Entrevista exclusiva

Maria Adelaide Amaral: "Não havia mais lugar para mim na Globo"

Autora fala de projetos fora da TV, diz que última novela foi "o grande fracasso" de sua vida e opina sobre José Mayer e remake de Vale Tudo


Maria Adelaide Amaral
"É um alívio, a essa altura do campeonato, não precisar mais escrever novela", diz Maria Adelaide Amaral, aos 82 anos - Foto: Jairo Goldflus
Por Walter Felix

Publicado em 16/06/2025 às 04:00,
atualizado em 13/07/2025 às 22:00

"Não havia mais lugar para mim na Globo." A frase de Maria Adelaide Amaral evidencia as escolhas e prioridades da escritora, hoje aos 82 anos, e também a tendência da emissora, que nos últimos anos dispensou veteranos e abriu mão de investir em produtos mais sofisticados em teledramaturgia. Autora de novelas importantes e minisséries históricas – no amplo sentido da palavra –, ela deixou a empresa em 2022, após 32 anos como contratada.

Em entrevista exclusiva ao NaTelinha, Maria Adelaide Amaral fala dos projetos desenvolvidos desde que saiu do ar. Sua última criação exibida na Globo foi “o grande fracasso” de sua vida: a novela A Lei do Amor, entre 2016 e 2017. Fora da TV, ela manteve a produção em cinema, teatro e literatura e, mesmo com o retorno recente de veteranos ao quadro de contratados da emissora, descarta a possibilidade de voltar.

— É um alívio, a essa altura do campeonato, não precisar mais escrever novela. Não tenho mais fôlego para isso, nem com 50 colaboradores. Porque, no fim, você é responsável pela escaleta e pela redação final. É um trabalho do cão, além de você responder por mil e uma coisas. Não quero mais isso. Ou melhor: não preciso mais disso.

Sem vínculo com a televisão, Maria Adelaide foi convidada pelo diretor Bruno Barreto para escrever um roteiro baseado no livro Em Nome dos Pais, de Matheus Leitão, filho de Marcelo Netto e Míriam Leitão, sobre o drama vivido pelos jornalistas durante a ditadura militar. Depois de três anos na empreitada, finalizada recentemente, ela escreve outro filme a pedido do cineasta, projeto que também deve virar uma peça de teatro.

Membro da Academia Paulista de Letras, ela ainda se dedica ao relançamento de seus antigos romances pela Editora Instante: Luísa, de 1986, voltou às livrarias em 2023; Aos Meus Amigos, de 1991, retornou em 2024; e agora é a vez de O Bruxo, publicado originalmente em 2000.

— Uma das grandes alegrias do não renovamento do meu contrato com a Globo tem sido trabalhar para o cinema. Outro enorme prazer é a reedição dos meus livros. Com isso, o meu tempo ficou ocupado. Nunca fui tão solicitada para fazer palestras como atualmente. Tanto o teatro quanto a televisão foram avassaladores na minha vida. Saía de um trabalho e já entrava em outro, quase que de maneira ininterrupta. Felizmente, não estou só no sofá assistindo à televisão ou ao streaming. Continuo no meu computador criando, lendo, me instruindo e dando palestras. Sempre quis ter uma velhice produtiva e estou tendo, é isso que interessa.

O último trabalho desenvolvido para a Globo começou como uma minissérie de 51 capítulos sobre a vida do compositor Carlos Gomes (1836-1986), feita sob encomenda de Silvio de Abreu, então diretor de dramaturgia. Diante dos custos da produção, a autora recebeu a orientação de reformular a obra, transformando-a em uma novela de 125 capítulos. O projeto nunca saiu do papel.

— Foi o arremate final. O Silvio saiu e entrou o Ricardo Waddington [como diretor dos Estúdios Globo], que uma semana após ter assumido me ligou para dizer: ‘Olha, a gente não tem dinheiro para produzir nem a sua minissérie e muito menos a sua novela de época’. E assim terminou a minha história na Globo.

"O público de televisão sabe o que é bom. Quando recebe o melhor, ele entende, acolhe e cresce junto"

A Muralha
Alessandra Negrini e Mauro Mendonça em A Muralha - Foto: Divulgação/Globo

Ao longo da carreira na TV, Maria Adelaide Amaral conheceu o sucesso em novelas, mas são as minisséries que mais se destacam no currículo da autora. Ela ajudou a consolidar o formato na Globo com títulos como A Muralha (2000), Os Maias (2001), A Casa das Sete Mulheres (2003), Um só Coração (2004), JK (2006) e Queridos Amigos (2008). O gênero, marcado por adaptações de livros e retratos de momentos importantes da história do Brasil, acabou descontinuado.

— Segundo eles, uma minissérie nunca se pagava, o que acho meio estranho. Isso era o que eles diziam… Sei por exemplo que A Casa das Sete Mulheres foi exibida no mundo inteiro. Quando cheguei em Cuba, era uma coisa impressionante, as pessoas estavam enlouquecidas com a história.

Conhecida pela exigência e o rigor, a escritora recebeu apelidos como “sargenta” do colega Walther Negrão e “generala” do diretor Jayme Monjardim – dupla com a qual trabalhou em A Casa das Sete Mulheres (2003). Suas minisséries eram elogiadas pelo requinte de texto e de produção e costumavam despertar a audiência para a história do país.

— Eu sempre dizia assim: a gente tem que oferecer o melhor para esse público. Porque o público de televisão sabe o que é bom. Quando recebe o melhor, ele entende, acolhe e cresce junto. Você engrandece as pessoas e o país. Acende um interesse formidável, e isso não tem preço.

Na Globo, as minisséries deram espaço a séries ainda mais curtas, mais distantes das novelas e próximas dos seriados. Nesse modelo, a autora fez as biográficas Dalva e Herivelto: Uma Canção de Amor (2010) e Dercy de Verdade (2012). Ela – que diz com orgulho “ter criado Vincent Villari” e ainda que “viu nascer João Emanuel Carneiro” –, elogia autores da nova geração, como Lucas Paraizo, de Os Outros; George Moura, de Onde Está Meu Coração; e Manuela Dias, de Justiça.

— Essas minisséries funcionam, são eficientes, mas têm outro espírito, não são mais históricas. Porque minissérie histórica dá muita despesa, muito trabalho, é um investimento muito grande na direção de arte, nos valores assinalados. Eles passaram a dar prioridade a outras coisas. Não preciso nem falar o que aconteceu depois, sob as sucessivas novas direções [na dramaturgia da Globo]. Não vou discutir, porque eles entendem disso muito melhor do que eu. Eles sabem onde aperta o sapato. O fato é que não havia mais lugar para mim na Globo.

A Casa das Sete Mulheres
Camila Morgado, Bete Mendes, Nívea Maria, Daniela Escobar, Eliane Giardini, Samara Felippo e Mariana Ximenes em A Casa das Sete Mulheres - Foto: Divulgação/Globo

"O 'padrão Globo de qualidade' mandou lembranças! Compara Vale Tudo de hoje com Vale Tudo de 1988"

Nos últimos anos, vários profissionais renomados perderam contratos de longa duração com a emissora, que passou a privilegiar acordos por obras certas. Além de atores e autores – a saída mais recente foi de Gloria Perez –, nomes importantes das equipes técnicas também foram dispensados.

— Acho que o produto técnico da Globo decaiu muito em função dessas demissões. Essas pessoas fazem falta não só pelo que eram, mas pelo que ensinavam às novas gerações, aos aprendizes. O “padrão Globo de qualidade” mandou lembranças! Compara Vale Tudo de hoje com Vale Tudo de 1988... Você percebe a diferença na direção. As pessoas não têm a mesma competência. Na luz, na qualidade dos cenários, que são precários. Antes, você tinha grandes cenógrafos, diretores de arte e figurinistas trabalhando ali. Foi uma escolha muito ruim da Globo ter se livrado de tanta gente necessária.

Ela afasta a possibilidade de voltar à TV mesmo diante do aceno mais recente aos escritores veteranos. Aguinaldo Silva, que saiu em 2020, escreverá a próxima novela das 21h, Três Graças. Lícia Manzo, dispensada no ano passado, agora desenvolve uma série. Ana Maria Moretzsohn também foi chamada de volta.

— Fico feliz por isso. Por outro lado, que bom que eu estou longe! Já dei minha contribuição para a televisão. Foram 32 anos na Globo. Foi ótimo enquanto durou. Agradeço muitíssimo sob todos os pontos de vista, não só pelas obras que pude escrever, mas pelo fato de ter sido reconhecida e bem paga. Hoje, tenho um conforto e uma dignidade porque fui muito bem paga e fiz uma poupança para a minha velhice. Isso é importante, porque precisamos de dinheiro pelo menos para pagar um bom plano de saúde. Sou muito grata, mas as fases, os ciclos, se encerram. Dei minha contribuição à Globo e ela retribuiu generosamente.

Vale Tudo
Débora Bloch e Bella Campos em Vale Tudo - Foto: Divulgação/Globo

“Que bom que agora sou só telespectadora”, resume Maria Adelaide Amaral, que não se esquiva de dar seu pitaco sobre o remake de Vale Tudo, atual cartaz das 21h. “Assisto à novela porque gosto muito da Manuela [Dias, autora da adaptação] e gostava muito da primeira versão. Evidentemente, já me irritei muito. De vez em quando, falo: ‘Não faz isso com essa personagem!’”, entrega.

— Estava mais receosa pela Odete Roitman, mas acho que a Débora [Bloch] está fazendo divinamente. Gosto da Bella Campos. Acho que a Taís [Araujo] está bem. É surpreendente a Paolla Oliveira no papel de Heleninha. No começo, eu implicava. Sei que é uma personagem insegura, mas ela estava mais insegura do que pedia a personagem. Agora acho que ela está bem, acertou o tom. No caso da Solange [interpretada por Alice Wegmann], ela tem um discurso feminista às vezes que me enche muito o saco. É panfletário demais para o meu gosto. Aos olhos do grande público, ela parece uma chata, mas é uma grande personagem. Não precisa ficar fazendo discurso o tempo todo. Isso não ofusca absolutamente o brilho da Manuela como autora. A novela está melhorando a audiência e vai melhorar muito mais, porque não tem como dar errado. Essa é uma história muito boa, e ela está fazendo uma boa atualização.

"Quando uma novela não dá certo, é um inferno em vida"

Anjo Mau e Ti Ti Ti
Gloria Pires em Anjo Mau; Alexandre Borges e Murilo Benício em Ti Ti Ti - Fotos: Divulgação/Globo

Remake é um assunto que Maria Adelaide entende bem. Depois da estreia como colaboradora em 1990, ela estreou como autora titular em Anjo Mau (1997), releitura da novela apresentada em 1976 por seu mentor, Cassiano Gabus Mendes (1929-1993). Anos depois, voltou a revisitar a obra do escritor com Ti Ti Ti (2010), baseada na comédia de 1985 e em Plumas e Paetês, de 1980, ambas de Cassiano.

— O Silvio de Abreu foi a pessoa que mais me incentivou a ter uma obra minha [na época em que era colaboradora]. Ele foi quem mais batalhou para que eu começasse fazendo uma novela das seis, e o Boni queria que se fizesse o remake de Anjo Mau. Foi uma novela com enorme sucesso de audiência, um remake que deu muito certo, assim como Ti Ti Ti, que foi uma festa. É uma festa quando o produto é bom e faz sucesso, quando você não tem B.O. no elenco, nos bastidores, nas coxias, quando todo mundo está satisfeito com o seu papel. Foi um prazer extraordinário. Eu tinha uma afinidade muito grande com a obra do Cassiano. Ele era meu amigo. Foi ele que me levou para a televisão e me mostrou que escrever novela podia ser uma coisa divertida, porque ele era uma pessoa muito divertida, muito leve.

Apesar de todas as minisséries terem resultado em bastante prestígio, Maria Adelaide conheceu a cobrança por audiência com Os Maias (2001). Elogiada pela crítica, a adaptação do romance de Eça de Queiroz acabou não cativando o grande público.

— As coisas na televisão têm que fazer sucesso, não é, meu bem?! Você pode fazer um produto cultural, mas de preferência que ele seja um sucesso, porque senão todo mundo cai em cima de você.

A Lei do Amor
José Mayer e Vera Holtz em A Lei do Amor - Foto: Divulgação/Globo

A trajetória na TV ainda inclui Sangue Bom (2013), que ela define como “uma novela adorável”, exibida às 19h, e A Lei do Amor (2016), veiculada às 21h e classificada pela autora como “o grande fracasso da minha vida”. Ambas foram escritas em parceria com Vincent Villari, que havia sido seu colaborador em novelas e minisséries desde os anos 1990.

— Quando uma novela dá certo, não tem nada melhor, mas quando uma novela não dá certo, é um inferno em vida, isso eu te garanto. Sempre digo que o autor é o piloto de um boeing. Por mais que tenha colaboradores, está ali sem copiloto, porque a responsabilidade cai toda sobre ele. Claro que o Vincent também comeu o pão que o diabo amassou, teve crise de pânico e tal. Mas eu não podia me dar o luxo de ter nada, nem uma crise nem ficar doente. Ele fala longamente sobre isso e melhor até, porque ele tem melhor memória. Tendo a esquecer as coisas, e ele lembra de tudo com detalhes. Vincent defende muito A Lei do Amor, muito mais do que eu. Ele acha que fomos sabotados de várias maneiras, mas sobre isso eu prefiro não entrar em detalhes. Foi duro.

Além da baixa audiência, que implicou em diversas interferências da direção no trabalho dos autores, a novela ficou marcada por uma polêmica nos bastidores. José Mayer, que interpretou o vilão Tião Bezerra, foi acusado de assédio sexual por uma figurinista. O ator foi suspenso, não fez mais trabalhos na TV e deixou a Globo em 2019.

— Foi um arremate muito dramático, muito chato. Foi muito desagradável. Eu queria que ele estivesse fazendo outra novela que não fosse a minha quando aconteceu aquele incidente. Até porque, na hora, eu falei: “Poxa, mas que sacanagem com ele!”. Porque ele tinha uma história com essa menina, todo mundo sabia. Achei que foi “too much”, a reação foi muito exagerada.

A escritora, que tantas vezes destacou o feminino em sua obra, celebra os avanços na direção da igualdade de gênero. “Nunca ouvi se falar tanto de menopausa como atualmente. Parece que era um tabu”, menciona. Feminista, ela associa o movimento na atualidade à repercussão do caso supracitado.

— Eu sou velha, pertenço a outra geração. Não sou tão inflamada. Eu sou feminista muito antes deste movimento feminista [atual]. Lá, nos anos 1960, eu já era feminista.

Já consolidada na literatura e no teatro, Maria Adelaide estreou na televisão aos 48 anos. Aos 50, divorciou-se do marido com quem viveu por três décadas. “Muitas mulheres me perguntam o que acontece depois dos 50. Eu digo sempre que comecei uma nova fase da minha vida extremamente produtiva que assim até hoje.” Hoje aos 82, além de uma das escritoras mais celebradas do país, é mãe de dois homens e avó de dois rapazes e duas moças.

— Elas são feministas, as duas. Acho muito bacana e fico muito feliz com isso. Os dois meninos também precisam saber lidar com as mulheres, saber tratá-las. Meus filhos sabem dividir tarefas, e isso eu acho fundamental. Eu os eduquei para isso, porque também fui criada para pegar no pesado em casa, na cozinha, na faxina, lavando e passando minhas roupas, e só tive a ganhar com isso. Sempre achei e continuo achando que não vamos fazer o feminismo sozinhas. Os homens precisam ser bem educados, e normalmente os homens são educados por mulheres. Então precisamos educar essas mulheres para educarem seus filhos. É nisso que eu acredito.

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