O DNA das novelas: o estilo que fez história na Globo
Grandes autores moldaram a teledramaturgia da Globo com estilos únicos, marcando a história da TV e da cultura brasileira
Publicado em 23/11/2025 às 08:20,
atualizado em 23/11/2025 às 08:45
A teledramaturgia brasileira, em especial a produzida pela Globo, foi moldada por grandes nomes que imprimiram um estilo único em suas obras. Conhecer a assinatura de cada um é mergulhar na história da TV e da cultura nacional.
Com um estilo é inconfundível, Manoel Carlos é associado ao realismo crônico. Sua marca registrada é a protagonista feminina, invariavelmente batizada de Helena, afinal Helena virou clichê em suas novelas, que serve como um elo entre as diversas tramas e a espinha dorsal da narrativa.
Maneco é o dono das peculiaridades do Leblon, abordando temas sensíveis e do cotidiano, com situações que são tidas como possíveis de acontecer em âmbito nacional, conferindo um forte senso de realismo à sua teledramaturgia.
Seus antagonistas eram mais sutis, o mal nem sempre é explícito, mas reside nas relações humanas e nos conflitos da família burguesa. O texto de Manoel Carlos é tingido de peculiaridades, sua marca registrada, dosava sua escrita na medida certa, misturando a linguagem culta com a coloquial.
+ Tremembé tem 2ª temporada confirmada; Robinho será um dos personagens
+ Longe da TV, galã de Terra Nostra se dedica ao vinho aos 60 anos
Dono de obras inesquecíveis e abordagens inéditas na época da exibição, Maneco tatuou seu estilo na memória de milhares de brasileiros que acompanharam seus folhetins, em família, abriam suas salas para esse grande mestre contar suas histórias.
O mestre das tramas rurais é Benedito Ruy Barbosa, trazia o universo do campo, as sagas familiares e a relação do homem com a terra para o horário nobre.
Suas novelas frequentemente tinham um caráter épico e eram ambientadas em fazendas, abordando questões sociais do campo, imigração e grandes dramas que atravessam gerações, como em Renascer e O Rei do Gado.
O cerne de suas histórias está na construção de grandes núcleos familiares e na representação de valores tradicionais. Seu estilo é tão marcante que suas obras continuam sendo revisitadas e adaptadas por seus descendentes, mantendo seu DNA no ar.
Gilberto Braga ficou famoso por novelas urbanas, com enredos repletos de mistério, glamour e suspense. Seus textos eram notáveis pela crítica elegante à elite e à alta sociedade carioca, misturando luxo, mistério e a vida intensa de seus personagens, com grandes sucessos em diversas faixas de horário.

Muitas de suas novelas apresentavam um forte elemento de suspense, como a clássica pergunta "Quem matou?", como em Vale Tudo, envolvendo o público em intrigas complexas. Uma crônica social que faz falta na dramaturgia brasileira.
Conhecido por seu engajamento político, Dias Gomes trouxe para a televisão o drama social e o enfrentamento da censura.
Seu trabalho é marcado pelo interesse em retratar a realidade brasileira, muitas vezes com um viés de crítica social e ideologia. Sua obra O Bem-Amado foi a primeira telenovela a cores da Globo, e Roque Santeiro foi um símbolo de sua luta contra a censura militar no Brasil, trazendo para o centro da narrativa questões de moralidade e política.
Dias introduziu o anti-herói na teledramaturgia e utilizou uma linguagem mais coloquial e regional, aproximando a ficção do cotidiano brasileiro com irreverência e realismo mágico, um respiro para o público sair da realidade.
Conhecido por seu estilo popular, folhetinesco e por criar figuras femininas poderosas e vilãs inesquecíveis, Aguinaldo Silva é dono de obras que frequentemente misturavam o realismo com elementos de fantasia e o sobrenatural (o realismo mágico), como em Tieta e A Indomada.
Autor de vilãs icônicas e memoráveis, que são o motor de suas tramas. Suas novelas investem pesado no folhetim clássico no melodrama, garantindo um forte apelo popular.
O estilo de Silvio de Abreu na Globo
Silvio de Abreu é um dos autores mais celebrados por ter renovado o horário das 19h e também ter tido grande sucesso no horário nobre com uma fórmula eletrizante que mistura humor, sátira social, suspense policial e diálogos afiados.
Sua marca registrada é o "Quem matou?" dentro de um contexto de comédia sofisticada ou de sátira de costumes, transformando o folhetim clássico em um jogo de mistério vertiginoso.
O humor ácido costuma vir acompanhado de reviravoltas dramáticas e revelações bombásticas. Suas obras, muitas vezes ambientadas na alta sociedade de São Paulo e Rio de Janeiro, faziam uma crítica mordaz à burguesia e aos novos-ricos.
Ele explorou temas como ascensão social, corrupção e o mundo do consumo de forma irônica como em Guerra dos Sexos, A Próxima Vítima e Rainha da Sucata. Há até mesmo estudos acadêmicos sobre a influência de suas novelas, como o impacto de Rainha da Sucata nas mulheres brasileiras.
O autor é conhecido por criar personagens muito peculiares e caricatos, com falas e trejeitos inesquecíveis. Ele próprio mencionou em entrevistas que costuma ouvir as vozes de seus personagens enquanto escreve, o que confere uma autenticidade e vivacidade notável aos seus diálogos.
Sua narrativa é conhecida por ser muito bem amarrada, com ganchos fortes e quebra de ritmo constante, mantendo a atenção do público do início ao fim.
As novela de Glória Perez na Globo
Glória Perez se consolidou como uma autora que não tem medo de misturar o folhetim com temas de forte apelo social e cultural, muitas vezes trazendo o Brasil e o mundo para o debate na sala de estar.
Sua maior característica é o uso da telenovela como plataforma de serviço e denúncia, o melodrama e a denúncia. Ela frequentemente inseria o merchandising social, abordando causas nobres.
A autora introduzia núcleos culturais complexos e detalhados. O Clone (2001) trouxe o universo muçulmano e o debate sobre a clonagem humana, e Caminho das Índias (2009) focou na cultura indiana. Temas como tráfico internacional de pessoas, esquizofrenia, e, notavelmente, a luta em prol dos deficientes físicos em América são recorrentes.
Embora trabalhe com temas contemporâneos, Glória também insere elementos de fantasia ou realismo mágico em suas tramas, como a clonagem em O Clone. Suas histórias frequentemente se desdobram em grandes cenários, levando o público a viajar para diferentes partes do mundo, como Marrocos, Índia ou a fronteira entre Brasil e Estados Unidos.
Ela é mestre em criar figuras populares e cativantes, que geram bordões e tendências de moda e comportamento como Dona Jura em O Clone, com seu famoso bordão que se tornou parte do vocabulário brasileiro, falado até hoje por muitas pessoas.
O DNA de Walcyr Carrasco

Um dos nomes mais populares e produtivos da teledramaturgia brasileira é Walcyr Carrasco. Seu estilo, que transita com facilidade entre a comédia e o drama intenso, é uma fórmula de sucesso consagrada que combina o apelo do folhetim clássico com a ousadia de temas contemporâneos.
Walcyr é um mestre em dosar o romance, a comédia e o drama, entregando narrativas que prendem o público com uma linguagem acessível e romântica. Ele tem a capacidade de misturar o humor caipira e ingênuo com a intriga urbana, característica que foi notável em sucessos como O Cravo e a Rosa e Chocolate com Pimenta.
Seu estilo se caracteriza por imprimir um ritmo acelerado ao enredo, resolvendo e lançando novas tramas em poucos dias, sem descaracterizar o arco dramático dos personagens. Ele mantém a audiência engajada e atenta às constantes reviravoltas da história.
O autor não se furta da abordagem de temas polêmicos e de debate social para o horário nobre, algo que demonstrou desde o início de sua carreira na Globo. Suas obras trouxeram assuntos como a prostituição, o mundo da moda, as drogas e a ambição em Verdades Secretas.
Foi com ele que a televisão brasileira exibiu, em Amor à Vida, uma das primeiras cenas de beijo homossexual entre homens, marcando um momento de mobilização social. Carrasco também trouxe para a TV a temática espírita com toques de realismo mágico, como em Alma Gêmea, que se tornou um fenômeno de audiência.
O autor é notável por ambientar muitas de suas tramas em épocas passadas, resgatando a simplicidade e a pureza de histórias clássicas, como o tom fabulesco de Êta Mundo Bom! e o resgate dos anos 1920 em O Cravo e a Rosa.
Esta última, inclusive, é uma adaptação inspirada na peça A Megera Domada de William Shakespeare, mostrando seu interesse em revisitar o folhetim em novas roupagens. A criação de personagens caricatos, com falas e trejeitos fortes, é uma de suas maiores marcas. Eles geram bordões que caem na boca do povo e se tornam parte do imaginário popular, como sou chique bem e ai como sofro.
Além disso, ele é conhecido por criar grandes vilões que se humanizam como Félix em Amor à Vida, ou que se tornam icônicos por suas maldades como Cristina em Alma Gêmea.
Ele domina a receita de um bom folhetim, uma receita de sucesso garantido. O DNA dos donos das histórias que foram o entretenimento de milhares de brasileiros, os criadores de personagens inesquecíveis e de bordões populares.
Histórias que ditaram moda, destacaram músicas que se tornaram sucessos após serem tocadas na trama. Escreveram para grandes e consagrados atores e atrizes, lançaram muitos rostos, revelaram tantos talentos. Fazem parte da memória dos noveleiros de plantão. São patrimônios nacionais, imortais como suas obras.
Em breve, escrevo sobre o DNA dos autores dessa nova geração. Vamos aguardar as histórias que irão contar, as novas novelas que vêm aí.