Aberturas das novelas da Globo abusam de tecnologia e caem no esquecimento
Se canal viveu o auge da criatividade das vinhetas há 30 anos, hoje emissora mostra descaso com o tema
Publicado em 31/08/2022 às 06:27
Há 30 anos, o público parava diante da TV para assistir a elite brasileira sendo invadida por um mar de lama na tela na abertura de Deus nos Acuda (1992), fase considerada por noveleiros a mais criativa de Hans Donner, profissional responsável pelas vinhetas de atrações da Globo por mais de 40 anos até sair da empresa, em 2016. O Brasil que escorria pelo ralo na entrada do folhetim de Silvio de Abreu refletia o momento atual do país naquela época: as acusações de corrupção que acabaria no impeachment do ex-presidente Fernando Collor.
Para o vídeo, Donner convocou uma equipe para fazer um trabalho complicado, mas criativo. Em cinco dias de gravações, os figurantes ficavam em uma espécie de gaiola grande, cercado de paredes, suspensa por um guindaste. O cenário descia e afundava em uma piscina com isopor ralado, anilina e álcool, simulando a lama.
Relembre a abertura de Deus nos Acuda:
Se antes as aberturas das tramas eram produzidas priorizando a criatividade e contando o enredo da trama com harmonia, hoje em dia os abusos gráficos e vídeos repetitivos que não dialogam com a história do folhetim são frequentes. Mar do Sertão é um exemplo do descaso da Globo com as aberturas de seus programas.
Logo no primeiro capítulo da novela das seis, na segunda-feira (22), o próprio público criticou a vinheta nas redes sociais, ao afirmar que o vídeo era uma cópia das aberturas das tramas mexicanas do SBT, já que o título é ilustrado com cenas dos atores principais em diferentes paisagens do sertão nordestino, comparada com novelas latinas por conta do estilo da arte.
Confira a abertura de Mar do Sertão:
Em Um Lugar ao Sol (2021), trama encerrada em março na Globo, padecia do mesmo problema. O público ainda questionava a emissora por fazer uma vinheta muito parecida com A Força do Querer (2017). Para Raphael Pereira, jornalista especializado em entretenimento, as aberturas das novelas atuais são limitadas à tecnologia, salvo alguns casos.
"Temos aberturas recentes muito boas, mas, em outros casos, parece que estamos vendo um mais do mesmo, aberturas que estão ali só por obrigação, não fazem sentido com o nome ou a história da novela, como a abertura de Sete Vidas (2015) que parece um vídeo motivacional baixado na internet, ou de Além da Ilusão (2022) que parece ter sido criada através do mesmo projeto da abertura de Rock Story (2016), o mesmo estilo 'carrossel' onde uma figura se transforma em outra e por aí vai", analisa o profissional.
O auge das aberturas de novelas da Globo
A cada primeiro capítulo das novelas, além de conhecer a trama, o público também sempre fica ligado na abertura das produções. Desde os primórdios dos folhetins, o vídeo que abre a novela com os créditos de elenco, autor e diretor, é considerado uma obra de arte à parte, já que tem como objetivo mostrar parte do enredo da trama.
Hans Donner, que deixou a Globo em 2016, criou vinhetas marcantes de novela na época em que ficou na emissora por mais de 40 anos. Além de Deus nos Acuda, outras vinhetas foram inesquecíveis, como Rainha da Sucata (1990), A Próxima Vítima (1995), Roda de Fogo (1986), entre outras.
"Acredito que a 'era Hans Donner' foi o ápice da criatividade e da ousadia nas aberturas de novelas. Em plenos anos 80 e 90, onde os recursos tecnológicos eram tão limitados, ele e sua equipe conseguiram criar aberturas memoráveis e que se tornaram referência para as atuais", avalia Raphael.
"Não acredito que as aberturas que estejam menos criativas, mas sim, menos ousadas. Acredito que com a tecnologia e os recursos que temos atualmente, a atual equipe de criação poderia fazer muito mais, ousar muito mais! Faltam para os dias atuais aberturas que marcam, que as pessoas vão lembrar daqui há alguns anos."
Raphael Pereira