Publicado em 28/02/2021 às 07:30:00
"Virei dono do meu personagem, fazia o que eu queria em cena", recorda Ney Latorraca ao falar sobre Vamp, sucesso exibido há exatos 30 anos que estreia nesta segunda-feira (1º) no Globoplay. Marco na carreira do ator, a trama também fez história na TV ao unir comédia e terror às 19h. Anárquica, permitia ao veterano deitar e rolar na pele do diabólico Vlad, disposto a tudo para possuir Natasha (Cláudia Ohana).
Tanta liberdade em cena resultou em um puxão de orelha nos bastidores. "Chegou um momento em que queriam que eu diminuísse na interpretação. Falei que, se fosse assim, preferia sair da novela, isso lá pelo quarto mês de exibição. Fiquei uns dias sem gravar, mas me chamaram correndo de volta", conta Ney Latorraca, em entrevista exclusiva ao NaTelinha.
Quem assistir a Vamp na plataforma de streaming da Globo poderá observar que, nos primeiros capítulos, Vlad era mais sombrio. Com o decorrer da história, o vilão que pretendia aterrorizar a fictícia cidadezinha de Armação dos Anjos já não botava mais medo em ninguém. Ao contrário, na vida real, mesmo as crianças aficionadas pela novela pediam para ser mordidas quando esbarravam com o ator na vida real.
"Outro dia, assisti a uma cena em que estava de capa, todo de preto e sambando!", diverte-se. "Vejo coisas absurdas e pergunto: 'Como eu tinha coragem de fazer isso?'. Eu não dizia 'gostoso', era 'gotôso...'. Eu brincava, era uma coisa bem para criança mesmo. São signos que eu ia lançando e iam pegando com esse público", comenta Ney. Outro marco foi sua performance para Thriller, o hit oitentista de Michael Jackson.
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Segundo Ney Latorraca, parte do sucesso de Vlad decorria justamente de sua liberdade para criar sobre o texto do autor Antônio Calmon. Tanto que, duas décadas depois, quando foi convidado por Jorge Fernando (1955-2019) para levar o personagem aos palcos com um espetáculo baseado na novela, ouviu do saudoso diretor: "Só tenho uma condição: você entrar em cena e fazer tudo o que quiser".
O ator conta que estava em cartaz com a peça Irma Vap, ao lado de Marco Nanini, em São Paulo, quando recebeu o convite da Globo. Atuaria em poucos capítulos, mas acabou ficando até o fim. "Não foi só um sucesso pessoal meu, mas de toda a novela. Eu estava muito bem cercado. Havia o elenco jovem, o Otávio [Augusto], que fazia um vampiro com só um canino, a Patrycia Travassos maravilhosa e completamente louca... É bom quando você participa de um fenômeno desses, faz bem."
Com Cláudia Ohana, a química em cena era um reflexo dos bastidores. Eles já haviam contracenado nos filmes Ópera do Malandro (1986) e Bela Palomera (1989). "Já nos conhecíamos e fomos criando uma intimidade muito saudável. Eu sabia que podia passar o texto com ela, propor ideias. Quando nos reencontramos há três anos, no musical de Vamp, foi uma delícia. A Cláudia não envelhece, é vampira mesmo", elogia.
Viver um vampiro tão poderoso, que dominava toda a novela, não subiu à cabeça de Ney Latorraca, um ator assumidamente vaidoso. "Levava aquilo sempre na brincadeira. Minha vaidade não chega a esse ponto. Brinco que sou vaidoso, mas só até a segunda página. Na terceira, eu já caí na real."
"Era gostoso brincar com essa história de vampiros, ainda mais com um toque de brasilidade e de humor, para não assustar as crianças, que acabaram virando o nosso grande público", avalia Ney. No rastro do sucesso de Vamp, a Globo lançou um álbum de figurinhas dos personagens, hoje artigo de colecionador.
"Conquistando o público infantil, se conquista a família inteira, porque as crianças obrigam os pais a ligar a televisão. Só não é fácil acertar", reflete, sem medo de dar nome aos fracassos, como Sem Lenço, Sem Documento (1977) e Bang Bang (2005), e aos sucessos mais recentes de seu currículo, caso de O Cravo e a Rosa (2000) e Da Cor do Pecado (2004). "Todo mundo sabe quando deu certo", garante.
Viciado em séries desde o início da pandemia, que o afastou do trabalho, Ney Latorraca acredita na longevidade das novelas, contrariando teorias de quem não vê futuro para o gênero. "O que é bom fica. Não sou a favor de saudosismo. Há coisas que são feitas hoje que, tenho certeza, se mostrarem lá na frente, vão fazer sucesso de novo."
Para o veterano, as novas plataformas mudaram a forma de se assistir às novelas, ao mesmo tempo que as introduziram nos hábitos contemporâneos. O sucesso de tramas clássicas no Globoplay é prova disso. "Tem espaço para tudo. Só não acredito que ainda vá ser feita uma novela que pare o país como parava na época de Vamp, com índices de audiência altíssimos."
Ele se preparava para estrear o espetáculo musical Seu Neyla, que comemoria seus 55 anos de carreira em 2020, mas foi impedido pela pandemia. "Sou contratado da Globo, tenho a garantia todo mês, mas e o ator que não tem isso?", reflete. Longe dos palcos e dos estúdios, ele pratica atividades físicas em casa, como caminhadas na varanda e natação, enquanto aguarda chegar sua vez de tomar vacina.
Aos 76 anos, Ney responde que gostaria de retomar o famoso personagem, quem sabe em um filme ou uma série. "Se me chamarem, eu faço. Mas o Vlad vai ficando cada vez mais contido, porque quando fiz pela primeira vez, há 30 anos, eu tinha 46. Só preciso ser vacinado primeiro para depois gravar. Troco uma mordida por duas doses da vacina", brinca.
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