criticada pelo governo. Você acredita que quando isso tudo passar, o artista será mais valorizado?
Aline Deluna - O artista tem uma alma livre, e a liberdade tem incomodado muito atualmente, tanto que é o principal alvo de ataque do atual governo. Um povo não vive sem cultura, isso é fato, e essa cultura será consumida, mas acho que no nosso país o artista só será valorizado novamente quando essa onda de ódio e desgoverno passar. E espero que isso aconteça o mais rápido possível.
Você como atriz, mulher e negra, qual papel gostaria de fazer na TV, teatro ou cinema?
Aline Deluna - Todos! [risos] De verdade, eu gostaria de poder ter a mesma liberdade que o teatro oferece na televisão, sem a necessidade de estabelecer perfis ideais para cada tipo de personagem. Eu gostaria de poder interpretar um personagem totalmente diferente de mim e que isso não fosse uma questão. Eu gostaria de experimentar essa liberdade na televisão. Mas, óbvio que poder usar esse espaço para resgatar pessoas reais, mulheres reais, com historias apagadas pelo tempo, e colocá-las à disposição para servirem de inspiração e exemplo é uma grande paixão que eu tenho.
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