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Com cadáver exibido em seus telejornais, Globo tem dia sanguinário


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Reprodução

O artigo D da seção II dos princípios editoriais da Globo deixa claro: “A sensibilidade do público será levada em conta. Cenas chocantes receberão o tratamento devido de acordo com as características do público-alvo. Quanto mais indistinto o público, mais cuidados são necessários. Nesses casos, o público deve ter sempre a confiança de que não será surpreendido por cenas que afrontem os valores médios presumidos da sociedade”.

Não foi o que aconteceu neste 23 de abril. Do “Jornal da Globo” ao “Jornal Nacional”, todos os jornalísticos de rede do canal exibiram as imagens do corpo do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG.

Sem nenhuma preocupação em disfarçar o conteúdo ou aviso prévio de que suas reportagens conteriam cenas fortes, telespectadores foram “agraciados” com a indigesta cena em plena hora do almoço, por exemplo. Se afrontando mais uma vez os princípios de sua “carta magna”, o jornalismo da Globo transformou o “JH”, programa que raramente leva ao ar reportagens policiais, em ponto de exibição de um cadáver.

Cenas do tipo felizmente são cada vez mais incomuns na televisão brasileira. Mesmo programas ditos sensacionalistas como “Cidade Alerta” e “Brasil Urgente” dificilmente chegam ao ponto de exibição de um corpo inteiro, mas quando o fazem, utilizam distorções em toda a imagem.

O expediente da Globo hoje é comum somente em afiliadas de Record e SBT pelo Norte e Nordeste do país e por isso surpreendeu tanto o público.
 


Na Globo, foto foi exibida quase sem desfoque, o que gerou a revolta dos internautas


É fato que própria Globo já exibiu alguns corpos sem distorções, como os de Wellington Menezes, o atirador de Realengo, e do ditador líbio Muamar Kadafi. Nas circunstâncias, havia certa justificativa diante da relevância alcançada pelas figuras, mesmo que de maneira dúbia. Dessa vez não. E afinal, o que mesmo a exibição da imagem acrescentou que não poderia ser descrito pelos competentes repórteres do canal? E ainda era necessário se gabar tanto pela exclusividade? Só faltou dizer que “deu trabalho para fazer”.
 
A grande repercussão sobre o falecimento de DG não vem pelo seu trabalho em geral, mas sim da fama como “dançarino da Regina Casé”. Um agregado que não agrega nada em conteúdo. Mesmo que seu falecimento tenha causado dor e revolta em muitos, como pode ser visto ontem em Copacabana, o assunto é inflado em troca de algumas palavrinhas de dor de outra figura mais conhecida. O mesmo já havia acontecido na segunda-feira (21) quando o “Cidade Alerta” explorou por horas a morte do irmão do MC Gui, chegando a exibir um GC com duplo sentido na tela que indicava o próprio funkeiro como morto.

O fato de DG ser colaborador da Globo pode até justificar a ênfase na cobrança por investigações, como aconteceu há anos com a morte do jornalista Tim Lopes, mas jamais abre espaço para celebração da barbárie explicitamente. E ainda abre um precedente perigoso. Se há poucos meses duvidaríamos que a Globo exibiria cenas assim, como imaginar qual será o próximo passo da emissora?


A desculpa de que o telespectador tem poder de mudar de canal caso não esteja satisfeito é ainda mais pífia. Mesmo sem afetar diretamente o conteúdo jornalístico e com suas controvérsias, a monitoração de produtos pelo Ministério da Justiça existe justamente para que sejam evitados excessos. Afinal, é de se espantar só pensar o que seria da nossa TV sem nenhum tipo de regulamentação.

Regulamentação que é até interna pelos seus alardeados princípios editoriais, certo? Pois bem: na mesma seção II do texto, porém no artigo C, se fala que “nenhum veículo das Organizações Globo fará uso de sensacionalismo (...) de modo a causar escândalo e explorar sentimentos e emoções com o objetivo de atrair uma audiência maior”. Pelo menos a audiência maior não foi atraída. O “JG” viu o “Cine Espetacular” o ultrapassar em vários momentos e a deselegante cena não foi suficiente para o “JH” perder a proximidade do “Balanço Geral”, que ainda entregou bem em sua versão matutina e ajudou a impulsionar o “SP no Ar”, pedra no sapato do “Bom Dia Brasil”.

Resta-nos torcer para que o deslize de hoje não enterre a construção da imagem do jornalismo da Globo, reconhecido até pelo Emmy, junto com DG.

 

No NaTelinha, o colunista Lucas Félix irá mostrar um panorama desse surpreendente território que é a TV brasileira.

Ele também edita o https://territoriodeideias.blogspot.com.br e está no Twitter (@lucasfelix)


 

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