Publicado em 28/01/2021 às 05:03:00
Nós, jornalistas, costumamos dizer que não podemos nos tornar maiores do que a notícia. Com os avanços tecnológicos, ficou quase impossível para alguns profissionais serem indiferentes diante do público e muitos querem saber o que fazem, como vivem e o que gostam. Maria Beltrão é uma das estrelas da GloboNews e seu nome ganhou maior envergadura durante a pandemia do novo coronavírus por causa do seu comportamento humano e leve. Apesar de se divertir no Estúdio i todos os dias, os mais íntimos presenciaram um lado deprimido dela no início do isolamento social.
“Foi tão pesado, mas graças a Deus a gente consegue fazer dos limões uma limonada, pelo menos eu tento sempre fazer isso na minha vida. Foi tão pesada a quantidade de notícia ruim que a gente tem que dar por causa da pandemia, dia após dia, que eu acabei começando um diário do livro que eu lancei, porque eu precisava jogar o que tava na minha cabeça. Precisava jogar o que estava na minha cabeça pro papel e aí virou o livro que eu lancei no final do ano passado, O Amor Não Se Isola”, conta em entrevista exclusiva ao NaTelinha.
“Foi um exercício de como lidar com as dificuldades, porque eu fiquei uns quatro meses sem ver minha mãe, porque minha irmã estava na quarentena com ela e eu fiquei com medo, já que eu trabalhava todos os dias. Agora eu passo a ver, mas ela de um lado e eu do outro quando eu visito. Mas juntou o lado profissional, que só falava de notícia triste, com o lado pessoal, no qual a gente se preocupa, então o começo foi muito difícil. Mas depois, como tudo na vida, eu cheguei até ver alguns estudos que fala que a gente vai se adaptando até no cenário mais adverso. Eu fui começando a me adaptar nessa realidade. Então eu acho que hoje em dia não estou tão deprimida, porque eu cheguei a ficar bastante deprimida no começo da pandemia. Tive dificuldade pra dormir, tive insônia... Durante dois, três meses de pandemia, lá no começo, eu tinha pesadelos que eu batizei de Sonhos de Corona. Até falei no meu livro que eu estava tendo esses Sonhos de Corona, tinha hora que eu estava presa e não conseguia chegar em nenhum lugar. Ou eu estava em algum lugar de muita gente, mas depois eu fui aprendendo a chegar do trabalho e, como eu sou uma pessoa muito espiritualizada, comecei a rezar mais, fazer mais meditação pra tentar esvaziar um pouco a cabeça com as preocupações, porque no começo foi mais difícil”, acrescenta.
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O primeiro contato da reportagem com a apresentadora aconteceu no dia 14 de janeiro e ela respondeu no dia seguinte. “Desculpa por não ter respondido ontem, Hoje eu também estou numa correria. Estamos preparando um editorial sobre o Amazonas. Podemos falar mais tarde?”
Naquela data, o Brasil acompanhava de perto todos os problemas que ocorriam no Amazonas. Os hospitais estavam sem cilindros e equipamentos básicos para atender centenas de pessoas com Covid e outros tipos de doenças. Sem contar que bebês recém-nascidos tiveram que ir para outros estados em busca de sobrevivência.
Com a agenda cheia e com muito trabalho, pois também foi responsável pela cobertura da posse de Joe Biden, novo presidente dos EUA, Maria fechou a entrevista para 25 de janeiro, aniversário de São Paulo. Bem-humorada, não fugiu de nenhuma pergunta e comprovou que não cria uma personagem para comandar o Estúdio i.
No dia 8 de março, Maria Beltrão publicou uma foto ao lado das mulheres da sua família. Ela não relatou aos seus seguidores quando ocorreu aquele almoço, mas reunir seus parentes é uma das suas paixões, ação que foi ceifada do seu dia-a-dia por culpa da pandemia. Beltrão confessa: acreditava que não demoraria para ficar ao lado das pessoas que ama.
“Eu achei que passaria mais rápido no começo, imaginei que dois, três meses teríamos o lockdown, só que era mais uma torcida do que algo que a ciência apontasse. Era algo como: ‘Não, vai dar tudo certo. Isso aí vai diminuir’. Eu tenho uma mãe mais velha, com 86 anos, então eu sempre falava: ‘Mãe, no Natal, nós vamos passar juntas, vai tá tudo normal, vamos até viajar’. Na minha cabeça era assim, lá atrás, em março e abril. Só que era mais uma torcida do que um embasamento”, recorda-se.
A jornalista se emocionou em edições do Estúdio i ao longo do ano passado. No começo, ficou sem ver sua mãe. Depois, não pode abraçá-la. Sem almoço, sem aglomeração e com a obrigação de passar as informações mais impactantes do mundo, desde morte de milhares de pessoas por Covid-19 até conflitos políticos que afetaram milhões de brasileiros.
Para retirar um pouco do peso da sua rotina, ela começou a escrever sobre diversos temas em papéis, uma espécie de diário. Beltrão admite que não tem tanta disciplina para escrever um livro, mas tudo aconteceu de maneira espontânea e com sortes do destino.
“Foi muito engraçado. Na verdade, não era nem um diário. Pra eu tentar fazer a minha mente ir pra outros lugares, que não a preocupação com a pandemia, eu topei um desafio literário do meu marido [Luciano Saldanha Coelho] de uma escritora chamada Julia Cameron que ela diz o seguinte: ‘Se você quer destravar a criatividade, você escreve a mão três páginas sobre o que vier na sua cabeça’. Como se isso fosse um diário. Meu marido já tinha me proposto isso há um tempão, mas com a pandemia minha cabeça ficou tão ocupada, que eu jogando outras ideias no papel eu relaxe. Aí comecei a escrever três páginas por dia. Eu escrevia coisas pessoais, mas eu também escrevia crônicas, eu escrevia sobre vários assuntos”, detalha.
“Aí lembro que eu tinha escrito uma crônica sobre João Baldo Ribeiro, algo literário. Comentei isso com uma amiga e, por coincidência, ela falou desse escritor. Aí eu comentei com ela que tinha escrito sobre ele e ela falou: ‘Escreveu? Ótimo! Escreveu por Estúdio i?’. Aí eu falei: ‘Não, escrevi aqui em casa, porque estou escrevendo algumas coisinhas’. Ela leu a crônica que fiz sobre o João Baldo e ela falou: ‘Pô, mas não dá pra encaixar naquele livro que tanta gente fala pra você escrever?’. Aí eu falei: ‘Será?’. E eu já tinha escrito umas 80 páginas. Aí fui pro Otávio Guedes, que é um dos jornalistas que mais respeito, ele sempre falou pra eu escrever um livro, porque escrevo super bem, tanto que escrevi o prefácio do livro dele e de um milhão de gente, e ele falava: ‘Maria, você escreve tão bem’. Mas eu sempre falei que não era disciplinada pra isso. Só que eu tinha um material muito grande, ele falou pra eu mandar o material que não fosse muito pessoal. Ele deu uma olhada e falou: ‘Maria, tem um livro aí’. Foi por causa disso que nasceu o livro. É um livro que é meio diário, meio algo da consciência, tinha dia que eu falava de musical, outro dia de TPM. E eu escrevo como eu falo, então eu deixava as coisas jorrarem no papel. Depois tive que passar tudo pro computador, a parte mais triste”, completa aos risos.
E se você quer assistir um filme ou uma série com roteiro de Maria Beltrão, será muito difícil de se tornar realidade. “Nunca passou pela minha cabeça [escrever roteiro], porque eu nunca achei que fosse capaz de escrever um livro. Meu trabalho diário me consome tanto, que eu fico pensando como a Miriam Leitão, que trabalha demais, consegue lançar vários livros. O trabalho me consome de tal forma para ter três horas ao vivo de jornal que eu não consigo imaginar isso. Acho que só consegui escrever esse livro, porque não sabia que estava escrevendo, era algo de terapia, um diário, quando pensei em transformar em livro, já tava quase pronto. Se eu soubesse, talvez não teria saído. Eu sou muito voltada ao meu trabalho do Estúdio i e sobra pouco espaço para pensar em outras coisas”.
Os Sonhos de Corona foi, talvez, o tema mais impactante usado por Maria Beltrão. Provavelmente, seus medos representaram os sentimentos de milhões de brasileiros. Por ter uma mãe idosa, a apresentadora tem tomado todos os cuidados para não colocar ninguém em risco.
Não por acaso, no dia 8 de dezembro, ela chorou ao entrevistar a primeira brasileira vacinada contra a Covid-19. No meio de tantos sonhos ruins em relação ao corona, a âncora garante que também tem sonhos bons e um deles é a oportunidade de abraçar sua mãe com o fim do isolamento social.
“A primeira coisa que eu quero fazer é abraçar minha mãe, sentir o cheiro dela, porque esse negócio de não chegar muito perto é ruim. Eu sou uma das pessoas mais novas do meu prédio, mas o porteiro fala que eu sou a que menos sai, porque eu sou muito caseira. Eu gosto muito de reunir as pessoas pra almoço, tipo família italiana, que vai tia, primo, mãe, irmãos e eu sinto muita falta de ir ao restaurante em um almoço em família com muita gente, como acostumávamos a fazer. Isso é o principal pra mim. Quando eu puder dar um bom abraço na minha mãe, daqueles bem apertadinhos pra sentir o cheiro dela do cangote, é sempre minha primeira imagem que eu tenho na cabeça depois que acabar a pandemia”, revela.
Maria leva muito a sério seu trabalho e busca apresentar a notícia da melhor forma possível. Isso não significa que ela se sinta obrigada a não dar um sorriso. Pelo contrário, a informalidade e a leveza tem como função aproximar o jornalismo dos mais jovens, além de também agradar os mais velhos. “A gente passou por uma transformação na TV que hoje os jovens podem conseguir as informações de uma notícia em um clique. Pra atrair a atenção do jovem, eu acho que a naturalidade é algo que seduz, algo que aproxima, porque hoje consegue aonde você quiser", analisa.
"Hoje qualquer um pode se informar pelas redes sociais, as vezes se informa mal, mas consegue se informar. Pra você se comunicar não pode ser uma coisa distante igual era no jornalismo no passado, quando eu comecei na televisão. Tem que ter outros atrativos e a informalidade é um desses atrativos. Sobre minha alegria, eu tenho uma coisa na vida que é a assinatura da alegria. Não apenas pelas jovens, mas também pelos mais velhos. Eu procuro, independente se a notícia é difícil ou mais leve, trazer uma alegria, porque eu tenho um pé na alegria e um pé na esperança. Então como personalidade, e também como exercício, eu procuro exercitar isso e é minha marca. As vezes é difícil, porque tem notícia que não deixa, mas eu tô sempre tentando mostrar algo positivo. Eu faço um jornal de três horas, se eu não dar um pouco de frescor, não há quem aguente. A gente tenta equilibrar isso no programa", completa.
Em julho de 2017, Maria foi almoçar com Alice-Maria, primeira mulher no país a ocupar o cargo de diretora-executiva de uma central de informação, no caso a Central Globo de Jornalismo, e também responsável por implantar a GloboNews, primeiro canal brasileiro de notícias 24 horas no ar.
A apresentadora do Estúdio i se rasgou de elogios para sua ex-chefe e já admitiu não desistiu da carreira na televisão por causa de Alice-Maria. “Graças a Deus por ela”, vibra. Se a ex-executiva não fosse insistente, Beltrão não sabe como teria sido sua vida longe das telas. Quando é pedida para pensar onde estaria, caso tivesse saído da Globo, fica surpreendentemente em silêncio por alguns segundos.
“Engraçado, né? Hoje eu não consigo me ver fazendo outra coisa que não seja jornalista. Acho que sou muito adaptada a TV. Realmente, não consigo me ver fazendo outra coisa”, risos. “Consigo me ver me aposentando em dado momento, porque a rotina da TV e de jornal ao vivo é muito pesada, é coisa pra grandes e bravos e não sei se serei brava muito tempo, mas eu amo muito isso. É uma paixão. Quando eu pedi a demissão sem parar, eu pensava em escrever. Eu achava que não era boa na forma TV, então pensava em escrever, ir para o impresso fazer jornal ou revista, porque na TV eu era muito destrambelhada, falava muito com as mãos e, na época, existia um padrão muito diferente, eram outros tempos. Me sentia muito inadequada, até hoje tenho dificuldade em ler TP, tanto que improviso bastante no Estúdio, eu pra ler sou horrível. Eu me achava um ET na televisão. Mas sempre gostei de me comunicar, sou falante, não paro de falar, então se eu não tivesse na TV, estaria fazendo algo na comunicação. Quando eu me aposentar, também estarei me comunicando”, pondera.
Em fevereiro do ano passado, Maria iniciou o Estúdio i em ritmo de Carnaval. Não era para menos: profissional animada, criativa e sempre com desejo de transformar o programa em algo alto astral, nada melhor do que ter música na atração e com homenagem a Arlindo Cruz.
Esse prazer por carnaval é antigo. Entre 2002 e 2008, esteve ao lado de Cléber Machado na transmissão dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Contudo, por conta do seu trabalho no Oscar, a comunicadora precisou se afastar do trabalho e dá espaço para outros profissionais.
“Eu adorava, mas não dava pra fazer duas coisas ao mesmo tempo: o carnaval e o Oscar. Os dois são muito próximos. Aí tem pessoas que fazem tão bem os desfiles das escolas de samba. E já que me deixaram no Oscar, tá bom pra mim. E as duas são preparações muito parrudas, são três meses antes desses eventos que estou me preparando, pensando nisso, pesquisando, informando, então eu ficava com medo de não fazer tão bem. Eu amava fazer o carnaval, mas eu não tava dando conta dos dois ao mesmo tempo não”, explica.
E a homenagem para Arlindo Cruz no Estúdio i comprovou que a apresentadora pode comandar um programa de entretenimento. Só que ela diz que nunca recebeu qualquer convite para mudar de setor e nem pensa nisso, já que seu foco é seu trabalho na GloboNews.
“Nunca, mas eu gosto de me comunicar. Eu seria uma comunicadora no jornalismo e no entretenimento, mas eu gosto tanto do meu Estúdio í, então nem passa pela minha cabeça. Eu vou vivendo o presente, porque eu aprendi a saborear o presente, apesar das dificuldades que temos no jornalismo. Agora quando eu penso no entretenimento, eu gostaria de algo mais leve, isso seria fantástico. Mas é difícil eu largar minha cria, que é o Estúdio i”, comenta.
A CNN Brasil anunciou que chegaria ao Brasil em janeiro de 2019 e movimentou as redações de todas as mídias do país. Vários profissionais foram contratados pelo novo canal de jornalismo e, claro, a GloboNews sentiu que teria um concorrente de peso para disputar cada ponto de audiência, além de tentar sair na frente nas principais informações do mundo.
Maria Beltrão acompanhou de longe o processo de formatação da nova emissora, mas não permitiu que o futuro embate a deixasse com medo, muito pelo contrário. Ela trata com naturalidade a concorrência e acredita que isso faz com que todos do Estúdio i busquem fazer seu trabalho cada vez melhor.
“Embora isso não entre nas discussões do trabalho diário, como discutir ‘o que será que a CNN está fazendo?’, porque nós queremos sempre fazer o nosso melhor, mas a concorrência é sempre bem-vinda. Acho que é uma coisa psicológica, porque você sabe que tem concorrente e aí você quer correr atrás de fazer algo ainda melhor. Não que isso mude o padrão jornal ou vire tema de conversa da equipe, de jeito nenhum. Estamos lá sempre querendo fazer o melhor, buscando sempre criar”, diz.
Em meio a gargalhadas, Maria Beltrão termina a entrevista agradecendo o bate-papo e finaliza com a seguinte frase: “Eu acho que isso [concorrência] puxa a gente de forma inconsciente a buscar o melhor. Eu adoro, porque puxa o melhor da equipe”.
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