Opinião

Quais serão as consequências de se ignorar as crianças na TV aberta?

Escanteadas há tempos pelas TVs, emissoras podem pagar (ou já estão pagando) um alto preço por isso


Mariane, Bozo, Xuxa, Mara Maravilha e Angélica em foto montagem
TVs abertas tinham inúmeras opções para as crianças - Foto: Reprodução
Por Thiago Forato

Publicado em 12/10/2022 às 04:30,
atualizado em 12/10/2022 às 10:48

Para quem cresceu assistindo programas como Xou da Xuxa (1986-1992), TV Colosso (1993-1997), Bom Dia & Cia (1993-2022), Bozo (1980-1991), TV Globinho (2000-2015), dentre outros, talvez não tenha parado pra pensar e perceber que não existem mais opções para as crianças na televisão aberta. Salvo a TV Cultura, que ainda dedica parte de sua programação, as opções hoje se restringem às TVs por assinatura e internet.

A falta de conteúdo para as crianças em algum momento ou outro é abordado pela imprensa, como está sendo agora neste espaço, mas o impacto que isso pode causar em um futuro para a nova geração de telespectadores é menosprezada. O que pode acontecer?

O que pode acontecer talvez já esteja acontecendo. Crianças e adolescentes rejeitam o conceito da TV linear. Isto é, assistir esse ou determinado programa naquele horário que a emissora impõe. A grande parte não conhece artistas medalhões. Seus ídolos são Tiktokers ou Youtubers.

Boni, ex-todo poderoso da Globo, já falou algumas vezes sobre o tema, mas nenhuma emissora pareceu se importar, exceto o SBT que resistiu bravamente. Ou resiste, já que ainda existe o Sábado Animado.

"É um erro estratégico. As pessoas nascem e se acostumam a esse meio, não é isso o problema principal, mas o abandono que a televisão dá por falta de falar a língua deles é grave."

Boni ao Roda Viva em setembro de 2020

O que faltou para a manutenção dos infantis na TV

Quais serão as consequências de se ignorar as crianças na TV aberta?

Conglomerados de mídia não são ONGs. Os programas infantis não desapareceram por acaso. Desde 2014, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) publicou uma resolução que caracteriza a publicidade infantil como abusiva.

Trocando em miúdos, ficou proibido comerciais destinados aos pequenos. Nada que possa persuadi-los é permitido. Há oito anos, a Globo já tinha abolido sua TV Globinho no formato diário. Faltava apenas a edição semanal, que foi enterrada pela estreia do É de Casa em agosto daquele ano.

A Record e Band já não apostavam mais nesse filão. Sobrou o SBT, que manteve seus desenhos até hoje, ainda que numa fatia da programação bem menor. O Bom Dia & Cia foi extinto em abril de 2022 não só pela impossibilidade de se faturar, mas também pela audiência.

Existiam dois problemas nesse caso. O retorno financeiro nulo e também o de público. No entanto, isso também passa - é verdade -, pelo fato do SBT não ter sabido produzir um programa infantil atraente para essa geração atual.

Não houve interesse das emissoras em se reinventar para continuar se aproveitando desse filão tão consumido nos anos 80 e 90. E também não existiu nenhuma tentativa em se fazer uma engenharia para driblar - no bom sentido - a publicidade infantil e continuar faturando.

A esperança dada por Sérgio Moro e o preço que se pagará

Enquanto ainda era Ministro da Justiça do Governo Bolsonaro, Sérgio Moro sinalizou que pretendia flexibilizar as leis para retornar com a publicidade voltada às crianças e adolescentes. Poucas semanas depois, a pandemia de Covid-19 começou, e logo na sequência, ele deixou o atual governo. Não se falou mais no assunto.

O tempo vai passando e sem ainda conseguirmos mensurar os danos causados pela falta de espaço destinado às crianças. O fã mais ávido do Xou da Xuxa hoje é telespectador do Jornal Nacional. Quem acompanhava os animes do início dos anos 2000, agora assiste uma novela das nove. Mas e quem não cresce com a cultura e referência das TVs abertas?

Ainda no campo da suposição, pode ser que isso explique a era de ouro do streaming. Mesmo quem tenha entre seus 18 e 20 poucos anos, já não tinha muito o que assistir quando criança na televisão. Agora, os conteúdos on-demand tomaram conta.

Para quem está nos primeiros anos de vida, é evidente que o celular vai ser a sua TV. Já que as TVs pagaram pra ver - ou deixaram de pagar -, vamos descobrir o que vai acontecer em algumas décadas. A perspectiva não é nada animadora.


Thiago Forato é jornalista, assina a coluna Enfoque NT desde 2011, além de matérias e reportagens especiais no NaTelinha. Forato também é autor do blog https://parlandodepalmeiras.com.br. Converse com ele pelo e-mail thiagoforato@natelinha.com.br ou no Twitter, @tforatto 

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