Entrevista exclusiva

Autor revela frustração e expõe bastidores de novela resgatada pela Globo: "Foi detonada"

Marcílio Moraes relembra a polêmica Mico Preto, trama nunca reprisada que chega ao Globoplay neste mês


À esquerda, o autor de novelas Marcílio Moraes; à direita, as atrizes Gloria Pires e Desireé Vignolli em Mico Preto
Marcílio Moraes foi um dos autores de Mico Preto, novela com Gloria Pires e Desireé Vignolli que chega ao Globoplay na semana que vem - Foto: Reprodução/Montagem NaTelinha
Por Walter Felix

Publicado em 16/12/2025 às 05:51,
atualizado em 16/12/2025 às 12:28

Alucinada, nonsense, transgressora, irregular. Esses são alguns adjetivos comumente usados, por críticos e pelo próprio elenco da novela, para descrever Mico Preto, trama das 19h “esquecida” no acervo da Globo por 35 anos e que será resgatada na próxima segunda-feira (22) para o catálogo do Globoplay.

Em entrevista exclusiva ao NaTelinha, Marcílio Moraes relembra a novela que escreveu em 1990 em parceria com Euclydes Marinho e Leonor Bassères (1926-2004). Ele explica o fato de a trama, “com uma boa história, engraçada e ousada”, que abordava tabus para a época, não ter tido o resultado esperado.

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“Apesar da audiência razoável, a novela foi muito criticada na época, os atores falavam mal, reclamavam dos papéis, botando a culpa em mim, claro, que era o titular, sem terem conhecimento do que se passava nos bastidores”, diz.

O autor acredita ter sido sabotado internamente e revela dificuldades na condução desse impasse, por inexperiência. “O problema foi a luta de poder nas altas esferas. Havia disputa pela direção de dramaturgia da emissora”, diz. “A questão é que uma das partes começou a me boicotar, não falava comigo.”

Márcia Real e Luís Gustavo em Mico Preto
Márcia Real e Luís Gustavo em Mico Preto - Foto: Divulgação/Globo

Com direção de Dennis Carvalho, a novela narrava o desaparecimento da empresária Áurea Menezes Garcia (Márcia Real) e a disputa dos herdeiros pelos negócios da milionária. Firmino (Luís Gustavo), um homem honesto que só se dá mal na vida, acaba assumindo o comando das empresas.

Miguel Falabella já classificou Mico Preto como "a novela mais alucinada da televisão brasileira" e contou que improvisos dos atores iam ao ar sem cortes. Já Louise Cardoso, uma das protagonistas, reclamou: "Essa novela foi difícil. No capítulo 200, eu queria sumir e faltavam mais 20".

Os problemas internos levaram a um descontrole do roteiro. Marcílio admite: “Lá pelo meio da novela, cansado e irritado, deixei rolar, afrouxei a condução da trama, parei de fazer as escaletas. E aí a novela se perdeu, os atores metiam cacos, até o diretor se aventurava a inventar.”

Com um currículo de sucessos que inclui Roque Santeiro (1985), como colaborador, e Roda de Fogo (1986), como coautor, Marcílio Moraes não faz novelas desde Ribeirão do Tempo (2010), na Record. Na emissora, também escreveu séries – a mais recente foi Plano Alto (2014).

Aos 81 anos, ele se dedica a uma peça de teatro, a um documentário e à criação de uma produtora audiovisual. “Em 40 anos de televisão, eu provei algumas vezes que conheço o público. Este é um know how inestimável, que a meu ver anda escasso hoje em dia”, afirma.

Leia a íntegra da entrevista com o autor Marcílio Moraes

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NaTelinha: Passados 35 anos, como você avalia Mico Preto? Como essa novela se insere na sua carreira?

Marcílio Moraes: Mico Preto foi uma novela muito complicada, não por deficiência da história ou do corpo artístico. A novela era minha, a ideia era minha, escrevi a sinopse e os primeiros capítulos, tudo dentro do figurino da autoria, como era praxe na empresa. Por sugestão da direção da Globo, incorporei o Euclides Marinho e a Leonor Bassères na equipe de roteiristas, os dois escritores competentes e que se tornaram meus amigos.

Estava tudo certo. O problema foi a luta de poder nas altas esferas. Havia disputa pela direção de dramaturgia da emissora. Não vale a pena citar nomes. A questão é que uma das partes começou a me boicotar, não falava comigo, só com o Euclides ou a Leonor, não me recebia, interferia em assuntos da novela e coisas assim, na verdade queria me derrubar, o que causava imenso constrangimento em todo mundo. Por que fazia isso? Talvez simplesmente porque eu me dava bem com a outra parte.

Como autor da novela, eu deveria ter tido uma atitude contundente, botado para quebrar. Mas, naquelas circunstâncias, com a minha inexperiência, não tive forças para tanto. Lá pelo meio da novela, cansado e irritado, deixei rolar, afrouxei a condução da trama, parei de fazer as escaletas. E aí a novela se perdeu, os atores metiam cacos, até o diretor se aventurava a inventar.

“Sinto frustração com esta novela. Se eu tivesse mais experiência, teria agido de forma diferente e o resultado seria outro. Poderia ter sido um bom momento na minha carreira, especialmente dentro da Globo, mas foi uma novela detonada. Todo mundo perdeu.”

Marcílio Moraes

NaTelinha: Como era a divisão dos trabalhos entre você, Euclydes Marinho e Leonor Bassères e como funcionou essa parceria?

Marcílio Moraes: A parceria funcionou muito bem enquanto eu mantive o controle e poderia ter funcionado até o final não fossem os desacertos que relatei.

Quer dizer, uma boa história, engraçada, ousada, que abordava temas tabu, como homossexualidade, corrupção na política, etc., se perdeu por razões fora do set. A história era tão boa que, apesar dos desvios, conseguiu se sustentar até o final com audiência razoável.

Gloria Pires, Marcelo Picchi e Miguel Falabella em Mico Preto
Gloria Pires, Marcelo Picchi e Miguel Falabella em Mico Preto - Foto: Divulgação/Globo

NaTelinha: Alguns nomes do elenco, como o Miguel Falabella, definiram a novela como “alucinada” e citaram improvisos nas gravações. Como vocês lidavam com essa interferência dos atores?

Marcílio Moraes: A percepção de que a partir de um certo momento era uma novela “alucinada” se devia à falta de comando. Novela é obra de autor, de um autor. Se você impede o autor de gerir a sua obra, o resultado vai ser o caos. Ninguém na produção, na direção, no elenco, na cenografia etc. sabe o que fazer se não tiver um papel escrito na sua frente. E quem tem a tarefa, quem sabe o que botar nesse papel é o autor e ninguém mais.

NaTelinha: Mico Preto teve uma audiência próxima a de sucessos das 19h da época, como Que Rei Sou Eu? e Top Model. Entretanto, a novela parece não ter tido o mesmo reconhecimento pela Globo – nunca foi reprisada, por exemplo. Por que isso acontece, na sua opinião?

Marcílio Moraes: A Globo tem lá os seus critérios. Apesar da audiência razoável, a novela foi muito criticada na época, os atores falavam mal, reclamavam dos papéis, botando a culpa em mim, claro, que era o titular, sem terem conhecimento do que se passava nos bastidores. E eu era o responsável mesmo, fui eu que, sob pressão, não consegui impor o meu comando, sendo o único que tinha condições de conduzir a nau a bom termo.

A novela levantava questões que deviam ser incômodas, como por exemplo o personagem candidato a governador que contrata uma moça para se casar com ele com o intuito de calar os boatos de que era homossexual [personagens José Maria e Sarita, de Marcelo Picchi e Gloria Pires, respectivamente]. Naquela época, e talvez ainda hoje, aconteciam coisas como esta, assim como outras hipocrisias que a novela tratava com divertida ironia.

Em breve, vou publicar no meu site (www.marciliomoraes.com.br) a sinopse e os primeiros capítulos da novela.

NaTelinha: Conte sobre os projetos em que você está envolvido atualmente.

Marcílio Moraes: Estou criando uma produtora que tem por objetivo atender à demanda do público por obras audiovisuais e teatrais com dramaturgia de qualidade, espírito crítico, inteligentes, elegantes, sem conotação ideológica. Falo de projetos meus, dos meus sócios e de outros profissionais com as mesmas preocupações. No momento, estamos começando a produção de uma peça minha e finalizando um documentário do Eduardo Quental.

“Em 40 anos de televisão, eu provei algumas vezes que conheço o público. Este é um know how inestimável, que a meu ver anda escasso hoje em dia. E que será incorporado à nossa empresa.”

Marcílio Moraes

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