Mídia, Mercado e Etc.

Cinema reforça posição elitista e sofre com temporada fraca em sucessos

O verão do hemisfério norte se encerra com apenas três grandes bilheterias e com uma sensação de que poderia ter sido melhor

Somente Barbie superou US$ 1 bilhão no faturamento mundial - Fotos: Divulgação
Por Renan Martins Frade

Publicado em 19/09/2023 às 06:20:00,
atualizado em 19/09/2023 às 09:51:11

Acabou a época mais importante do cine pipoca. Só que a temporada de verão dos cinemas norte-americanos, que vai de maio ao começo de setembro, foi encerrada em 2023 com um gosto agridoce na boca. Se por um lado tivemos fenômenos como Barbenheimer e um incremento na bilheteria global, do outro fica a sensação de fracasso e desilusão com o futuro da sétima arte.

O verão do hemisfério norte é considerado o "horário nobre" da telona desde o final dos anos 1970, quando filmes como Tubarão e o primeiro Star Wars criaram uma fórmula para os estúdios. Desde então, os grandes grupos de mídia costumam fazer as suas maiores apostas no momento em que os Estados Unidos e a Europa vivem a sua época mais quente, com gente na rua buscando diversão fora de casa. Foi assim por décadas.

Como a Terra é redonda e possui uma inclinação axial de 23º, o hemisfério sul (incluindo o Brasil) vive o inverno durante o mesmo período. Ainda assim, o resto do globo se adapta (muito bem) a esse costume "importado".

Só que a pandemia quebrou com esse ciclo – e, agora, a indústria do entretenimento tenta retomá-la.

Não que todo mundo esteja reclamando do verão de 2023. Barbie foi a grande vencedora, acumulando US$ 612 milhões na América do Norte. Até aqui, em nível mundial, o longa-metragem estrelado por Margot Robbie alcançou US$ 1.4 bilhão – o que coloca a produção como a 14ª maior bilheteria da história. Os dados (como todos do tipo neste artigo) são do Box Office Mojo.

Oppenheimer também se deu bem. A obra do diretor Christopher Nolan foi a responsável por um grande frisson cultural neste ano, ao lado de Barbie, chegando a uma arrecadação nos EUA (considerando apenas a temporada) de US$ 310 milhões. No mundo, já são US$ 912 milhões. Para um longa denso e complicado (com 3h de duração), o resultado é ótimo.

Também podemos considerar que a animação Homem-Aranha: Através do Aranhaverso fez bonito, movimentando US$ 689 milhões do em todo o planeta – quase o dobro da primeira parte da franquia.

Somando todos os 204 longas lançados nos Estados Unidos durante o verão de 2023 (dois a mais do que em 2022), a bilheteria geral aumentou em 19,1%.

Esse é, definitivamente, o lado meio cheio do copo.

Tudo que deu errado

Se de um ano para o outro o salto foi expressivo, a arrecadação desta última temporada perde força no contexto pré-pandemia. Os US$ 4,03 bilhões de 2023 são inferiores aos US$ 4,3 bilhões de 2019, por exemplo.

Entre os filmes, apenas um (Barbie) cruzou a marca mágica de US$ 1 bilhão no faturamento mundial. Outros concorrentes ao posto – como Guardiões da Galáxia Vol. 3, Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte 1, Velozes e Furiosos 10, A Pequena Sereia, The Flash e Transformers: O Despertar das Feras – não chegaram lá. “Floparam”, como se diz.

Foram diversos os motivos para esse cenário. O primeiro: qualidade e críticas ruins. Produções como a do Flash e o novo Indiana Jones se mostraram fracas ou não empolgaram o público. Em outros casos, há um sentimento de desgaste com os super-heróis. Por fim, o mercado da China passou nos últimos anos a rejeitar as produções norte-americanas, que perderam essa enorme fonte de renda.

Contribuiu também a greve em Hollywood. Os atores paralisaram as atividades bem no meio do verão, em 14 de julho. A partir de então, eles não deram mais entrevistas sobre os lançamentos, nem desfilaram pelos tapetes vermelhos. Ainda que muitos tenham adiantado esse trabalho (no que foi possível), parte dos longas da temporada ficou com uma divulgação bem aquém da ideal. É o caso de Besouro Azul, co-estrelado pela brasileira Bruna Marquezine – que expôs seu descontentamento com isso em mais de uma ocasião.

Fora que a paralisação fez com que alguns estúdios tirassem o pé dos lançamentos a partir de agosto.

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Todavia, esse é apenas um lado da questão. É cedo para tirar conclusões, mas – ao que parece – o comportamento do público mudou de 2020 pra cá. Se antes ir ao cinema era um programa para se entreter independentemente do que estava em cartaz, hoje as pessoas só vão mesmo para assistir a um filme que realmente acreditam valer a pena, que apresente uma "experiência" única que não pode ser reproduzida do sofá de casa.

Pior: para a maioria do público, são poucos longas-metragens escolhidos para ter essa “experiência” em uma temporada. No caso de 2023, Barbie e Oppenheimer ocuparam esse posto, fazendo com que o novo Missão: Impossível sumisse rapidamente, por exemplo.

E no resto do ano?

Quando se olha para o restante de 2023, o cenário não é muito melhor. Antes do verão do hemisfério norte, o grande lançamento foi Super Mario Bros.: O Filme, com uma renda de US$ 1,36 bilhão. Esse e Barbie provavelmente serão as únicas produções deste ano ultrapassando a marca de US$ 1 bi neste atual ciclo do nosso planeta ao redor do Sol.

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O prognóstico não é muito melhor daqui até dezembro. Como já comentamos nesta coluna do NaTelinha, o cinema já sente os impactos da greve. Os estúdios adiaram lançamentos como Duna: Parte 2 para a próxima temporada, enquanto mantiveram para agora aqueles títulos que tem tudo para naufragar (como Aquaman 2 e Wonka).

A época de Natal, outra importantíssima para os estúdios, agora aposta todas as suas fichas em Napoleão (estrelado por Joaquin Phoenix e dirigido por Ridley Scott) e As Marvels. Um dificilmente repetirá o sucesso de Oppenheimer, enquanto o outro já sofre com as desconfianças dos próprios fãs da Marvel Studios.

Cinema de elite

Também como já foi tema aqui, em Mídia, Mercado e Etc., algo está quebrado em Hollywood – e este verão é mais um sintoma disso. Está na hora de pensar em soluções.

Dobrar a aposta, com produções ainda mais grandiosas e orçamentos gigantescos, não está funcionando. A popularidade das histórias novas – mesmo que baseadas em marcas pré-estabelecidas – pode ser um caminho, mas os resultados de Barbie e Super Mario Bros. dificilmente vão originar novas fórmulas de sucesso para a indústria.

Ao mesmo tempo, cresce a concorrência da internet e das novas mídias. Vídeos curtos, como os do TikTok, se tornaram um verdadeiro fenômeno. A dispersão da atenção é super estimulada nesta década de 2020.

Outro peso é que o cinema se tornou algo de elite, caro e inacessível para a maioria. Não se fomentam novos espectadores, e a fascinação pela sétima arte vai minguando. Nada mais lembra aquela mídia popular de antigamente.

Isso fica bem claro nos Estados Unidos, que possuem uma economia linear e coesa através das décadas. Por lá, um ingresso custava 25 centavos na década de 1930, quando a telona se tornou amplamente acessível. Hoje, atualizado pela inflação, isso corresponde a US$ 5,60 – enquanto o tíquete médio atual está em US$ 10,53, de acordo com The Numbers.

No Brasil, a situação segue o mesmo caminho. De acordo com a Folha de S.Paulo, o Espaço Itaú de Cinema da Rua Augusta, tradicional na capital paulista por ter um perfil cult, cobrava entre R$ 5 a R$ 7 em 1997 – o que daria de R$ 23,68 a R$ 33,15 na correção pelo IPC-A para 2023. Hoje, os valores da inteira nesse mesmo exibidor ficam entre R$ 28 e R$ 40. Ficou mais salgado.

As ações para ajudar nessa popularização ainda são isoladas, mas com resultados positivos. O National Cinema Day, com ingressos mais baratos e realizado nos EUA, levou 8,1 milhões de pessoas aos exibidores, um incremento de 16% em relação a um dia normal. No Brasil, a Semana do Cinema (por R$ 10 a sessão) de 2022 movimentou 3,3 milhões em público, resultado 296% acima da marca do mesmo período de 2021.

Agora, será que apenas uma semana de promoções é o suficiente? E não se trata apenas de diminuir o valor cobrado, ou de se repensar orçamentos e a distribuição de receita entre distribuidores e exibidores. Na realidade, é o trabalhador quem é pouco remunerado: se o salário mínimo estivesse dentro do que é considerado correto no Brasil (R$ 6.578, de acordo com o Dieese), haveria mais dinheiro para uma vida justa – incluindo aí o entretenimento, seja ele qual for.

Nessa marcha, com o cinema se tornando algo para poucos, fica realmente difícil fechar a conta.

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