Opinião

TV Brasil e Cultura: Ideologia impede debate sério sobre os rumos da TV pública no Brasil

Tarcísio de Freitas e Lula apresentam visões antagônicas para a TV Brasil e Cultura, mas país não discute para valer o formato


Lula e Tarcísio, os dois opõem os modelos da TV Brasil e da Cultura
Lula e Tarcísio colocam ideologia como tema central da TV Brasil e da TV Cultura - Foto: Reprodução/Internet
Por Daniel César

Publicado em 04/11/2024 às 07:00,
atualizado em 04/11/2024 às 10:41

Nos últimos dias, o Brasil entrou, meio que sem querer, numa discussão que está atrasada há pelo menos uma década: o mais viável modelo para a TV pública no país. Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abre os cofres e anuncia investimento recorde para a TV Brasil, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi na contramão e avisou que não há dinheiro no estado para investir na TV Cultura.

A EBC, mantenedora da TV Brasil, anunciou recentemente um edital de R$ 110 milhões, em parceria com a Ancine, para projetos no audiovisual. A estatal, inclusive, confirmou que irá investir na primeira telenovela do canal público de sua história, por meio de um edital com uma produtora. Este é o maior investimento da história do Brasil para dramaturgia no setor público.

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Em termos de comparação, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2022, o orçamento da EBC foi de R$ 506,7 milhões. Para 2024, no segundo ano de Lula, os valores subiram para R$ 792 milhões, um crescimento de 57% em dois anos.

Por outro lado, o jornal Folha de S.Paulo divulgou, também na última semana, que Tarcísio se reuniu em julho com a cúpula da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, para anunciar que não há verba para aumentar os investimentos da emissora pública paulista. Na ocasião, o governador sugeriu que a fundação buscasse soluções por meio de leis de incentivo com o setor privado: a Lei Rouanet, que é do governo federal.

Só para se ter uma ideia, no início de 2010, quando o governador de São Paulo era José Serra (PSDB), o Orçamento para a Fundação Padre Anchieta era de quase R$ 284 milhões. Em 2024, Tarcísio separou para manter o canal estatal R$ 208 milhões, um recuo de 27% em 14 anos. Segundo a Secretaria de Cultura do estado de São Paulo, neste ano houve um incremento de 10% para a Fundação, porém, em maio, o governo anunciou um contingenciamento de R$ 13 milhões.

A primeira visão mostra uma diferença ideológica entre dois governos antagônicos. Enquanto Lula aumenta o incentivo com dinheiro público para encontrar novos talentos e variedade de produção no audiovisual para uma TV pública, Tarcísio prefere fechar a torneira e mudar o foco do dinheiro do estado para o agronegócio, que recebeu R$ 1,4 bilhão, esvaziando cada vez mais a Cultura, que já foi uma das principais emissoras públicas do mundo.

O modelo do governo federal lembra o que a Inglaterra faz há anos, onde o setor público financia quase toda a programação da BBC, que se transformou no maior canal do país e num dos maiores da Europa. A Fundação Padre Anchieta apresentou um estudo para que a TV Cultura use um projeto semelhante, investindo num imposto voluntário, em conta de luz ou água, exclusivamente para manter o canal.

Numa análise simplista, o investimento de Lula na EBC e na TV Brasil parece muito melhor que a decisão de Tarcísio. A questão está no que se busca. É indiscutível que estrangular um canal tradicional como a Cultura não traz benefícios e a falta de visão do governo do Estado, que sequer abre editais do Proac pensando numa parceria com a Fundação Padre Anchieta somente apaga a visão artística e audiovisual, deixando São Paulo distante do protagonismo que dele se espera.

Houve um momento em que a TV Cultura competia em qualidade artística com outros canais e tirava da Globo e, consequentemente do Rio de Janeiro, a primazia de produções na dramaturgia. Obras como Castelo Rá-Tim-Bum e Mundo da Lua colocaram não só o canal, mas o estado no itinerário do audiovisual brasileiro.

Por outro lado, o investimento recorde do Governo Federal também não diz a que veio. Abrir um edital de milhões para uma novela a ser exibida na TV Brasil é a solução para uma TV Pública eficaz? A TV Brasil, diferente da BBC na Inglaterra, não está no imaginário popular e em tempos de crise de audiência entre todos os canais, não parece que irá colher louros de audiência.

Lula nunca escondeu que queria ter no Brasil sua própria BBC. Acontece que o mundo mudou e agora, a televisão divide espaço com outros meios, como o streaming e o video on demand. Enquanto a EBC investe milhões para produções de televisão aberta, o mundo já busca uma solução para o streaming, que veio para ficar.

Só a título de comparação, segundo o balanço divulgado no início do ano, em 2023, o SBT teve um faturamento de R$ 1,1 bilhão, apenas R$ 320 milhões a mais que a EBC. Ainda assim, a TV Brasil não chega a um ponto, embora tenha apresentado crescimento no início do ano.

A TV Cultura chegou a anunciar que iria migrar para o digital, com o lançamento de sua plataforma de streaming. Um dos nomes que chegou a auxiliar no projeto foi Boni, em 2019, quando o governo de São Paulo estava nas mãos de João Dória (PSDB), mas o projeto acabou não saindo do papel.

Em 2023, a diretora da TV Brasil, Antônia Pellegrino, também defendeu a necessidade de um streaming.  "É um debate que a gente começou a fazer com a Ancine [Agência Nacional do Cinema] e com a SAV [Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura]. Conversamos também com a SPCine [Empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo]. E acho que seria muito interessante trazer o BNDES para a mesa. Precisamos pensar um streaming público, parrudo, capaz de dar conta de todo o repertório que a EBC irá receber de um conjunto de obras", afirmou ela, à época, para a Agência Brasil. A ideia, no entanto, também não saiu do papel.

Na corrida entre Lula e Tarcísio pelo modelo ideal da televisão pública, os dois esbarram na busca do imediatismo e parecem ignorar as mudanças significativas do audiovisual no restante do mundo. Ainda assim, é muito mais fácil para a TV Brasil, recheada de programação de qualidade, se encontrar no universo digital, do que a TV Cultura, cada vez mais silenciada por um grupo que não parece afeito à cultura nacional. 

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