Publicado em 20/01/2021 às 07:41:00
O estilista, apresentador e político Clodovil Hernandez (1937-2009) ganha uma espécie de inventário de sua trajetória com a peça Simplesmente Clô, em cartaz em São Paulo. Ainda que o texto não seja autobiográfico, confissões como "Eu direcionei a minha vida muito mal. Fiz coisas erradas, eu sei. Chamei a Constituinte de 'prostituinte'" compõem o monólogo, como antecipa o ator Eduardo Martini, em entrevista exclusiva ao NaTelinha.
O interesse em levar a história de Clodovil para o teatro surgiu há 10 anos, dois após a morte do estilista. "Fui amigo dele e sentia uma solidão muito latente e escondida. Às vezes, ao julgar uma pessoa, não sabemos o que há dentro dela", avalia Eduardo Martini. Em meio à pandemia, o ator investiu no projeto com Bruno Cavalcante, que assinou o texto.
"Logo comecei a estudar as entrevistas do Clodovil, o jeito corporal e o tom de voz com a professora de voz que trabalhou com ele", conta Martini. As primeiras leituras foram em julho e a peça estreou em novembro, respeitando os protocolos contra a proliferação da Covid-19. A solidão, tão inerente a Clodovil na visão de seu intérprete, foi uma aliada na concepção do espetáculo no momento de quarentena.
"Sou muito positivo. Apesar de todas as notícias, passei por uma fase muito tranquila desde o início da pandemia. Essa calmaria e a solidão da quarentena me trouxeram a maturidade de impulsionar o projeto, com uma tranquilidade muito diferente de todos os outros que já fiz, e o entendimento de que só dependia de mim fazer o espetáculo acontecer", comenta.
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De seu contato com Clodovil, Eduardo Martini lembra de um episódio quando estava contracenando com Luisa Mell em uma montagem de Cinderela. À época, o costureiro havia tido um desentendimento com a então atriz – hoje ativista pelos animais –, e resolveu procurá-la para se explicar. No teatro, presenteou o amigo com a pintura em aquarela de uma orquídea, feita por ele.
"Esse lado que eu conheci daquele ser humano me ajudou a descobrir alguém por trás da capa de pessoa dura e ríspida. Fizemos uma espécie de confessionário do Clodovil. Não julgamos o que ele fez, mas mostramos quem ele era, com suas histórias, o jeito engraçado e cínico, o porquê de falar o que queria e quando queria. Tudo isso trouxe muitas consequências para ele, óbvio", afirma Martini.
O monólogo perpassa um histórico de rejeição sofrido pelo costureiro, que começou na infância, na relação com as mães biológica e adotiva. "Era uma pessoa que, se você estivesse aberto a ouvi-lo, poderia até contestá-lo, e ele se sentia acarinhado. Se você o julgava antes, ele já colocava um pé para atrás e, a qualquer movimento, te atacava."
"Ao mesmo tempo, com toda essa segurança, ele tinha uma insegurança muito forte. Peguei o lado mais humano dele, aquele que eu conheci, para representá-lo. Por natureza, detesto julgar as pessoas. Quis fazer uma homenagem a um artista que tinha um carisma absurdo, era inteligente até não poder mais, e que também fez muita coisa impensada e sofreu muito. Quis criar um inventário da vida dele, sem julgamentos", detalha Martini.
Além de um Clodovil desconhecido do grande público, a peça não omite as polêmicas em que ele se envolveu, que marcaram sua trajetória na TV e na política. Sem papas na língua, o apresentador e deputado federal não tinha medo de se indispor com as pessoas. Muitas de suas opiniões causaram controvérsias e, hoje, não passariam pelo crivo do politicamente correto.
"Clodovil era contra a parada gay, mas apresentou um projeto de lei para regularização da união civil entre iguais. Ele detestava a parada gay porque considerava que, ao final, virava um 'surubão'. Achava que as pessoas tinham que levar a sério o orgulho gay, mas tinha dificuldade em concatenar suas ideias, explicar o que tinha a dizer, afinal existem várias formas de falar as coisas."
O espetáculo não busca condenar os posicionamentos de Clodovil, e opera justamente no sentido contrário a esse, segundo o ator. "O texto faz muitas perguntas para o público, mas em nenhum momento tomamos partido. Digo o que ele dizia, sem amarras, o que é muito difícil porque há coisas de que eu discordo. Faço uma homenagem ao ser humano que eu conheci, não à figura pública e polêmica."
Gestor do Teatro União Cultural, onde está em cartaz, em São Paulo, Eduardo Martini também encena Neide Boa Sorte, personagem que se popularizou na TV no programa de Hebe Camargo (1929-2012). Seus planos para 2021 incluem ainda um concurso de esquetes que levará o nome do amigo Jorge Fernando (1955-2019).
Simplesmente Clô fica em cartaz até o fim de fevereiro. Há uma expectativa para fazer apresentações no Rio de Janeiro, ainda sem datas confirmadas. A peça tem sido vista por pessoas que conheceram e admiravam Clodovil, como a costureira de sua primeira coleção, nos anos 1970, e ainda o marceneiro que fez o ateliê dele e de seu principal concorrente na época, Dener Pamplona de Abreu (1937-1978).
"Por três vezes, em um momento em que interajo com a plateia, dei flores para pessoas que trabalharam com o Clodovil. Foi como se ele estivesse me direcionando", conta Martini. O principal elogio vindo dessas pessoas é que o ator está levando ao palco quem Clodovil era de fato, não a figura mítica conhecida pela televisão.
Na concepção da peça, Martini não quis reproduzir a risada do biografado, uma de suas características mais lembradas. "Parecia inatingível. Consigo fazer o tom de voz dele, cheguei muito próximo do visagismo, com cabelo, maquiagem, óculos. Mas, com a risada, tive medo de ficar caricato. Como já fiz muita comédia, não quis que achassem que a intenção era deixá-lo engraçado. Não é uma sátira, mas um espetáculo sensível e carinhoso em homenagem a um brasileiro", define Martini.
SIMPLESMENTE CLÔ
Com Eduardo Martini. Texto: Bruno Cavalcante. Codireção: Viviane Alfano. Concepção e direção geral: Eduardo Martini. Até 28 de fevereiro. Sábado, às 21h; domingo, às 19h. Teatro União Cultural, Rua Mario Amaral, 209, Paraíso, São Paulo. Ingressos à venda pelo site www.sympla.com.br.
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