Dedé relembra arranca-rabo com Didi e entrada de Zacarias nos Trapalhões: "Não aceitei bem"
Humorístico estreou há 55 anos na TV e foi sucesso de audiência e bilheteria de cinema. Dedé recorda acidentes nos bastidores
Publicado em 28/07/2021 às 04:49
Artista circense da oitava geração da família, Dedé Santana orgulha-se do seu início no picadeiro e de ter levado o humor do circo para a TV brasileira em Os Trapalhões, que completa 55 anos em 2021. Aos 85 anos, o humorista recorda detalhes dos bastidores do programa que explodiu a audiência com o quarteto Didi, Dedé, Mussum e Zacarias durante os 29 anos no ar e conversou com o NaTelinha sobre acidentes nos bastidores de gravação dos filmes, que bateram recorde de bilheteria, formação do elenco e como é sua relação com Renato Aragão atualmente.
"O nosso lance é ciumeira um o outro, é coisa de irmão. O Renato é mais que amigo, é um irmão. Vou na casa dele, a gente se abraça e chora. Até falando nele, fico emocionado, devo muito a ele. O Renato foi a cabeça pensante e eu, o trabalho braçal", diz.
Antes do quarteto completo de Os Trapalhões, tudo começou com a dupla Didi e Dedé, que se formou após os humoristas serem apresentados pelo comediante Arnaud Rodrigues. Juntos, fizeram filmes e programas de TV, estouraram com o humorístico Os Insociáveis, exibido na Record e bateram a audiência da Globo com o Fantástico. Com o programa estendido, Renato sentiu a necessidade de chamar mais um integrante, foi quando Dedé teve a ideia de levar Mussum, até então integrante do grupo Originais do Samba.
"Eu fazia um show em uma casa noturna e o Jair Rodrigues cantava lá também. Peguei o Jair para entrar no meu show. Um dia ele falou: 'vou te apresentar um cara engraçado', aí ele me apresentou os Originais do Samba e o Mussum. Só que ele passou a ser meu amigo, não me largava, ia comer lá em casa, a gente ficava o tempo todo junto. Ele assistia o meu show e eu o dele", lembra.
"Um dia vi ele falando durante a apresentação 'tranquilis', 'sossegadis', achava aquilo muito engraçado. Até perguntei para ele como criou aquilo, ele falou: 'não fui eu não, foi o Chico Anysio. Fui fazer uma apresentação com o Chico, ele falou para eu falar tranquilo com s, eu falei traquilis. Foi o Chico que deu essa dica para ele", recorda Dedé.
Quando Renato falou em um novo integrante, Dedé não pensou duas vezes e logo citou o nome do seu amigo Mussum para fazer parte do programa em 1974. "Eu falei, 'todo filme que tem um afrodescendente arrebenta, faz sucesso, vamos arrumar um para nós. O Mussum, dos Originais do Samba, ele já fez alguma coisa com o Chico [Anysio] e é muito engraçado'".
Mussum aceitou o convite, mas o empresário do Originais do Samba não queria liberá-lo para as gravações, temendo que prejudicasse a agenda de shows dele.
"Tive que prometer que ele não gravaria sexta, sábado e domingo. O Mussum sempre me chamou de compadre e dizia 'não sou comediante, sou tocador de reco-reco'. Falei que ele era um tremendo comediante, só não sabia disso ainda. O Renato escreveu as piadas certas, ele fazia um cozinheiro nosso e entrava, dava uma piada e saía. Ele estava começando como comediante, foi muita inteligência do Renato. Deu certo. No terceiro programa, ele tomou conta de tudo", conta.
Dedé não aceitou entrada de Zacarias no início
A entrada de Zacarias para fechar o quarteto, em 1974, causou um desconforto inicial em Dedé. Ao ser apresentado por Renato Aragão, o humorista não imaginava que Mauro Faccio Gonçalves, um homem de 1,60m, sério e vestido socialmente, era comediante.
"Um dia o Renato chegou lá com um cara baixinho, bem vestido, de gravata, e disse: 'esse aqui é o Mauro Gonçalves', ele tinha uma voz bonita. Eu perguntei quem era e ele respondeu que iria trabalhar com a gente. Eu respondi: 'Você está maluco, esse cara está mais para gerente de banco do que para comediante'. Ele falou: ‘você vai ver, esse aí eu garanto’. No começo não aceitei bem, um cara com uma voz bonita, de terno, gravata", recorda.
Quando Zacarias começou os ensaios, tudo mudou: "Eu caía no chão de dar risada. O Renato acertou na mosca. Chegou na hora da gravação, ele me parece com aquele dente, aquela peruca, não me aguentei, eu ria do começo ao fim", lembra Dedé.
Zacarias morreu em março de 1990, aos 56 anos, de embolia pulmonar. A estrutura de Os Trapalhões precisou ser reinventada para tentar suprir a ausência do comediante. O programa foi dividido em duas partes e Didi, Dedé e Mussum passaram a interagir com outros humoristas, como Jorge Lafond e Tião Macalé.
Mussum morreu em julho de 1994, aos 53 anos, em decorrência de problemas no coração. Desta vez, Renato Aragão decidiu parar de gravar o programa. A dupla voltou em 1995 com um novo programa, que foi cancelado no mesmo mês.
"Sinto falta da nossa convivência, agradeço a Deus por ter pertencido a esse grupo. A nossa convivência era maravilhosa. Tinham alguns desentendimentos, mas nunca pessoal. Dirigi vários filmes dos Trapalhões, de vem em quando, tinha uns arranca-rabo com o Renato, ele achava que tinha que ser de um jeito e eu achava que tinha que ser de outro. Muitas vezes no final ele tinha razão, acabou ali e ficava tudo bem", conta Dedé, que garante que uma briga que fez o quarteto interromper as gravações por um tempo nos anos 80 não foi nada pessoal entre eles.
"Foi uma coisa de empresa para empresa, não foi briga pessoal. Nós tínhamos uma empresa que era Dedé, Mussum e Zacarias, ele tinha a Renato Aragão Produções, foi uma briga dos nossos empresários com o empresário dele, que na época era o irmão dele", explica.
Bastidores de filmes tiveram orelha pendurada, tímpano perfurado e torção no joelho
A franquia Os Trapalhões bateu recordes de bilheterias no cinema do país e levou milhões de pessoas a gargalharem com cenas hilárias do quarteto aprontando todas. O que pouca gente imagina, é que nos bastidores, o clima não era só de risada. Dedé Santana, por ser artista circense, costumava dispensar dublês e já sofreu alguns acidentes em cena.
"No filme Planalto dos Macacos (1976), ensaiei várias vezes com o sidecar (dispositivo de uma roda preso a uma moto), com o Mussum e o Renato dentro. Eu dava várias voltas, mas na hora de rodar, choveu, molhou tudo, estava cheio de lama. Deram um jeito, enxugaram a moto. Fomos fazer a cena, mas eu tinha ensaiado com o chão seco, estava molhado e tinha barro. A moto derrapou, tentei controlar ela, o Mussum pulou para um lado, o Didi para o outro, e eu bati num poste e fiquei com uma orelha pendurada. A sorte que estava no final do filme e deu para resolver, mas tive que operar", lembra ele.
Por conta dessa cirurgia, Dedé aproveitou e fez uma plástica no mesmo dia para tirar uma ruga de expressão da testa que o incomodava. Até hoje, Renato gosta de brincar sobre as plásticas do ex-trapalhão.
"Outra cena foi em Simbad, o marujo trapalhão (1975), quem marcava as brigas em cena era eu, usava a minha experiência do circo para fazer os socos. Marquei com o cara me dar um murro na orelha. Só que na hora, me enganei e virei para o lado errado e perfurou meu tímpano. Várias vezes a gente se machucou em filmes porque não tinha tantos truques com têm hoje", diz ele.
No mesmo longa, Dedé passou um sufoco ao escalar uma chaminé de 25 metros com Baiaco, dublê de Renato Aragão. "Fui subindo, quando estava acima do meio, aqueles ferros, que eram tipo uma escada, estavam podres e começaram a quebrar. Olhei para o Baiaco, ele disse que o jeito era continuar subindo pois não dava mais para descer", conta.
Os dois chegaram na ponta da chaminé e os tijolos começaram a cair. "Ficamos lá em cima pendurados esperando vir um carro de bombeiro com uma escada magirus para poder tirar a gente de lá porque não podíamos descer pelo mesmo lugar que subimos", diz Dedé.
Já no filme A Filha dos Trapalhões (1984), Renato dispensou o dublê e encarou uma cena dirigida por Dedé Santana. "Ele pegava um cavalo correndo, pulava em cima e ficava em pé. Ele ali torceu o joelho, quebrou uma rótula. Ele fez o filme engessado e a gente disfarçando para ninguém perceber. Foi um filme difícil para ele", conta.
Em Os Trapalhões e o rei do futebol (1986), com Pelé, Dedé pulou do alto de uma árvore, sem perceber que tinham pedras ao redor. "Rachei os dois calcanhares, botei gesso para terminar o filme e tive que pinta-lo de preto para enganar que era um sapato. Muitas cenas minhas foram cortadas", recorda.
"Humor politicamente correto amordaçou os comediantes"
Se até meados dos anos 90, as piadas homofóbicas, racistas e xenofóbicas eram comuns e faziam rir em Os Trapalhões, o mesmo não seria mais aceitável nos dias de hoje. Dedé Santana lamenta o que ele chama de "politicamente correto" e diz que as piadas eram feitas sem maldade.
"O humor politicamente correto amordaçou os comediantes. Não era maldade, o próprio Mussum chegava para mim e falava, 'naquela cena ali, você fala ô negão', e ele respondia: 'negão é o teu passado'. O Renato o tempo inteiro dizendo que eu era gay", relembra ele, que ganhou a fama de galã do quarteto.
"Eram os quatro tão feios, que eu era o melhorzinho do grupo. No começo eu era solteiro, era namorador, depois casei e me acalmei", conta.
Com uma carreira de quase 60 anos no cinema, Dedé atuou em mais de 40 filmes, muitos deles com os Trapalhões, que bateram recordes de bilheteria, além de dirigir alguns deles. Ao site, o comediante falou sobre os bens conquistados e disse poderia ter administrado melhor o seu dinheiro no auge do sucesso.