"Mas enquanto a busca do prazer feminino estiver vinculada à ideia de vulgaridade, a cena seguirá, acredito, sendo classificada como incômoda ou ‘desnecessária'."
Publicado em 24/03/2022 às 13:59:00,
atualizado em 24/03/2022 às 14:03:27
Nesta sexta-feira (25), Um Lugar ao Sol chegará ao fim e Lícia Manzo poderá descansar após quatro anos de dedicação à trama. Estreando no horário nobre, a autora comenta os erros e acertos da novela, em entrevista ao jornal Extra. "Meu maior acerto foi não me economizar, me entregar inteiramente ao trabalho. Meu maior erro também, pois terminei exaurida. Em minha equipe, apenas, tive a sorte de poder contar com a entrega e investimento de sete profissionais que respeito e admiro. Como diz a célebre canção ‘se tivesse mais alma pra dar, eu daria’. Um lugar ao sol é fruto do meu absoluto e total investimento", orgulhou-se.
Perguntada sobre que mensagem quis passar com a relação tóxica de Christian/Renato (Cauã Reymond) e Bárbara (Alinne Moraes), a novelista afirma que não pretendia entregar nenhuma resposta. "Apenas levantar perguntas: mudar o outro parece um projeto possível, saudável? Na raiz da codependência de Bárbara está o nó de tantas mulheres: buscar no outro a solução para os próprios problemas. Existe uma herança cultural por trás disso: a mulher resgatadora, que deve cuidar do marido. E me parece que a ficção serve como espelho: é patético o esforço de querer que o outro se equilibre para que possamos nos equilibrar", opinou.
Uma das cenas que mais repercutiu foi a que Rebeca (Andréa Beltrão) se masturba. Lícia falou sobre o prazer feminino continuar sendo um tabu e lembrou de algumas postagens que viu na web. "Em comentários nas redes, encontrei repetidas vezes a observação: ‘cena desnecessária’. Uma mulher, num casamento tóxico e desgastado, dispensa o sexo com o marido para encontrar prazer no próprio corpo, em si mesma. Um movimento de libertação legítimo", pontuou.
"Mas enquanto a busca do prazer feminino estiver vinculada à ideia de vulgaridade, a cena seguirá, acredito, sendo classificada como incômoda ou ‘desnecessária'."
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A gordofobia enfrentada por Nicole (Ana Baird) foi apenas um dos temas importantes debatidos em Um Lugar ao Sol. Lícia Manzo diz que poderia ter construído uma personagem que já estivesse resolvida com o próprio corpo, mas que, levando em conta o mundo de hoje, essa abordagem não lhe pareceu realista. "É importante que a mulher que rejeita a si própria possa se enxergar de fora, e perceber como é cruel subjugar-se a opiniões, preconceitos, dietas, remédios e procedimentos malucos e desnecessários. A autoaceitação é um longo caminho", observou, completando ainda que há uma indústria que fatura alto com a exclusão da pessoa gorda.
Sobre o trágico fim de Stephany (Renata Gaspar), que foi morta a tiros por Roney (Danilo Grangheia), a autora foi categórica. "O Brasil ocupa hoje o 5º lugar no ranking mundial de feminicídios. Uma mulher é morta a cada 7 horas, muitas vezes dentro de casa. Stephany, desde o início da trama, é um personagem trágico, um trem bala desgovernado, e por isso não me pareceu crível desenhar para a trama uma redenção cor de rosa. Mulheres morrem assassinadas, infelizmente. E Um lugar ao sol é uma obra realista", disse.
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