Publicado em 08/06/2023 às 09:00:00,
atualizado em 08/06/2023 às 10:03:40
Até quando parte da imprensa brasileira vai se valer de interpretações bem distantes da realidade para desinformar mais do que informar? A quem interessa? Quem é responsável por combater os excessos e os equívocos, propositais ou não?
Todos sabemos que cada vez mais o cerco contra a “República de Curitiba” vem se apertando. Semana passada o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu início a uma investigação, enviando uma comissão para fazer um levantamento da atuação de juízes da 13ª Vara Federal de Curitiba e desembargadores do TRF4 que atuaram na “Lava Jato”.
Anteontem (05/06), o juiz Eduardo Appio apresentou sua defesa e junto com ela, o juiz afastado anexou um laudo técnico, realizado a pedido do próprio, que contesta a decisão a que chegou a Polícia Federal que assegurou que havia uma margem considerável de ser sua a voz que teria ameaçado o filho do Desembargador Marcelo Malucelli.
Esse tipo de trabalho técnico que visa atestar de quem é a voz gravada utiliza uma escala complexa de -4 a +4, isto é, quanto maior a escala negativa menor a possibilidade de a voz ser do investigado; e quanto maior a escala positiva, resta praticamente determinada a voz periciada. Pois bem, a Polícia Federal assegura que a voz periciada seria de Appio considerando a escala +3, que é bastante conclusiva. Já o laudo apresentado por Appio, ao contrário do que vem sendo afirmado em vários sites de notícias, a escala alcançada seria 0 (zero), ou seja, o meio da escala que equivale a “pode ser” ou “pode não ser”.
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Muitos podem entender que havendo o benefício da dúvida, o juiz poderia se beneficiar do laudo apresentado. Mas daí a dizer que o laudo é conclusivo e refuta veementemente o laudo da PF, há uma diferença muito grande. É importante ressaltar que, embora o laudo tenha sido apresentado como parte do processo, ele não é conclusivo e, ainda que fosse, não é a palavra final em um processo judicial. Ele é apenas um elemento a ser considerado, juntamente com outras provas e argumentos, na busca pela verdade dos fatos. É fundamental lembrar que o laudo não fornece uma resposta definitiva para todas as questões apresentadas no caso.
A propósito, basta ler o parecer do perito contratado por Appio para se ter noção de que em nenhum momento o perito assegura que a voz não é do magistrado. Nível 0 (zero), no caso, não equivale dizer que há zero chance de a voz ser de Appio. Conforme a escala usada, zero chance seria nível -4.
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Esclarecida a questão, importa revelar ainda que o advogado de Appio já defendeu a ideia de que “trote não é crime”, e que jamais seria “motivo de afastamento”, tese inclusive defendida por alguns juristas na imprensa. Segundo alguns juristas, mais importante do que o juiz ter sido ou não autor do trote, que poderia ter sido feito para confirmar que o genro do Moro é filho do Desembargador, não necessariamente ameaçar, essa ligação não seria suficiente para justificar o afastamento sumário pelo TRF4.
Fato é que essa guerra de narrativas não é bem digerida por parte da imprensa brasileira. Aliás, mostra-se necessário abordar a questão da distorção dos fatos pela imprensa. Infelizmente, vivemos em uma era em que a busca pelo sensacionalismo e a pressão por manchetes impactantes muitas vezes levam à distorção da verdade. A imprensa tem o dever de informar com responsabilidade, mas infelizmente nem sempre isso ocorre.
Sem dúvida alguma, adotar como norma de conduta exageros, distorções propositais ou conteúdos alienadores, que vão muito além de um título chamativo, não contribui para o debate democrático e a proteção do devido processo legal. É essencial garantir que o processo seja conduzido de forma justa e imparcial e, acima de tudo, que sejam respeitados os direitos fundamentais do Juiz Eduardo Appio, à luz do princípio da presunção de inocência, o direito à ampla defesa e ao contraditório, pilares fundamentais de qualquer sistema de justiça justo.
E é justamente sobre esses mesmos pilares que acusações, mesmo vinda de bandidos como o advogado Rodrigo Tacla Duran, merecem ser consideradas e avaliadas no bojo das investigações, o que provavelmente tenha justificado o Ministro Dias Toffoli (STF) ter concedido salvo-conduto para Duran vir ao Brasil ser ouvido na Comissão de Administração e serviço Público da Câmara, sem risco de ser preso.
Agora é aguardar, porque a ofensiva contra o ex-juiz Sérgio Moro está apenas começando.
Marcos Ferreira é advogado há 23 anos, pós-graduado em Direito Penal. É autor do livro Suzane: a verdade não revelada
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