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Com problemas evidentes, “A Dona do Pedaço” não faz jus ao seu título


Juliana Paes interpreta Maria da Paz
Divulgação/ TV Globo

“A Dona do Pedaço” já chegou a ser alvo de elogios desta coluna há algum tempo, quando a sua segunda fase deu as caras. A pegada assumidamente popular e despretensiosa desde os seus primeiros capítulos foi apontada como um ponto positivo, em contraponto às novelas das 21h anteriores de Walcyr Carrasco. No entanto, não demorou para que os defeitos acabassem se sobressaindo e, no atual momento, tornassem a atual trama em cartaz na faixa, dirigida por Amora Mautner, tão confusa e cheia de problemas quanto “Amor à Vida” (2013-14) e “O Outro Lado do Paraíso” (2017-18).

O mais evidente deles é a excessiva ingenuidade de sua protagonista, Maria da Paz (Juliana Paes). É difícil acreditar que a personagem que deveria fazer jus ao título da obra não consiga perceber nada do que há à sua volta. Quando se esboça alguma reação – como a recente surra na filha Josiane (Agatha Moreira) –, cria-se a falsa expectativa de que a boleira finalmente vai acordar para vida, em vão. Também não convencem as motivações da jovem para destruir a confeiteira ao lado de Régis (Reynaldo Gianecchini), seu amante e padrasto – nem mesmo o assassinato do mordomo Jardel (Duio Botta) contribui para isso.

Em outra ponta, o núcleo da digital influencer Vivi Guedes (Paolla Oliveira), ao mesmo tempo que agrada pela imensa química da atriz com Sérgio Guizé (que vive o matador Chiclete), chega a despertar vergonha alheia pelas tentativas fracassadas do pistoleiro de tirar a vida da musa da internet. Seria muito mais proveitoso para a personagem explorar a rivalidade com a irmã Fabiana (Nathalia Dill), ex-noviça, que tem atuado muito mais no núcleo do ricaço Agno (Malvino Salvador).

A trama de Agno, aliás, traz grandes semelhanças com o núcleo de Samuel (Eriberto Leão) e Suzy (Ellen Rocche) em “O Outro Lado do Paraíso”, novela anterior de Carrasco. As principais delas são a falta de satisfação sexual entre o executivo e a esposa Lyris (Deborah Evelyn) e o escândalo armado por esta ao revelar a todos que o marido é gay. Para piorar, os dois se envolveram em uma ilógica guerra judicial, disputando inclusive a guarda da filha Cássia (Mel Maia).

Com problemas evidentes, “A Dona do Pedaço” não faz jus ao seu título

Ainda chama a atenção a total falta de função do núcleo da “família Buscapé” da novela, que ajudou Maria da Paz a sobreviver quando chegou a São Paulo. Com inspirações na família de Tufão (Murilo Benício) em “Avenida Brasil” e no núcleo da fazenda de “Eta Mundo Bom”, o entrecho prometia valorizar o talento de veteranos como Marco Nanini, Rosi Campos, Betty Faria, Tonico Pereira e Suely Franco. No entanto, seus talentos não são devidamente aproveitados, sobrevivendo de esquetes sem muita importância – problema que também acomete Kim (Mônica Iozzi), agenciadora de Vivi Guedes, cujo relacionamento com Márcio (contador da fábrica de bolos, vivido por Anderson diRizzi) não empolga.

Todo este conjunto de problemas repete vícios característicos do autor, que acabam se fazendo muito mais evidentes em seus trabalhos do horário das nove. As situações ignoram a lógica e parecem estar lá apenas por existir, com o único intuito de provocar a catarse coletiva – com sucesso, haja visto o recorde de 41 pontos no capítulo em que Maria da Paz dá a esperada surra na filha ingrata, na última segunda-feira.

Outro ponto negativo é a falta de tato do autor ao abordar temas importantes e sensíveis, como os temas relativos à homossexualidade e identidade de gênero – mencione-se aqui também as cenas constrangedoras envolvendo Britney (Glamour Garcia) e Abel (Pedro Carvalho), que giram em torno da transexualidade da mesma; e o machismo, presente na personalidade de tipos como Agno, Chiclete, Amadeu (Marcos Palmeira) e Camilo (Lee Taylor), ex-namorado de Vivi, que fez questão de humilhá-la em plena igreja durante a cerimônia de casamento.

Apesar dos problemas de condução da obra, o elenco consegue, em maioria, dar conta do recado e convencer em seus personagens. Juliana Paes, que chegou a ser criticada por conta do sotaque “variável”, empresta dignidade a uma personagem difícil, que poderia naufragar com outra atriz menos tarimbada. Paolla Oliveira, Nathalia Dill, Sérgio Guizé, Agatha Moreira, Reynaldo Gianecchini, Deborah Evelyn, Glamour Garcia, Natália do Vale, Ary Fontoura e Rosamaria Murtinho são outros nomes que também merecem elogios. No entanto, vários talentos não têm o seu potencial explorado a contento, como Nathalia Timberg, Marco Nanini, Suely Franco, Betty Faria, Jussara Freire (que deixou a novela mais cedo após se destacar na primeira fase), Heloísa Jorge, Lucy Ramos e Mônica Iozzi.

Ironicamente, nem mesmo os problemas apontados parecem abalar os bons resultados obtidos por “A Dona do Pedaço”. Com 33 pontos de média parcial até aqui (elevando o ibope da problemática “O Sétimo Guardião”, de Aguinaldo Silva), a novela evidencia a capacidade de Walcyr Carrasco de mobilizar o seu público, já comprovada em outras obras com grande êxito. No entanto, é uma pena que um autor de comprovada competência em tantos trabalhos inesquecíveis ainda se prenda a uma fórmula batida em busca do ibope fácil na faixa das 21h, tornando suas três investidas neste horário inferiores a trabalhos como “Chocolate Com Pimenta”, “O Cravo e A Rosa”, “Verdades Secretas” e “Êta Mundo Bom”.

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