Publicado em 24/06/2020 às 04:29:00
Tina Fey pediu que quatro episódios de 30 Rock (2006-2013) fossem retirados do ar por causa de atores brancos que aparecem com a cara pintada de preto (blackface). Outras produções norte-americanas estão passando pelo mesmo processo por conta dos protestos que ocorrem nos Estados Unidos, após a morte de George Floyd. No Brasil, esse tipo de situação também já foi praticado por artistas famosos, como Xuxa, Paulo Gustavo e Tom Cavalcante.
O blackface é uma prática que tem pelo menos dois séculos, tendo início nos Estados Unidos. As pessoas negras eram ridicularizadas para o entretenimento de brancos, criando estereótipos negativos. Atores brancos usavam tinta para pintar os rotos de preto em espetáculos de humor e tendo comportamentos exagerados. Já no século XX, o recurso foi usado para não dar papel de destaque aos atores negros em filmes e programas de TV.
Principal produto de teledramaturgia do país, a telenovela deu espaço para duas situações de blackface. A primeira ocorreu em 1969, na Globo, no folhetim A Cabana do Pai Tomás. Sérgio Cardoso era o principal ator do país e foi escolhido para protagonizar a novela.
O enredo era baseado na obra de Harriet Beecher Stowe e o personagem principal era um escravo. Ao invés da direção optar por um ator negro, houve a decisão de pintar o rosto de Sérgio e colocar peruca de cabelos crespos nele para construir o figurino do personagem.
Houve forte reação do movimento negro contra o blackface, mas nada que tenha atrapalhado o andamento da novela. Houve também preconceito em relação à protagonista, a atriz Ruth Souza. Algumas atrizes brancas se incomodaram por terem menos destaques que ela.
A polêmica voltou a acontecer em novela 47 anos depois em Êta Mundo Bom (2016). O ator Marco Nanini interpretava o professor Pancrácio, que se fantasiava para ganhar gorjeta na frente da porta da Igreja. Um dos seus personagens foi um homem negro e ele precisou se caracterizar com blackface.
Flávia Alessandra postou uma foto com Nanini e houve uma enxurrada de críticas. “Em pleno 2016 e com TANTA informação não é possível que essas pessoas não tenham uma noção de que BLACK FACE É RACISMO”, disse um dos comentários no perfil da atriz.
Walcyr Carrasco se posicionou na época sobre o assunto e demonstrou revolta. “Acusam de racismo porque um dos disfarces de Marco Nanini em Êta Mundo Bom é de negro. É um absurdo! Na novela, um menino negro é protagonista! Com essa exigência do politicamente correto, o mundo perdeu o humor! E mais tarde, Nanini fará uma gueixa. Entre tantos personagens, vão dizer que é preconceito contra os orientais! Santo Deus!”, disparou o autor.
Na reprise no Vale a Pena Ver de Novo, o capítulo em que Marco Nanini aparece caracterizado de negro ocorreria no momento em que os protestos pela morte de George Floyd ganhavam os noticiários do mundo. A direção da Globo optou por cortar as cenas para não causar polêmica.
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Em 1991, Xuxa participou de um especial de fim de ano com o Grande Otelo e foi caracterizada como Boneca de Pixe. Na produção, ela sambava e cantava ao lado do humorista e fez grande sucesso na época, porque muitos consideraram uma homenagem a cultura negra.
Recentemente, em entrevista ao apresentador Pedro Bial, a rainha dos baixinhos relembrou o episódio e disse que o Grande Otelo aprovou o trabalho feito com ela. “Ele adorou. Ele falou: ‘Nossa, que linda você ficou’. Foi tudo tão bonito”, declarou a loira.
“A gente pode até olhar pra uma outra época para aprender com os erros, mas eu vejo certas atitudes que eu vejo hoje em dia que eu não consigo entender muito, sabe? Por exemplo, um artista, pintar o rosto não é certo por quê? Aí começam a criar um monte de coisa que não é verdade. A gente tava fazendo uma homenagem”, ressaltou a apresentadora.
“Eu entendo o que as pessoas falam. Quando você faz isso, você está abrindo a porta para outras coisas erradas acontecerem. Beleza, ok! Mas você não pode dizer que aquilo é errado. Acho que existe um exagero quando uma pessoa começa com uma coisa e já inflama”, concluiu.
Os programas de humor brasileiro também usaram esse artifício para retratar mulheres negras. Na década de 1990, por exemplo, Tom Cavalcante se caracterizou de uma babá negra e arrancou risadas de Miguel Falabella e da plateia do Sai de Baixo quando passava na Globo.
“Eu vou lá dentro pegar um crucifixo e uma resma de alho para o meu netinho se defender desta monstra”, afirmou a personagem Cassandra, interpretada por Aracy Balabanian, ao se referir a babá negra. Há um momento em que Tom Cavalcante corre pelo cenário e faz gestos e sons de um chimpanzé.
Naquele período, pouco se deu a devida atenção ao caso e foi tratado com naturalidade por ser um programa de humor. A polêmica só ocorreu, de fato, em 2012 no programa Zorra Total.
Rodrigo Sant'Anna criou a personagem Adelaide e gravou uma esquete na atração. A caracterização da figura era de uma mulher negra, sem dente, pobre, analfabeta e com linguajar chulo, criando estereótipos.
“Um combustível perfeito para o bullying que aflige as crianças negras, especialmente as meninas, na escola e nos círculos de convivência, contribuindo para manter baixa a autoestima de um segmento da população quotidianamente adestrado a se sentir e comportar como inferior”, escreveu o jornalista Jorge Silva na ocasião.
A promotora Christiane Monnerat contou ao UOL que várias ONGs denunciaram a situação. Rodrigo, ao saber de toda polêmica envolvendo seu trabalho, se defendeu das acusações. “Só posso dizer que o foco do meu trabalho é o humor. Prefiro não me manifestar a respeito dessa denúncia”, relatou. Na época, a emissora fez questão de explicar que o humorista apenas interpretou a personagem, já que o roteiro foi escrito por redatores do programa.
Sobrou até para Paulo Gustavo. Em 2016, no canal Multishow, ele fez sua personagem Ivonete no programa 220 Volts. A mulher também era negra e pobre e os internautas não pouparam o comediante das críticas. “Sou fã do Paulo Gustavo, mas blackface não é permitido em hipótese alguma”, opinou uma seguidora.
Homossexual assumido, Paulo é conhecido por não aceitar qualquer manifestação de preconceito e pediu desculpas por ter feito a personagem. “Eu não quero de forma alguma ser agente dessa dor, corroborar com preconceitos e manter o status quo de uma sociedade que necessita melhorar. Todos nós precisamos conversar e pensar mais a respeito”, afirmou.
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