Publicado em 14/10/2020 às 05:27:55
Em meados do mês de setembro deste ano, em plena pandemia, um grupo de artistas - a maioria da Globo - lançou uma campanha nas redes sociais que chamou a atenção do grande público. Intitulada "eu quero ver veteranos na TV", a hashtag ganhou adesão de diversas celebridades de todas as faixas etárias e chamou a atenção para um problema crônico da dramaturgia brasileira: a diminuição de papeis para atores da terceira idade. E não se trata de uma visão subjetiva e individual, pois há um exemplo clássico atualmente com a reprise de Haja Coração ao mesmo tempo em que o Viva exibe a original Sassaricando e que permite ao público ver enquanto o remake rejuvenesceu os personagens mais velhos.
A campanha lançada nas redes sociais aconteceu durante o mês que mais chamou a atenção de jornalistas especializados em TV sobre os novos critérios de renovação contratual da Globo, já que a emissora anunciou o fim do vínculo com nomes históricos do canal, como Antônio Fagundes, Stênio Garcia, além do casal Tarcísio Meira e Gloria Menezes. Enquanto a empresa alega que se trata de uma reestruturação e que há o fim do vínculo em todas as faixas etárias, boa parte não entendeu a decisão de romper contratos de mais de cinquenta anos.
A falta de papeis para pessoas mais velhas na TV não é uma reclamação atual. Em 2018, a atriz Ângela Leal, 72 anos, anunciou a aposentadoria e reclamou do tipo de papel que receberia. "tive um câncer no fígado, raríssimo, que não era metástase. Depois de nove horas de cirurgia com direito a parada cardíaca, passei três dias entubada mas sobrevivi. Depois da operação, fiquei com esse tremor aqui (mostra as mãos, trêmulas). Pensa: velha, hoje, só faz empregada doméstica. Imagine eu servindo um chá!", contou em entrevista ao Extra.
Mas ela não é a única, gente mais jovem e que está entrando na faixa etária considerada de transição também vem reclamando. “O Brasil é um país extremamente machista, é um machismo estrutural, ou seja, quando a mulher para de ovular, ela parece que deixa de existir. É como se viesse com uma data de validade, caísse em um limbo, um buraco negro. E só vai ressurgir aos 80 (anos), como a vovó fofa. É engraçado que o mercado não vê essa mulher como uma potência, porque, na verdade, o poder aquisitivo dela é o maior de todos. Ela já fez a sua carreira, criou os filhos e tem um poder de compra", explicou Claudia Raia em entrevista no Youtube, no canal Fala, Céio.
A atriz está com 53 anos e cujo último papel entre as principais foi em 2012, com Salve Jorge, quando interpretou a vilã Lívia. De lá para cá, Cláudia teve outros papeis de destaque, mas já entrando na onda das coadjuvantes e chamou a atenção para Verão 90 (2019), quando a atriz interpretou Lidiane, a mãe da protagonista vivida por Isabelle Drummond.
Quem acompanha o mundo da TV por meio de veículos de comunicação sabe que há uma atriz que reclama constantemente da falta de espaço. Neuza Borges já pediu mais de uma vez emprego publicamente em programas de TV e chegou a conseguir um trabalho com Gloria Perez depois de chorar por estar numa situação delicada. A atriz de 79 anos trabalhou em sua última novela no Brasil em 2016, como Maria Quitéria de A Escrava Mãe, que está sendo reprisada na Record. Depois, ela participou de Valor da Vida em Portugal e neste ano esteve na série Auto Posto.
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Uma pesquisa de 2019 divulgada pela ONU (Organização das Nações Unidas) intitulada World Population Prospects mostrou que a população brasileira está crescendo gradativamente antes de começar a cair. Segundo o mesmo documento, a população com menos de 29 anos está diminuindo enquanto a faixa etária dos mais velho só cresce, com a estimativa de que a partir de 2050, 30% da população brasileira será de pessoas com 60 anos ou mais, é o que garante o IBGE.
Já em 2018, outra pesquisa, dessa vez feita pelo Great Place to Work Brasil, indicou que entre as 150 melhores empresas brasileiras para se trabalhar apenas 3% dos profissionais estão com mais de 50 anos, números completamente antagônicos e que mostram a falta de espaço que a terceira idade tem no mercado de trabalho, nisso se inclui a teledramaturgia.
Para o sociólogo da UniToledo, Valter Amaro, o preconceito com a terceira idade no mercado de trabalho é o mesmo que ocorre na TV. "O idoso sofre preconceito por ser considerado carta fora do baralho. Ele já viveu demais e precisa dar espaço para os mais jovens, é assim que o mercado acredita, ainda que isso não seja dito textualmente. Da faxineira do prédio até a protagonista de novelas, o contratante quer sempre alguém jovem", explicou ele em conversa com o NaTelinha.
Mas para Valter Amaro é preciso lembrar que há uma diferença fundamental neste cenário porque o mercado de trabalho não é igual. "O idoso das classes mais baixas quando perde o emprego ou é aposentado na marra fica a mercê dos filhos e até da aposentadoria mínima do INSS, já os veteranos da TV sofrem pressão psicológica de não se sentirem útil, claro, mas não precisam ainda equilibrar as contas, na maior parte dos casos", lembrou o sociólogo.
O maior exemplo atualmente de como a TV maltrata os veteranos, talvez nem seja o fim dos vínculos contratuais, mas o rejuvenescimento de papeis na novela Haja Coração. A trama de 2016, assinada por Daniel Ortiz, é uma versão moderna de Sassaricando, folhetim de 1987 criada por Silvio de Abreu. Mesmo sendo praticamente outra novela, ela segue a mesma premissa e repete diversos personagens, inclusive o trio de mulheres que vivem amigas inseparáveis.
Em 1987, Rebeca foi vivida por Tonia Carrero (1922-2018) e ganhou ares de protagonista. A atriz tinha 65 anos de idade quando aceitou o desafio e dessa vez o papel foi para alguém muito mais jovem. Malu Mader deu vida a mesma personagem em 2016 com Haja Coração, mas tinha apenas 50 anos, ou seja, 15 anos mais moça.
O mesmo aconteceu com as melhores amigas. Eva Wilma viveu Penélope em 1987 quando tinha 57 anos e a diferença caiu para Carolina Ferraz, que tinha 48 em 2016. A menor diferença aconteceu com Leonora, vivida por Irene Ravache em Sassaricando, enquanto a atriz tinha 43 anos e dado a Ellen Roche, com 37, em 2016.
Mas o que mais chamou a atenção aconteceu com a decisão de mudar o protagonismo da história. Em Haja Coração, Mariana Ximenes assumiu o papel de Tancinha, vivido por Claudia Raia em 1987, mas que não era a principal na história de Silvio de Abreu. Em Sassaricando, a história central era de Aparício, vivido por Paulo Autran (1922-2007), então com 65 anos. Além de ter virado mero coadjuvante, o papel foi dado para Alexandre Borges, quinze anos mais novo na ocasião.
Embora a falta de papeis de destaque para veteranos seja um fato confirmado, já que historicamente quanto mais velho o ator ou atriz fica, menor são seus papeis nas novelas, existem exceções. Laura Cardoso, com 93 anos, segue ativa e recentemente esteve em A Dona do Pedaço, além de ter ganhado papel de destaque em O Outro Lado do Paraíso (2017). A longeva atriz, no entanto, não tem ares de protagonista há muito tempo, como em Flor do Caribe, trama de 2013 e reprisada atualmente e que ela ganhou um personagem importante, mas coadjuvante.
A própria Fernanda Montenegro, considerada a grande dama da TV brasileira e que está com 90 anos teve sua última protagonista de novela há dez com Passione (2010), quando interpretou Beth Gouvêa, o que já foi um feito para uma atriz de 80 na ocasião. Depois disso, Fernandona protagonizou a série Doce de Mãe e venceu um Emmy Internacional, além de ter feito mais quatro novelas, todas como coadjuvante.
E por falar em exceção, é bom lembrar que Regina Casé, com 66 anos, é uma das protagonistas de Amor de Mãe e havia caído nas graças do público como Lurdes, a mulher que procura o filho Domênico a todo custo. Atualmente a novela está interrompida e a atriz chegou a ser dúvida no retorno das gravações por causa do coronavírus, mas voltou aos estúdios e deverá dar um desfecho para a personagem.
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