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Manifestações dominam TV e ofuscam maior tragédia desde Santa Maria

Band se destaca na cobertura


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Polícia Militar diz que 1 milhão de pessoas foram às ruas em São Paulo neste domingo (15)

2013 foi um ano intenso para o Brasil. Ainda em janeiro, o país se viu diante de um dos seus momentos de maior luto, quando as chamas dominaram a boate Kiss e mataram mais de 240 pessoas. Em junho, foi a vez da paralisação de ponta a ponta durante a Copa das Confederações graças aos protestos de rua.

Agora em 2015, este último fim de semana reuniu tanto a maior tragédia em território brasileiro desde o incêndio de Santa Maria quanto as maiores manifestações populares.

O movimento que ocorreu nas principais capitais e ainda em diversas cidades do interior transcorreu sem maiores incidentes e é apontado por muitos como a maior mobilização desde as Diretas Já.
 
A televisão brasileira, é claro, deu amplo espaço para a cobertura. Desta vez sem agressões diretas contra profissionais de mídia, a Globo iniciou sua transmissão com alguns repórteres sem canopla, mas logo os deixou totalmente identificados.

O canal cobriu as primeiras movimentações desde cedo dentro do "Esporte Espetacular". O programa foi interrompido por oito vezes. Após ele, nos primeiros breaks do "Esquenta" as interrupções seguiram sendo feitas por Alex Escobar.
 
Só depois é que Poliana Abritta assumiu o comando dos boletins, mostrando que o esquema de horários não foi alterado por causa da cobertura. Em praticamente todos os comerciais, o maior destaque ficou para o grande agrupamento na Avenida Paulista, em São Paulo.

Os repórteres não traziam grandes novidades entre uma entrada e outra, a não ser o número estimados de presentes de acordo com a Polícia Militar.
 
No futebol, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, a tela foi várias vezes dividida entre os jogos dos campeonatos estaduais e as imagens do centro comercial paulistano tomado por uma multidão.

Na cobertura ao vivo, a ponderação foi a marca. As menções eram genéricas sobre protestos "contra a corrupção" e "pela reforma política". Somente a partir do "Fantástico" que o nome da presidente Dilma Rousseff começou a ser mencionado.

O dominical foi aberto citando o "domingo de ruas e praças cheias" e concentrou toda a cobertura em seus 30 minutos iniciais, depois seguindo a edição normalmente.

Os telejornais destaa segunda-feira (16) também resumem o destaque aos seus primeiros blocos e não elaboraram encerramentos especiais com imagens da multidão.

Já o canal de notícias do grupo, a Globo News, mesmo durante o auge da lotação nas ruas, já se importava mais em tentar fazer a análise política do ambiente e prever os atos futuros que seriam desencadeados.

A Record News adotou tom similar, repercutindo principalmente declarações de autoridades, como ministros de Estado e líderes da oposição. Na noite, foi escalada uma edição especial do "Jornal da Record News" com Heródoto Barbeiro, que promoveu um bom debate destrinchando as intenções que cercavam as manifestações.

A "mãe" Record foi, de longe, a que promoveu a maior cobertura da TV aberta. Com Reinaldo Gottino, craque em transmissões ao vivo há anos, o canal ficou no ar basicamente do 12h até às 16h.

Focando em São Paulo, mas incluindo até helicópteros em cidades como Belo Horizonte e Brasília, a transmissão teve momentos de enrolação, mas conseguiu se sustentar por tanto tempo sendo devidamente atualizada.
 
Por causa desse "Plantão", o "Domingo Show" e a "Hora do Faro" foram reduzidos, mas tanto Geraldo Luís quanto Rodrigo Faro estiveram ao vivo nos estúdios para interagirem com Gottino.

O SBT foi inicialmente mais econômico e entrou apenas em alguns intervalos. Com ancoragem de Marcelo Torres, a cobertura ao vivo chegou a mostrar a repórter Solange Boulos "fugindo" de um link. Normal. Na Globo, os áudios de Veruska Donato e Jonas Campos também falharam em determinados momentos.

Mais ao fim da tarde, a emissora de Silvio Santos chegou a liderar com seu jornalismo, algo que é raro quando se trata de factual.

E nem a RedeTV! "escapou". Com a competente Amanda Klein, o canal também optou por interrupções pontuais, o que atrasou sua grade noturna em cerca de 30 minutos. Mas lembra-se do começo deste texto citando que o domingo não teve apenas os protestos como fato marcante no Brasil? Pois bem, parece que apenas a Band atentou para isso.

Dos primeiros boletins com Paula Valdez até os últimos com Fábio Pannunzio, o canal sempre dosou as informações dos protestos com as de um gravíssimo acidente de ônibus que matou 51 pessoas em Santa Catarina.

Sim, mais de meia centena de mortos de uma vez só. Seja em tragédias rodoviárias, aéreas, climáticas ou qualquer outra categoria, tantas pessoas não faleciam de uma vez só no Brasil desde o incêndio no Rio Grande do Sul há mais de dois anos.

Como efeito de comparação, casos com bem menos vítimas já tomaram o noticiário. O desabamento do edifício Palace II no Rio de Janeiro deixou oito mortos, enquanto a cratera no metrô de São Paulo vitimou sete vidas.

Não se trata de uma fórmula exata que converta os óbitos em tempo de cobertura, mas é pelo menos questionável a postura da maioria das emissoras com o caso. E não foi a única cobertura esquecida no final de semana mesmo com precedentes similares tendo tido amplo destaque. Em Natal, o final de um cárcere privado em que o padrasto manteve o enteado refém por 41 horas novamente ganhou amplo espaço somente na Band na sexta-feira (13).

Dentro do "Brasil Urgente", foram trazidas informações por telefone dos repórteres no local e dos agentes de segurança que acompanharam o sequestro, que terminou com o sequestrado libertado e o criminoso atirando contra o seu queixo, mas ainda sobrevivendo.

No "Jornal da Band", foi exibida uma matéria sobre o caso, assim como no "SBT Brasil". Mas a Globo não o mencionou nem mesmo em uma nota coberta.

No sábado (14), enquanto o crime no RN foi ignorado, o "Jornal Nacional" rendeu mais de dois minutos para a história de uma menina de 10 anos que já leu uma centena de livros. Um dia depois, o "Fantástico" citou o acidente rodoviário no Sul por pouco mais de três minutos, cerca de dois terços do tempo dedicado ao nascimento da primeira leoa branca brasileira, que teve seu nome (Clara), escolhido por votação popular durante o programa.

Conste-se que o espaço mais amplo para notícias mais pesadas não foi uma opção de troca da Band de um estilo pelo outro, mas um complemento. Os protestos foram também amplamente cobertos com links em todas as cidades com maior mobilização, incluindo durante o "Band Esporte Clube".

Ou seja, a Band foi o canal que melhor soube se utilizar de estar ao vivo e sair do modo automático planejado graças aos protestos já marcados anteriormente para noticiar o factual com qualidade e sem precisar de apelação. De longe, a que fez o jornalismo mais completo diante dessas circunstâncias.

O bom espaço seguiu no "Café com Jornal" desta segunda, que enviou a repórter Eleonora Paschoal, da praça de São Paulo, para cobrir os funerais das vítimas da tragédia na estrada direto do Paraná.

Enquanto isso, o desastre só teve espaço condizente na Globo por suas afiliadas. A RBS de Santa Catarina exibiu boletins até a madrugada de sábado, enquanto Galvão Bueno ficou por dois horas ao vivo com a Fórmula 1 sem mencionar o número de vítimas que no momento já passava de 30.

Hoje, o "Paraná TV" começou mais cedo, cortando tempo do "Encontro com Fátima Bernardes". Seus créditos exibiram não o nome dos profissionais que fazem o telejornal, mas sim o dos vitimados pelo acidente.

Esse espaço gigantesco para pautas políticas na rede em detrimento de outros destaques talvez não seja nem mesmo estratégia de manipulação ou coisa equivalente, mas somente uma "contaminação" pela pressão exercida por grupos que criticam a mídia tradicional, mas fazem questão de se ver nela.

Na sexta-feira, a Globo já havia exibido diversos boletins por todo o dia com Evaristo Costa e Renata Vasconcellos narrando as manifestações a favor do governo Dilma feitas pelas centrais sociais.

Essa compensação exercida pode ser um começo de um ciclo perigoso caso ambos os movimentos se alonguem sem uma definição clara do que buscam. Afinal, é mais provável que 1 milhão de pessoas saiam novamente marchando nas próximas semanas (o que não tira o gigantismo do ato) do que 51 morram em um acidente.


No NaTelinha, o colunista Lucas Félix mostra um panorama desse surpreendente território que é a TV brasileira.

Ele também edita o https://territoriodeideias.blogspot.com.br e está no Twitter (@lucasfelix)


 

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