Publicado em 29/10/2020 às 04:00:26
A denúncia contra Marcius Melhem por assédio sexual, que virou caso de polícia sem que a Globo tivesse tomado uma posição forte e clara sobre o assunto envolvendo seu então diretor de projetos de humor, fez com que a cúpula do canal ficasse desconfortável com a situação e exigisse uma explicação ao departamento artístico. Nos bastidores, a interpretação dos executivos foi de que faltou pulso firme aos diretores da emissora e que não houve o cumprimento do Código de Conduta, o que fez parecer uma espécie de apoio ao antigo diretor do núcleo humorístico.
De acordo com fontes ouvidas pelo NaTelinha, a direção artística e de dramaturgia tiveram que dar explicações. Segundo eles, houve nesta semana uma reunião sobre o assunto, por meio de videoconferência, com participação de pelo menos um herdeiro da família Marinho e o clima não foi nada amistoso.
Uma das fontes participou da reunião e confirmou que a alta cúpula da empresa considerou inaceitável a atitude do departamento artístico e de dramaturgia. Segundo o mesmo interlocutor, um dos herdeiros da família Marinho pediu a palavra e chegou a dizer que o Código de Conduta não é para ser direcionado a alguns e não a outros e que não importa o nome ou cargo que um funcionário exerça, assédio sexual é para gerar afastamento imediato dos envolvidos.
A reportagem conversou com um funcionário do Grupo Globo e ele explicou que o Código de Conduta determina que assédio sexual assegurado por testemunhas ou mais de uma denunciante deve ser investigado internamente enquanto o envolvido deve se manter afastado de todas as suas funções até que haja esclarecimento total dos fatos. Em caso de culpa, a ordem é optar pela demissão sumária ou não renovação em caso de contrato chegando ao fim.
Em 2019, o Grupo Globo divulgou um resumo de seu Código de Conduta e Ética e nele fala sobre casos de assédio. "Comportamentos abusivos, como assédio moral e sexual ou outras formas de abuso de poder, bem como ameaças de agressões ou agressões físicas ou verbais, entre integrantes e terceiros, não serão tolerados em hipótese alguma. Assim, o Grupo Globo encoraja o reporte de tais atos à Área de Recursos Humanos ou à Ouvidoria", diz trecho do documento.
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Na interpretação das atrizes que denunciaram o caso à justiça, não foi o que aconteceu com Marcius Melhem. Internamente a Globo entende que as denunciantes não se sentiram protegidas pela empresa e por isso decidiram procurar o poder judiciário, ainda que somente depois do encerramento do vínculo do ex-diretor, temendo algum tipo de represália.
Mas a cúpula do Grupo Globo não pensa em nenhum tipo de reprimenda, já que concorda com o pensamento da classe artística. Para eles, não houve proteção e muito menos cuidado por parte dos diretores artísticos e de dramaturgia. Neste caso, eles interpretaram que o recado dado para as vítimas e também para a sociedade é de que a Globo tentou abafar o caso, o que não é sequer cogitado pela empresa.
Na reunião, um dos herdeiros dos Marinho fez questão de salientar que o comportamento não deverá ser tolerado e não importa de onde venha, o Código de Conduta e Ética deve ser posto em prática em qualquer situação. Para eles, uma empresa do porte da Globo não pode transmitir um recado errado para a sociedade e valores como a igualdade e proteção às minorias, além de um ambiente de trabalho saudável não pode ser negociado em nenhum momento.
Quando o caso explodiu, Melhem foi blindado pela Globo e logo depois pediu licença de seu cargo alegando que iria para os EUA por conta do tratamento de saúde de uma de suas filhas. Meses depois, o comediante e a emissora confirmaram que o contrato não seria renovado.
As duas testemunhas que falaram com o NaTelinha confirmaram que o clima não foi nada agradável e o tom da conversa foi de bronca e de ultimato. A reportagem ouviu de ambas as fontes que a sensação final foi de que, em outra ocorrência semelhante, além do possível denunciante, a cúpula do Grupo Globo irá tomar providências para afastar qualquer pessoa que tentar encobrir os casos.
Procurada, a Globo enviou a seguinte nota por meio de sua Assessoria de Comunicação: "Embora a empresa não comente assuntos de compliance, não é verdadeira a afirmação de que houve descontentamento com o tratamento do assunto. A Globo reafirma que todo relato de assédio, moral ou sexual, é apurado criteriosamente assim que a empresa toma conhecimento. A empresa não tolera comportamentos abusivos em suas equipes e, neste sentido, mantém um canal aberto para denúncias de violação às regras do Código de Ética do Grupo Globo. Por esse Código, assumimos o compromisso de sigilo do processo, assim como o de investigar, não fazer comentários sobre as apurações e tomar as medidas cabíveis, que podem ir de uma advertência até o desligamento do colaborador. Mesmo nas hipóteses de desligamento, as razões de compliance não são tornadas públicas. Somos muito criteriosos para que os estilos de gestão estejam adequados aos comportamentos e posturas que a Globo quer incentivar e para que as medidas adotadas estejam de acordo com o que foi apurado. Não foi diferente nesse caso. Isso não quer dizer que os processos de compliance sejam estáticos. Ao contrário. Eles evoluem constantemente para acompanhar as discussões da sociedade. As práticas e as avaliações são revistas o tempo inteiro, assim como são propostas e acolhidas sugestões de melhoria nos mecanismos de comunicação interna. A própria sociedade está se transformando e a empresa acompanha esse processo."
O comediante Marcius Melhem, que foi contratado durante 20 anos da Globo e deixou a emissora há dois meses, foi denunciado por assédio moral e sexual por um grupo de mulheres com quem trabalhava. Representante das vítimas, a advogada criminalista Mayra Cotta revelou supostos detalhes do caso, afirmando que houve violência e insistência por parte do ex-diretor de humor da Globo, usando o poder do cargo. Pelo Twitter, Melhem negou as acusações, mas disse estar disposto a reconhecer seus erros e pedir desculpas.
"As vítimas e as testemunhas que eu represento depuseram no processo de compliance (setor que apura indisciplina com o intuito de cumprir normas legais da Globo). O processo foi encerrado e elas estavam sem saber muito bem como se organizar para que essa história tivesse um desfecho que reconhecesse tudo o que elas passaram e toda a gravidade do comportamento que o Marcius Melhem teve enquanto ele foi chefe", afirmou Mayra Cotta no último fim de semana ao jornal Folha de S.Paulo.
A advogada criminalista detalhou como o comediante teria agido com suas vítimas, usando de sua posição de diretor de humor da emissora para obrigá-las a se relacionar com ele. Segundo ela, o humorista agia com violência com as vítimas. "Houve um comportamento recorrente, de trancar mulheres em espaços e as tentar agarrar, contra a vontade delas. De insistir e ficar mandando mensagem inclusive de teor sexual para mulheres que ele decidia se iam ser escaladas ou não para trabalhar, se ia ter cena (no programa humorístico) ou não para elas. De prejudicar as carreiras de mulheres que o rejeitaram. De ficar obcecado, perseguindo mesmo", explicou.
"Ele isolava as atrizes, tinha o poder de não as deixar ir para outros lugares, fazer outras coisas. E criava um ambiente de trabalho tóxico. As pessoas se sentiam presas, sem conseguir se livrar daquilo. Ele usava situações de trabalho para as tentar agarrar à força, inclusive usando violência. Isso é bastante violento", completou.
Pelo Twitter, Marcius Melhem se defendeu e negou as acusações. Disse que está disposto a reconhecer seus erros e pedir desculpas a quem tenha magoado, mas garantiu que as denúncias são mentirosas. Ele também reforçou que chegou a se afastar da Globo para se dedicar à saúde da filha, e não fugir do caso.
"Sei que num caso desses, ainda mais no momento que vivemos, de tanto ódio, serei culpado até provar o contrário. Então quero que tudo seja colocado às claras, expor a minha inocência e os meus erros. Quero poder pedir desculpas e cobrar responsabilidades. Vou em busca da verdade", bradou.
Confira o comunicado de Marcius Melhem na íntegra:
"Como escrever uma nota pra comentar acusações dessa gravidade?
Culpados e inocentes dizem a mesma coisa. “Sou inocente.” “Vou provar na justiça”. Por isso qualquer coisa que eu diga pode soar falsa de cara.
Mas preciso falar e com o tempo mostrar minha sinceridade no que vou dizer aqui. Estou disposto a reconhecer meus erros, pedir desculpas e, se possível, reparar pessoas q eu tenha de qualquer forma magoado. Quero enfrentar isso c/ verdade e humanidade e me expor se for preciso.
Fazer jus a todos esses anos em que pautas como as do feminismo foram abraçadas pelo humor transformador em que eu acredito. Fiz parte de um grupo de homens e mulheres que se orgulha de usar o humor como um instrumento contra o preconceito.
Mas mesmo abraçando profissionalmente a causa feminista, ainda combato o machismo dentro de mim, erro, posso ter relações q magoem. Tento melhorar e aprender. E queria muito falar sobre isso.
Mas diante de acusações tão graves q de forma alguma cometi, o q eu posso fazer? Negar.
Eu coloco à disposição toda minha comunicação que tenho arquivada, com qualquer pessoa que tenha trabalhado ou se relacionado comigo nesses anos. E peço que ouçam as pessoas que trabalharam comigo, que acompanharam muitas situações de perto e que podem falar bastante sobre isso tudo. Peço por favor que apurem a verdade e não apoiem mentiras.
Há alguns meses, tive que sair do país para um importante tratamento médico de minha filha e não acreditei quando essa viagem passou a ser divulgada como uma fuga.
Qualquer pessoa que me conheça, que tenha convivido minimamente comigo sabe que é impossível eu praticar alguma violência, especialmente contra as mulheres. Jamais seria capaz de emparedar alguém à força.
Até hoje eu fiquei calado porque as acusações não apareceram aqui fora. No compliance da rede Globo tudo foi apurado e investigado rigorosamente. Saí pela porta da frente da emissora que trabalhei por 17 anos.
Sei que num caso desses, ainda mais no momento que vivemos, de tanto ódio, serei culpado até provar o contrário. Então quero que tudo seja colocado às claras, expor a minha inocência e os meus erros. Quero poder pedir desculpas e cobrar responsabilidades. Vou em busca da verdade".
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