Parceiro de Jô Soares lembra idas a delegacia e diz que Capitão Gay seria vetado em 2022
Eliezer Motta, conhecido por personagens como Batista e Carlos Suely, fala da perda do amigo: "O que eu sei de televisão, aprendi com ele"
Publicado em 09/08/2022 às 04:00,
atualizado em 09/08/2022 às 09:33
Eliezer Motta formou com Jô Soares (1938-2022) uma dupla de grande sucesso nos anos 1980. Eles eram, respectivamente, Carlos Suely e o Capitão Gay, personagens populares do humorístico Viva o Gordo, da Globo. Em entrevista ao NaTelinha, o ator, hoje aos 77 anos, fala sobre a perda do amigo e parceiro de trabalho de longa data, que morreu na última sexta-feira (5), aos 84 anos.
“Quando recebi a notícia, um filme passou pela minha cabeça. Foram 19 anos de parceria, de amizade. O que eu sei de televisão, aprendi com o Jô. Quando fui trabalhar com ele, era muito novo, bobo mesmo. Ele foi meu mestre, quem me ensinou o tempo de humor”, comenta Eliezer Motta.
Ele conta que teve grande amizade com Jô no período em que trabalharam juntos, época dos humorísticos Faça Humor não Faça Guerra (1970), Satiricom (1973), Planeta dos Homens (1976), Viva o Gordo (1988), todos esses na Globo, e Veja o Gordo (1988), no SBT. “Lembro de acompanhá-lo na compra de seus primeiros carros, uma Brasília e um Fiat 147. Também conheci todas as esposas e as namoradas. Estávamos sempre juntos”, relata.
Denúncias contra Jô renderam boas histórias
Além de ator, Eliezer Motta foi do exército militar e atuou como detetive da Polícia Civil do Rio, entre as décadas de 1960 e 1980. Das histórias que guarda com o amigo, ele resgata duas idas à Polícia Federal. Em uma delas, Jô Soares havia sido acusado de criar o adesivo “Pluto é filha da Pluta”, popular nos vidros dos carros na época. Em outra ocasião, o humorista acabou se atrapalhando:
“Fizeram uma queixa na Polícia Federal de que o Jô vendia contrabando dentro da Globo. Fui com ele conversar com o delegado. O Jô estava muito nervoso, o que é normal, sempre que se mexe com autoridades. Perguntou se podia fumar, tirou uma carteira de cigarros americanos e ofereceu um ao delegado, que reagiu: ‘Você diz que não faz contrabando e me oferece cigarro importado?’ (risos).”
Eliezer Motta
“Faziam algumas denúncias contra ele na época. Eram brincadeiras de mau gosto, uma maldade, mas que renderam histórias engraçadas”, comenta Eliezer. O veterano também tem saudades das molecagens com o amigo, como a mania de simular brigas físicas em diversos lugares – até mesmo na saída do Copacabana Palace. “Com ele, era gozação o tempo inteiro”, recorda.
Capitão Gay em 2022
Em quase duas décadas de parceria, os artistas deram vida a inúmeros personagens de sucesso. Carlos Suely e o Capitão Gay estão entre os mais lembrados até hoje. “O disco compacto da dupla vendeu mais de 250 mil exemplares. Nas boates, tocava muito o tema dos personagens”, conta Eliezer Motta.
O ator avalia que, 40 anos depois, a sátira não seria bem aceita. “Naquela época, podíamos brincar, fazer esses personagens. Era tudo uma diversão, uma brincadeira. A gente se divertia e ria muito durante as gravações. Hoje, não iam deixar. Se fizéssemos agora, no dia seguinte teria uma ação na Justiça proibindo os personagens.”
“Muitos gays iam curtir, mas não todos. Agora, tudo é homofobia. Tudo rende processo, não se pode mais brincar com ninguém… Sendo que, na época, os gays me abordavam nas ruas, me davam dicas. Diziam ‘faz isso’, ‘diz aquilo’. Fui a muitas boates gays, me chamavam para entrevistas. Tinha um relacionamento maravilhoso com esse público.
Eliezer Motta
Retaliação da Globo nos anos 1980
O ator conta que, quando Jô Soares optou por sair da Globo e migrar para o SBT, parte do elenco do Viva o Gordo acompanhou o humorista. “Pela nossa amizade e pela quantidade de trabalhos que fazíamos, fui também para o Veja o Gordo. A cada mudança e novo contrato renovado, eu aprendia cada vez mais”, avalia Eliezer.
Na época, Jô sofreu uma retaliação da Globo, que vetou as propagandas em que o ex-contratado aparecia. No fim dos anos 1980, o artista mostrou revolta com a atitude e fez críticas ao então diretor da emissora, Boni, em uma participação no Troféu Imprensa. A medida também afetou Eliezer naqueles anos.
“A Globo também proibiu os meus comerciais na época. Foi uma espécie de vingança porque fomos para o SBT”, recorda. Ele voltaria à emissora carioca na Escolinha do Professor Raimundo, nos anos 1990, depois que o parceiro investiu no talk show Jô Soares Onze e Meia. Este também retornaria em 2000, com o Programa do Jô.
Negócio longe das câmeras
Desde 2017, Eliezer Motta está no elenco da série Tô de Graça, do Multishow. “Quando o Rodrigo Sant'Anna me convidou, eu não queria fazer. Estava ocupado com minhas lojas, mas devido à amizade com ele, resolvi fazer. Deu tão certo que já estamos na sexta temporada e há um projeto de filme vindo aí”, revela.
O humorista também estará em uma série de comédia da Netflix, ainda sem informações divulgadas. Longe das câmeras, ele ainda é empresário e comanda lojas da franquia Rei do Mate, tocadas em parceria com a esposa, Cíntia Motta. “Ela me ajuda muito quando estou gravando ou viajando”, detalha.
“Nós que somos atores não podemos ficar dependendo muito da arte, que é uma área muito difícil. Tem horas que você tem trabalhos, outras não. Achei melhor investir em outro segmento para garantir uma vida melhor para minha família.”
Eliezer Motta