Subúrbio cinzento e tom amargo colocam "Chapa Quente" no fio da navalha
Estação NT
Publicado em 10/04/2015 às 18:33
O fim de “A Grande Família” no ano passado e a já anunciada última temporada de “Tapas & Beijos” abriram na grade da Globo um vácuo para as comédias populares.
Antes reservada para as peripécias de Lineu (Marcos Nanini) e Nenê (Marieta Severo), a disputa pela faixa noturna de quinta-feira começou nesta quinta (09) na estreia de “Chapa Quente”, série escrita por Cláudio Paiva e dirigida por José Alvarenga Jr, dupla afinada com o humor mais escrachado e cotidiano e cuja estrutura lembra as comédias do francês Molière (1622-1673), cheia de diálogos afiados, encontros e desencontros em determinados cenários, personagens bem definidos. Mas quem prestou atenção nas entrelinhas percebeu que “Chapa Quente” traz uma nota agridoce no meio de tanto barulho.
A protagonista Marlene (Ingrid Guimarães, um tanto deslocada), cabeleireira em apuros financeiros, dona de um acanhado salão de beleza, se vê às voltas com os seus funcionários ardilosos, Josi e Fran, este um ex-cabeleireiro do Projac, desgostoso por ter de voltar ao subúrbio (os excelentes Renata Gaspar e Tiago Abravanel), o marido folgado (Leandro Hassum, mais econômico nas caras e bocas), e os demais personagens que orbitam no universo-popular-humorístico, como o sargento machão (Lúcio Mauro Filho) e a dona do boteco (Ana Baird).
A decadência paira nos cenários precários, nas ruas de concreto, e no calor escaldante tipicamente carioca, que aumenta a tensão entre os personagens. Sai o subúrbio colorido, otimista de “A Grande Família” e entra a refrega pela sobrevivência na forma de propinas e de improviso.
A música “Inútil” do Utraje a Rigor na abertura, somadas às referências diretas ao momento político atual (“pede pra Dilma, você não votou nela?” questiona o personagem de Abravanel) colocam, no centro do seriado, o fim da euforia econômica do país em um olhar enviesado pelo tragicômico.
Apesar da linguagem próxima de outras séries roteirizadas por Cláudio Paiva, tal qual “Tapas & Beijos” (incluindo figurinos e demais caracterizações, o que pode dar um ar entediante às produções. Por que todas as protagonistas têm que usar saia lápis?), o tom meio amargo da nova série a diferencia de outras comédias ligeiras, mas arrisca afastar o público saudoso do subúrbio mais maternal e menos árido do passado.
A exemplo da população fora do Brasil paradisíaco, “Chapa Quente” caminha no limite entre o humor e a aflição.
Ariane Fabreti é colunista do NaTelinha. Formada em Publicidade e em Letras, adora TV desde que se conhece por gente. Escreve sobre o assunto há sete anos.