Diretor relembra auge do cansaço com Gilberto Barros e revela vivências com Silvio Santos e Gugu
Ele compartilha histórias de viagem com Gugu, bronca e carona com o Homem do Baú, além de recordar os programas que já dirigiu na televisão

Publicado em 28/06/2025 às 00:20
Um dos maiores diretores de programas de televisão da história recente, Vildomar Batista já esteve à frente de produções com apresentadores consagrados. Neste século, ocupou o cargo de direção em atrações importantes de nomes como Gilberto Barros, Tom Cavalcante, Geraldo Luís e Gugu Liberato (1959-2019). No período da Band, não esconde o quão estafante era. "Eu lembro uma vez, eu saí do switcher e fui parar direto no hospital", diz.
A revelação foi feita em uma longa entrevista ao NaTelinha publicada no YouTube (vídeo ao fim da matéria) e que também aparece aqui em formato de texto. Vildomar Batista fecha a série de 20 entrevistas com personalidades que fizeram ou fazem a história da TV neste mês que marca as duas décadas do site.
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Apesar do excesso de trabalho que viveu nos anos 2000, demonstrou extrema gratidão à família Saad por tudo que viveu no grupo. Tanto que retornou para a emissora em 2019. Ele também compartilha histórias curiosas ao lado de Gugu e Silvio Santos (1930-2024). O diretor chegou a dar até carona para o Homem do Baú. "Eu fui quase a 20 por hora, porque o trajeto demorava meia hora, eu queria que demorasse uma hora. Eu queria ter mais tempo com ele, não queria que acabasse. Naquele dia eu desejei que a gente pegasse um baita congestionamento e levasse duas horas para chegar na Anhanguera", admite.
O diretor surpreende ao dizer que na época do sucesso do Boa Noite Brasil e Sabadaço, havia um médico de prontidão no estúdio. "Tinha momentos que eu percebia que o Gilberto já estafado, já cansado, me preocupava que ele tivesse um problema mais sério de saúde ao vivo, no ar. Então tinha lá um médico o tempo inteiro, nos intervalos de break, lá, batia um papo com o Gilberto, media pressão, conversava com ele."
E valoriza: "Mas, cara, o título de o Leão cabe muito bem ao Gilberto, porque ele é um leão, ele é uma fera. E é uma pena que o Gilberto Barros hoje esteja fora de uma televisão que eu acho que não só cabe, mas precisa de uma figura como o Gilberto Barros".
Batista mergulha fundo ao revisitar a carreira e não se furta de dar opiniões que podem ser consideradas até polêmicas, como quando foi questionado sobre a razão do declínio do Domingo Show na Record. "Eu não vou poder fugir da minha opinião e visão. Mas eu não vou me furtar do que eu vou falar aqui", avisa.
Para saber o que ele disse, é preciso ler a entrevista (ou assistir em vídeo) a partir daqui:
NaTelinha - A primeira coisa que eu quero te perguntar, você que dirigiu tantos programas populares, tem Boa Noite Brasil, Sabadaço, O Melhor do Brasil, você dirigiu o Gugu também por um período. O que aconteceu com esses programas de auditório que entraram em extinção na TV brasileira?
Eu acho que a televisão, não posso dizer que eu tenha certeza, porque seria muita prepotência e arrogância da minha parte, mas eu acho que a televisão passa por um processo que necessariamente é preciso voltar, em parte, às suas origens. Eu acho que nós, diretores de televisão, nós, executivos de televisão, perdemos um pouco da essência da TV do passado. E quando você, que é um bom jornalista, escreve sobre televisão, você deve ter sempre comentários onde as pessoas trazem à memória a TV do passado. Então, eu acho que esses programas, eles não acabaram, não estão acabando, mas eles estão passando por um processo onde é preciso enxergar e ouvir o telespectador que hoje pede uma televisão não só competitiva, não só em busca do resultado no real time, mas que pense no entretenimento.
E esse entretenimento muitas vezes está sendo deixado de lado. E por que está sendo deixado de lado? Porque falta interesse em investir em produtos que fizeram tanto sucesso assim no passado, mas que foram sofrendo com as transformações do tempo, tendo que dividir audiência com internet e outros adventos por aí.
NaTelinha - Quando é que esse caminho começou a se perder exatamente? A gente olha 20 anos para trás e é um assombro, né? Em algum momento a coisa começou a degringolar. Você sabe exatamente quando é que a coisa começou a mudar um pouco de forma?
São vários fatores, eu acho que não é um fator isolado. É claro que o fator do surgimento da oferta de conteúdo através do digital, através das redes sociais, através dos canais de YouTube, essa oferta de conteúdo levou o telespectador a ter mais escolhas, mais opção. Quando ele tem mais escolha, mais opção, ele tem a liberdade de escolher o tipo de conteúdo e a qualidade desse conteúdo que ele quer assistir, que ele quer consumir. E eu acho que em algum momento a TV aberta saiu da condição de protagonista para se tornar um ator passivo diante do mercado que estava crescendo. Eu acho que subestimaram o poder do digital e, quando acordaram para essa realidade, ou quando não se prepararam o suficiente para essa realidade, descobriram que o telespectador não era mais uma peça que ficava passiva diante da televisão, diante dos programas, esperando consumir aquilo que os canais, ou que os programas, ou que os diretores criavam para ele.
E aí, quando essa descoberta chega na cabeça dos executivos, nas redações, nas emissoras, havia-se já um tempo perdido de reconstrução do conteúdo estratégico e hoje a TV aberta passa por esse processo de atraso, ou seja, você vai ver muitas vezes as pessoas consumindo a televisão com o tablet na mão, com o telefone na mão, e às vezes só se interessando por algo que naquele momento chama a atenção. Eu não acredito de verdade que a televisão aberta está acabando, e não vai acabar. Ela passa por um processo delicado, um processo difícil, mas cabem, como em todo processo, decisões estratégicas focadas no conteúdo, e a partir dessas decisões tomadas com estratégia em relação ao conteúdo, parte desse telespectador que venha se interessar por essa nova produção de conteúdo deve voltar para esses canais.
Ou não voltar mais porque a televisão talvez não consiga mais atrair com a mesma essência o que fazia no passado.
NaTelinha - Você acha que tem como recuperar um público perdido? As crianças que eu conheço não assistem televisão aberta. Não é que elas vão voltar a assistir. Elas simplesmente não assistem. Elas não sabem quem são os apresentadores de televisão. Os atores, às vezes, elas sabem porque viralizam em corte, em TikTok, Instagram, etc. Mas as pessoas não conhecem mais as grandes personalidades da televisão porque elas não consomem esse conteúdo. Então, tem um público que já não consome mais e tem um público que sequer consumiu um dia. Tem como atrair esse público para essa plataforma ainda?
São duas questões. A primeira, o público se renova. Segundo, o público que saiu, o público que consumia os programas infantis do passado, Xuxa, Mara Maravilha, Mariane, Simony, o Bozo, tantos outros, esse público cresceu, ele mudou, mas surgiu um novo público. E quando surgiu esse novo público, as emissoras de televisão, eu estou falando aberta, elas não prepararam esse novo público para consumir não o mesmo conteúdo, ou um conteúdo melhor, melhor adaptado. Se você pegar, por exemplo, a figura do apresentador, Eliana, eu acho que é um bom exemplo disso, das apresentadoras infantis. Eliana sai do público infantil, ela se adapta a uma nova realidade, se torna uma apresentadora voltada para o público masculino, e hoje é um sucesso para uma apresentadora. Ninguém lembra mais de forma direta como a Eliana dos Dedinhos, a Eliana que fazia programas infantis.
Claro, tenho a memória afetiva disso. Mas hoje as pessoas olham para a Eliana como o programa da Eliana que era no SBT, hoje com The Masked Singer, que está lá na Globo, e outros produtos que ela vai fazer. Então eu acredito que o que pode ter acontecido foi que não houve uma preparação para trabalhar com esse público que já estava crescendo e absorver aquele que estava chegando. Eu acredito que é possível você criar hoje conteúdo estratégico para a televisão, para qualquer segmento, onde você pode atrair a atenção de um público que já passou por você, agregar um público que está chegando e, claro, somar os dois. Isso depende de estratégia de conteúdo.
NaTelinha - Você acredita que as plataformas de conteúdo e streaming, por exemplo, porque a Globo acreditava que elas eram concorrentes, né? Não colocava seu próprio conteúdo no YouTube. Elas são concorrentes ou complementares? Ou essas plataformas tiram audiência mesmo da TV?
Eu lembro de um passado não muito distante onde o foco era segmentar. Segmentava-se a programação, segmentava-se o conteúdo. Até emissoras segmentadas surgiram e existem ainda hoje. Eu acho que a gente vive um processo inverso hoje.
Você precisa estar em multiplataforma, não dá mais para você desprezar as outras plataformas. Então, eu acredito que o sucesso hoje de um veículo ou de uma plataforma de comunicação é seu conteúdo estar presente em multiplataforma. Então, não dá para menosprezar o YouTube, não dá para menosprezar as redes digitais e as redes sociais. Eu acho que você tem que estar de acordo com aquele público, com conteúdo estratégico presente em todas as plataformas. E aí você consegue vender a massa que você atinge nessas plataformas, somando todos esses públicos.
NaTelinha - Então tem jeito, então tem salvação, então dá para melhorar um pouquinho. Tem que querer, né?
Eu acredito, sim. Repetindo, é uma questão de decisão estratégica. Conteúdo de decisão estratégica.
NaTelinha - Qual foi o programa mais dinâmico que você esteve à frente, aquele que você nunca sabia como ia ser o próximo e tinha que quebrar a cabeça, talvez, até o último minuto pra ver o que entraria no ar?
É uma pergunta fácil de se perguntar, mas difícil de se responder. Muito difícil. Existe realmente o fator da curiosidade, mas eu acho que a gente vai além do fator da curiosidade quando a gente tem a responsabilidade de nominar um produto em específico. Eu já fiz vários produtos na televisão, junto com as equipes com as quais eu trabalhei. Eu sempre tive, a preocupação assim, eu nunca fui para o switcher completamente desarmado. Eu sempre trabalhei, como eu dizia para a minha equipe, eu trabalhava com uma prateleira de produtos. Então, todas as vezes que a gente ia para um switcher, a gente tinha, pelo menos, se era um programa semanal, nós tínhamos uma série de conteúdos guardados nesta prateleira para que eu pudesse alcançá-los à medida que o programa fosse tendo um desempenho bom ou não tão bom em relação à audiência. É claro que um programa diário, ao vivo, exige mais responsabilidade, exige mais estratégia do que um programa semanal.
Então, se eu tivesse que nominar aqui um produto que, mesmo trabalhando com pelo menos uma semana de frente, de gaveta, como diz na nossa linguagem, de ter conteúdos ali armazenados para pelo menos uma semana de programa, evidente que eu construía o roteiro de exibição à medida que eu sentava no switcher. E esse programa era o Hoje em Dia. A gente tinha pelo menos uma semana de frente. Às vezes tinha épocas que a gente tinha 10 programas de frente já discutidos, avaliados, pautados para serem exibidos. Só que à medida que eu sentava no switcher para distribuir esse produto, esse conteúdo junto com a minha equipe, junto com os apresentadores, eu entendia o perfil da audiência.
Eu sempre trabalhei muito com pesquisas. Então, eu sempre lancei desafios para os departamentos de pesquisa das emissoras que eu trabalhava e que trabalhei. Então, eu pegava o perfil da audiência, o perfil do público, o perfil da concorrência, eu mapeava os breaks da concorrência. Ou seja, eu criava, Thiago, uma espécie de um plano de voo, um mapa de voo. Quando eu sentava no switcher, eu entendia o perfil da concorrência. Eu entendia o perfil da audiência e ali eu modificava esse programa. Então, muitas vezes eu chegava no switcher com o programa pronto para ser exibido, sem nenhuma interferência do diretor nem dos apresentadores, e eu modificava completamente esse conteúdo de acordo com o interesse da audiência. Isso acontecia não só no dia que eu estava exibindo.
Após a exibição desse programa, eu voltava com a minha equipe para a redação, para a sala de produção, e aí eu reestruturava os programas que iam a partir do dia seguinte.
NaTelinha - Que tipo de surpresa que você já teve ao encomendar uma pesquisa e se deparar com um resultado talvez completamente diferente daquilo que era imaginado? Já teve caso assim?
Já, já teve. Por uma questão aqui de ética, eu não posso dar o nome, mas uma vez fizemos uma pesquisa para saber qual era a imagem, qual era a identidade daquele produto que o telespectador imaginava. E quando chegou o resultado da pesquisa, a gente esperava que fosse, por exemplo, o Thiago Forato e na verdade veio o nome do Vildomar. Nós ficamos surpresos, porque a gente não esperava o nome do Vildomar, a gente esperava o nome do Thiago. E aí isso fez com que a gente, que tinha em mente que o Vildomar era o nome principal daquele produto, e não era, na nossa mente era o Vildomar, quando a gente descobriu que não, era o Thiago. E aí nós tivemos que adotar uma estratégia de valorização da figura do Thiago para que ele tivesse uma sinergia com o produto que estava sendo exibido para o telespectador.
NaTelinha - Então, quer dizer, o rosto de um produto, talvez vocês imaginavam que era uma pessoa, na hora que vocês encomendaram a pesquisa, veio a surpresa de que não era exatamente quem se imaginava e que era o senso comum também, imagino eu.
Sim. Essa é uma boa pergunta que você fez. Porque traz para nós, produtores, diretores, executivos de televisão, uma reflexão. Porque muitas vezes a gente está ali fechado na sala de produção, no dia a dia de um programa, e a gente tem a percepção, a visão rasa. Eu gosto mais da observação, que é a visão profunda, estratégica. E às vezes a gente tem a percepção de que aquela figura, aquele produto, aquele quadro, é a imagem que nós estamos construindo para agradar o telespectador. E aquilo em algum momento esbarra, não consegue crescer. E a pesquisa é importante porque ela vai não só validar, mas ela vai nortear as suas decisões em relação ao conteúdo e ao elenco que você está trabalhando, e quando você adota a pesquisa, as informações que estão colhidas na pesquisa como ferramentas importantes para tomar as decisões, você certamente vai chegar num ponto que até aquele momento você desconhecia, mas que você pode avançar, e aí tem um crescimento de audiência, um crescimento publicitário e, ao mesmo tempo, um crescimento de qualidade no produto que você está fazendo.
NaTelinha - Às vezes eu tenho a impressão que alguns programas se baseiam muito por comentário de Twitter, por comentário de internet, pela repercussão que às vezes o programa dá na internet, e a gente sabe que, ainda que você tenha um bilhão de seguidores em redes sociais, ou uma bolha específica esteja comentando ou apontando um caminho, muitas vezes não quer dizer nada. Você, que é um cara de pesquisa, você já viu gente dentro de alguns lugares, se baseando por Twitter, por Instagram, e tendo isso como uma única bússola, vamos colocar assim?
Já, eu já vi, mas Thiago, aqui tem duas questões. A primeira, você não pode nortear as decisões que envolvam o teu conteúdo por uma plataforma, por uma rede social, mas também não dá para você menosprezar. Eu lembro que eu sou de uma época de televisão onde a gente pegava as cartas que o telespectador nos mandava. Abria aquelas cartas e aí iam buscar a opinião do telespectador sobre o conteúdo. Então tinha de tudo nas cartas, tinham críticas, tinham elogios, tinham pedidos, enfim, de todas as naturezas. Mas eu acho importante, com as ferramentas que existem hoje, que você tenha um olhar de atenção para entender o que o telespectador está pensando e está exigindo do seu produto. Não dá para menosprezar.
Eu, por exemplo, hoje, eu gosto muito, quando eu tenho uma rede social, e eu estou sempre ali, sabe, pesquisando, estudando, estou sempre avaliando os produtos que eu assisto. E a primeira coisa que eu vou olhar, quando eu vejo uma manchete, quando eu vejo um produto, são os comentários. Os comentários, eles são muito produtivos, além de serem muito, às vezes, engraçados e curiosos. Às vezes, eu estou lá vendo isso e eu fico rindo alto, e a minha mulher pergunta: 'O que é que você está rindo tanto aí?'. E eu começo a ler para ela os comentários e tem sacadas incríveis. Hoje você vê nos comentários pessoas com uma rapidez, com uma inteligência, com um senso crítico, com uma visão tão espetacular sobre certas pessoas e produtos, que eu fico impressionado.
Eu me divirto com aquilo. E muitas vezes, quando não tinha isso, a gente olhava para nós mesmos como autoridades máximas, superiores, por sermos diretores de um produto. E não tínhamos esse feedback da audiência. Então, hoje, não dá para você deixar de lado, seja o Twitter, seja o Instagram, seja o Facebook, não dá para você deixar de lado as observações, as críticas, os elogios desse público que, de certa forma, acaba te consumindo ou não. Eu leio e vejo praticamente todas as críticas e anotações que fazem a respeito do meu trabalho. Quando eu identifico que aquilo é uma crítica gratuita, eu simplesmente ignoro. Mas eu muitas vezes já colhi depoimentos e sugestões de pessoas que me escreveram em redes sociais e levei para o programa.
E mais do que isso, eu já contratei pessoas para trabalharem comigo através de uma mensagem que mandaram para o DM no meu Twitter. E aí eu avaliei.
NaTelinha - Agora pronto, agora você abriu a porta. Agora vai todo mundo enviar mensagem para você.
Não dá para subestimar, achar que não tem talentos fora dessa bolha que você vive na televisão. Tem muitos talentos. Eu vou te dar um exemplo, vou até nominar aqui uma pessoa. Tinha uma pessoa, um jornalista, você deve conhecer, chamado Thiago Rocha. O Thiago Rocha, uma vez eu estava no Twitter. E aí, eu dirigia lá um programa, e aí ele entrou, fez lá um comentário, e eu achei o comentário dele muito bacana. Era um comentário seguido de uma crítica, mas muito construtiva.
E aí eu peguei, comentei em cima do comentário dele, e ele colocou assim: 'Te enviei uma DM'. Quando eu abri lá o direct da mensagem que ele me enviou, ele fez lá uma série de pontuações que eu achei interessante. Eu falei: 'Caramba, esse garoto tem uma visão que eu considero de contribuição para o trabalho que eu faço'. E aí eu falei um pouco mais com ele no chat, e ele falou assim: 'Meu sonho é trabalhar com você'. Eu falei: 'Comigo? Por que seu sonho é trabalhar comigo? Tem tantas pessoas para você trabalhar, por que comigo?'. E aí ele fez lá, não foi, por exemplo, não quis puxar saco, fazer elogios gratuitos. Ele fez comentário sobre a trajetória dos produtos que eu fazia.
E eu falei assim: 'Se você quer fazer vídeo, eu não tenho espaço hoje no vídeo para você. Mas eu gostei da forma como você discutiu aqui o conteúdo comigo e eu acredito que você pode vir conversar pessoalmente com a minha equipe e você pode, se a minha equipe achar que você tem todas essas qualidades, fazer parte do nosso time de produção'. Resumindo a história, ele foi contratado, na época eu indiquei a contratação dele para o meu time, e depois eu vi na redação, muito participante, muito atuante, não só cheio de ideias, mas contribuições inclusive para a questão do vídeo, e aí um dia eu cheguei para ele e falei assim: 'Você tem vontade de fazer vídeo?'. Ele falou: 'Claro que eu tenho'. 'Então, pega uma pauta lá com o com a equipe, com a redação, e faz uma reportagem e traz pra mim'.
Eu não lembro agora, Thiago, eu acho que essa reportagem foi alguma coisa com o Luciano Huck, eu não vou lembrar exatamente o que que é. E aquilo ficou lá uma semana na gaveta, e um dia eu cruzei com ele na redação, lá no corredor, e eu falei: 'Thiago, e aí, como é que ficou aquela questão?'. Ele falou: 'Cara, tá editado, tá pronto, não te mostraram?'. Eu falei: 'Não, não me mostraram'. E aí eu chamei o responsável e falei assim: 'Escuta, o Thiago fez uma matéria assim, me traz a matéria pra eu dar uma olhada'. E a matéria ainda estava atual, estava em voga ainda. E eu vi a matéria, gostei da matéria, gostei dele. E aí eu falei assim pro cara: 'Coloca no roteiro que eu vou usar isso hoje'. Faltava aqui uma hora pro programa entrar no ar. 'Coloca essa matéria, pauta a matéria, sobe ela no roteiro que eu vou usar ela hoje'. Cruzo com o Thiago e falei assim: 'Vai lá, troca de roupa, põe um blazer e você vai entrar no ar hoje'. E ele ficou branco, ficou sem entender. Resumindo a história, ali ele estreia no Programa da Tarde e dali ele ficou um bom tempo lá com a gente, depois seguiu sua carreira no vídeo. E é uma contratação e uma amizade hoje que eu tenho que surgiu a partir de um Twitter me enviado numa discussão sobre televisão.
NaTelinha - E agora me conta, por que ninguém te falou que a matéria dele estava pronta, que ele tinha feito e ninguém te avisou? O que aconteceu?
Você sabe, Thiago, muitas vezes os diretores de televisão são responsabilizados por coisas que, no final das contas, eles às vezes nem ficaram sabendo. Muitas coisas. Encontro gente na rua que fala assim: 'Ah, eu queria te agradecer porque um dia você me chamou na sua sala e você me promoveu e aumentou o salário'. Eu não lembro disso. O pior podia ser o contrário, que eu te chamei na sala e te dispensei. E você tinha bronca de mim. Eu não lembro. Muitas coisas eu não lembro.
Isso é bom e é ruim, porque eu posso, de repente, não lembrar de algo que pode não ter sido construtivo e eu não tive tempo, por não lembrar o conhecimento, de consertar aquela situação. Mas nesse caso específico, o que eu acho que aconteceu, eu não tenho certeza, é que num programa diário, como era o Programa da Tarde, você tem tanta tanta possibilidade de conteúdo, você tem tantas atrações para colocar num programa que eu acho que tinha duas horas de duração, com tantos breaks, com tantas ações comerciais, que um piloto, entre aspas, gravado por alguém que estava na equipe, talvez fosse menos relevante do que aquilo que já estava no ar. Acredito que pode ter acontecido isso.
NaTelinha - Entendi. Bom, pelo menos a gente tem que pensar que não foi com a intenção de prejudicá-lo, né?
Não, eu não quero crer que isso aconteceu. Acho que o Thiago pode ter uma melhor avaliação dessa questão do que eu, acredito que não possa ter acontecido, porque o Thiago não reclamou disso para mim. E se tivesse reclamado que havia um boicote sobre o trabalho dele, sobre a matéria, eu certamente teria tomado providências, porque eu não deixo passar batido uma situação como essa, de alguém que tem talento, que tem vontade de contribuir com o trabalho que nós estamos desenvolvendo, com o trabalho da equipe, e possa ser, por algum momento, nem prejudicado, possa ser impossibilitado de cumprir o seu trabalho.
NaTelinha - A gente piscou e faz cinco anos que você estava na Band, mas acabou saindo em plena pandemia. Na época do Aqui na Band, você tinha dito na época que era um programa que você tinha idealizado bastante, pensado tudo, pensado formato, quadro, essa coisa toda. Primeiro eu queria saber quem é que pensou no título Aqui na Band? O título era seu? Quais possibilidades havia? Porque a Band parece que é tudo 'na Band'. Perrengue na Band, Faustão na Band, parece que é meio um vício o pessoal colocar nome de programa na Band. Quero que você conte um pouquinho também porque você saiu do programa, num projeto talvez abreviado em função da própria pandemia, né?
Essa questão do nome da Band, ela foi pensada estrategicamente, eu vou te explicar porque. Eu tinha boas conversas com o Johnny, a quem eu sou eternamente grato, tenho uma relação espetacular com a família Saad. Com o Paulo, com o Ricardo, com o Johnny, com a Rosana, com a Cláudia, esposa do Johnny. Eu tenho um carinho e uma gratidão muito grande pela Band, pela Rede Bandeirantes, pelo grupo da Band, e em especial pela família Saad, que sempre me abriram as portas, sempre me trataram com carinho, com respeito e profissionalismo. E essa relação não vem de agora, não vem daquela Band. Vem desde o ano 2000, quando eu estreei lá, junto com o Gilberto Barros, o Sabadaço e depois o Boa Noite Brasil. É uma relação de eterna gratidão.
Então eu tinha ido a um jantar na casa do Johnny, acho que uns seis, sete meses antes do surgimento Aqui na Band, e o Johnny me pergunta se eu não queria voltar para a televisão. E resumindo a história, ele me convidou para um café, eu fui tomar um café com ele lá na Band, esse café acabou sendo um almoço, eu almocei com ele na Band, e foi curioso, né? Eu vou contar aqui um bastidor, eu sei que o telespectador, o ouvinte gosta do bastidor, né?
NaTelinha - O jornalista também gosta.
E aí o Johnny falou assim: 'Venha almoçar, tomar um café comigo na Band. Tudo bem pra você?'. E eu falei: 'Johnny, se pudesse ser na sua casa, eu preferia'. Ele: 'Por quê? Você não quer vir aqui na Band?'. Eu falei: 'Não, porque eu temo que quando eu chegar na Band, muita gente me conhece, vai me ver subir e ser recebido por você. E amanhã e depois vai estar no jornal, nos sites, né? E vão dizer, eu fico preocupado que você pense que eu me aproveitei da oportunidade de estar com você e divulguei isso em benefício próprio. Então, eu temo que isso vaze. Eu não queria, sabe, constranger você de me receber na sua sala e achasse que eu tava me aproveitando disso, divulgando que estaria com você'. Ele falou assim, pra mim: 'Não tem nenhum problema. Pra você tem?'. Falei: 'Não, eu fico preocupado que você ache que eu possa me aproveitar dessa oportunidade e me divulgar'. .
Eu fui na Band com ele, almoçamos, e na hora de ir embora, ele põe o blazer dele, desce o elevador e me leva até a porta do meu carro. Ou seja, ele fez questão que eu fosse visto ao lado dele durante todo esse trajeto. Ou seja, não tinha como. O que ele quis dizer ali? Se alguém viu, viu porque eu te levei até o carro. Não viu porque você saiu da minha sala escondido e contou para alguém que esteve comigo. Achei muito nobre, achei muito elegante da parte do Johnny essa forma que ele tem de tratar bem as pessoas e de honrar as pessoas. Então, voltando à questão aqui do Aqui na Band, eu saio dessa reunião, o Johnny pergunta para mim como é que eu poderia ajudar a Band, se eu tinha algum produto para trazer para a Band. E eu tinha um produto de humor na época. Era um produto que eu estava estruturando, era uma espécie de uma sitcom. E aí o Johnny olhou e falou assim: 'Eu gostei do produto, mas você acha que isso vai ajudar a Band?'. Eu falei: 'Johnny, vai ajudar a mim. Eu vou ter um trabalho com você, você vai me pagar, ou seja, vai ser muito útil para mim. Mas não vai ajudar da forma que você precisa. Porque nós estamos falando de um produto semanal que vai mexer com uma fatia de horário muito pequena no escopo, no todo que é a Band'.
Ele ficou me observando e falou assim: 'Mas o que você acha que poderia ser feito para ajudar a Band?'. Eu falei assim: 'Você tem que criar um produto diário. Hoje, a grade da Band na parte da manhã é uma grade que sofre, tem a carência de um bom produto estratégico para alavancar a audiência. Ou seja, você só começa a crescer a partir das 11h com a Renata Fan. Então, antes disso, a sua grade não tem fôlego artístico nem comercial'. E ele falou assim: 'Mas o que você está querendo dizer com isso?'. 'Eu criaria um produto para essa faixa'. Ele falou assim: 'Você tem esse produto?'. E eu tinha um produto que era o Aqui na Band, chamava outro nome, que na verdade esse produto era para o SBT.
Eu cheguei a ter uma reunião com o Silvio, eu tive uma reunião com o Silvio, meu mentor, meu mestre de televisão, e eu mostrei esse produto para o Silvio, o Silvio achou maravilhoso o produto, falou assim: 'Mas eu não vou mexer, não vou mexer na grade, enfim, deixa lá os programas infantis, não vou fazer'. E aí, enfim, o produto foi guardado.
NaTelinha - Virou o Vem Pra Cá?
Não era o Vem Pra Cá, nunca foi uma ideia, o Vem Pra Cá, eu posso depois explicar a você porque eu sou preocupado com essa questão de pegar uma inspiração total do que é o Hoje em Dia. Talvez por isso que esses produtos não deram certo. Mas resumindo aqui, fechando essa história, eu peguei esse produto que eu já tinha pronto, adaptei e mostrei para o Johnny.
Ele gostou do produto e falou assim: 'Vamos estrear imediatamente'. Imediatamente, claro, no prazo de execução. E aí nós estreamos o produto, eu entrei de sócio com a Band nesse produto, a minha produtora era sócia da Band, e o produto pega uma audiência na estreia do horário que dava 0,4, nós já evoluímos na estreia para 0,7, depois o programa passou por um crescimento muito grande, nós éramos líderes nas redes sociais, todos os dias praticamente, a gente estava alcançando os TTs do Twitter. E eu comecei a investir, aí está aqui a prova de que você não pode menosprezar as redes sociais, os comentários que estão lá, porque aquilo ali nos dava, além de audiência e repercussão, viralizava o nosso conteúdo para plataformas que a gente não estava presente.
E aí o produto, nós tínhamos dois anos de contrato, o produto estava indo muito bem, a gente tinha em média 176 ações de merchandisings por mês. O programa tinha boa comercialização, já estava na faixa de 1,2, 1,3 de média, em menos de um ano, ou seja, a gente saiu de 0,4. Chegamos a dar 2,7 de pico, ou seja, o programa estava indo muito bem. Mas eu acredito que o programa acabou tomando uma linha editorial que não era própria para aquilo que ele foi criado. E por conta dessa linha editorial, eu acredito que a gente teve que sacrificar o produto para que ele não criasse um atrito entre o artístico, entre a sua linha editorial e o próprio jornalismo, que é a linha institucional da emissora.
Foi uma pena, o próprio Johnny me chamou, a gente juntos concordamos que o produto deveria ser descontinuado, mas aqui fica com certeza um agradecimento e, acima de tudo, o entendimento de que o produto teve seu papel importante na construção da grade, da audiência e também da receita, porque desde o seu término, nenhum produto conseguiu naquela faixa horária alcançar os mesmos índices de audiência.
NaTelinha - E até hoje eu acho que a Band não encontrou esse produto, porque ela sofre, é histórico, é uma questão histórica. Mas o título do Aqui na Band, então, foi...
Eu tinha esquecido esse detalhe. Quando a gente começou a construir o produto, começaram a trazer vários nomes. E aí eu falei para o Johnny, para a equipe que estava lá, eu falei assim: 'Olha, eu pensei muito bem, eu acho que o nome deveria ser Aqui na Band'. E não gostaram muito do título. E aí eu expliquei, eu falei assim: 'Olha, eu acho que deveria se chamar Aqui na Band, porque quando você fala Encontro, o Encontro é onde? Todo mundo sabe que é na Globo. Quando você fala Hoje em Dia, todo mundo sabe que é na Record. Quando você fala Mulheres, as pessoas vão lembrar da Gazeta. Então a gente vai criar um produto no mercado extremamente concorrido, num horário que é difícil, que são as manhãs, porque já estão pavimentadas por outros produtos. E qualquer nome que a gente criar aqui, as pessoas vão perguntar, mas onde é isso? Onde está esse produto? Então já cria um produto que as pessoas já sabem que é da Band'.
E aí eu consegui, com essa argumentação simples, convencê-la, os executivos da casa, e aí virou Aqui na Band.
NaTelinha - Como é que a linha editorial do programa foi mudando? E quando você percebeu que não tinha mais volta, que saiu do seu controle, talvez, das suas rédeas? Você falou: 'Não tem mais o que eu fazer, porque não foi para isso que o programa foi formatado'. Como é que foi essa reta final do Aqui na Band, embora os resultados tenham sido bons, principalmente no final. O que estava acontecendo que estava te incomodando muito? Ele tomou realmente uma forma um pouco mais política. Eu lembro que teve aquele 'quem tentou matar Bolsonaro?', que acredito que tenha te incomodado um pouco também.
Eu posso até traçar um paralelo entre dois produtos. Hoje em Dia e o próprio Aqui na Band. Nos dois produtos, o que a gente sempre fez foi mapear o interesse do telespectador. Quando nós percebemos, ali na época da Covid, de que as pautas de saúde, os debates que envolviam os médicos de diferentes áreas, diferentes segmentos, aquela polarização que tinha em relação à política, que aquilo trazia um interesse maior da audiência, nós resolvemos que o programa deveria ser um fórum de discussão, um fórum de debates, trazer várias correntes. E isso fez com que o produto crescesse em audiência, audiência através do antigo Ibope, hoje a Kantar, e também nas redes sociais.
O que talvez tenha faltado, e isso eu tive lá na Record, nós tivemos hoje na Record, através dos seus executivos, foi que, quando entendemos que aquilo era uma ferramenta importante para ajudar no crescimento de audiência e de conteúdo do programa, deveria, como houve na Record, haver uma união dos departamentos, ou seja, do artístico e do jornalismo, para que não só fomentasse, mas norteasse o dia a dia daquilo que a gente estava fazendo. E o que aconteceu, na verdade, na Record, foi que eu tive isso. O Honorílton Gonçalves, que era o nosso VP de Programação Artística, perceber esse crescimento de hoje em dia, que foi exatamente as mesmas estratégias que nós usamos para aquela época, o Gonçalves me chamou e me deu todas as ferramentas para que eu fizesse o que hoje em dia tivesse o sucesso que teve.
Inclusive, você deve acompanhar, você é um grande estudioso de televisão, você sabe a importância que Hoje em Dia criou nas manhãs da televisão brasileira. E está no ar aí há 20 anos. E ali o Gonçalves me coloca todas as ferramentas, todas as armas necessárias para que o programa crescesse em audiência, em receita e importância dentro do segmento. A tal ponto que nós tínhamos um núcleo de jornalismo dentro do Hoje em Dia, mas esse núcleo, inclusive com pessoas que vieram do jornalismo para esse nosso núcleo, mas esse nosso núcleo trabalhava em harmonia e usando toda a estrutura do jornalismo principal da emissora. Quando a gente tem esse crescimento ali dentro da Band, a gente não tinha naquela época, naquele momento, uma figura central de um diretor artístico. Estavam num momento de vacância do cargo, ou seja, estava em fase de escolha de um novo nome. E talvez faltou esse interlocutor para chamar as peças envolvidas em favor da emissora e conciliar essa estratégia de conteúdo em benefício de todo o grupo, em benefício de toda a empresa, em benefício de todos os departamentos.
Como faltou essa peça que eu considero extremamente relevante, até para balizar, até para moderar aquilo que estava sendo feito, a exposição que se tomou e o ponto que chegou à decisão, eu acho que não haveria mais outra forma a não se acabar com o programa. Então, eu considero que foi uma decisão errada, mas foi uma decisão acertada. Errada porque nós estávamos num momento de crescimento e certamente hoje o programa estaria brigando de igual para igual com o Hoje em Dia, de igual para igual, estaria brigando porque a gente fez um desenho estratégico do conteúdo e e da forma como ele se comporta na audiência que nos levaria, cedo ou tarde, a esse patamar. Então, essa decisão estava certa. A decisão que eu considero que foi equivocada foi não balizar aquilo que estava sendo feito para, assim: 'Escuta, vamos nortear, vamos trazer, por exemplo, assim como teve na Record o núcleo do jornalismo da Band para fazer a gestão desse conteúdo, para trabalhar com essas informações e dar suporte em benefício da empresa, em benefício do grupo'. Como isso acabou não acontecendo por falta desse interlocutor, que seria uma espécie de diretor artístico, que norteasse os interesses do artista com o jornalismo, eu acredito que naquele momento a decisão que a Band tomou de finalizar o programa foi a decisão acertada e correta, que se eu estivesse na posição dos executivos da emissora, eu teria tomado também a mesma decisão.
NaTelinha - Você falou que ofereceu o programa para o Silvio, agora eu tenho que te perguntar, como é que foi essa reunião com o Silvio? Como é que você chegou para oferecer esse projeto para ele? Você falou que não era o Vem pra Cá, que era um bom produto. Como você ofereceu e como é que ele negou o projeto?
A Patrícia, a Patrícia Abravanel, ela já declarou isso, que o Silvio não era muito fã desse formato chamado revista eletrônica. Ele não gostava. Mas eu acho, Thiago, não era que o Silvio não era muito fã. Eu acho que o que faltou ao longo do tempo foi argumento. Faltaram argumentos que demovessem o Silvio dessa ideia ou que o convencessem. Quando eu trago esse formato para o Silvio, que na verdade era o Aqui na Band, uma vez eu recebi uma ligação do Pelégio, eu estava no switcher, ele me elogiando no Aqui na Band, eu fiquei muito feliz com essa ligação dele, por conta de que estávamos falando de um alto executivo do SBT, que era o Fernando Pelégio.
Quando eu trago para o Silvio esses argumentos, e eu estava no carro com ele, ele me deu uma carona, eu falei que queria conversar com ele, e ele me deu uma carona, e foi uma conversa de uns 30, 40 minutos, e ele, como um bom ouvinte, sempre foi, uma pessoa extremamente sábia, observador, eu percebi que eu consegui fisgar ele com a ideia. Ele gostou da ideia. Ele me fez muitas perguntas, ele lembrou que eu trabalhei no Hoje em Dia, me fez uma série de perguntas sobre faturamento, sobre desempenho, o que eu fiz naquela época, igual você me perguntou aqui agora, para fazer o programa crescer, ou seja, foi uma conversa muito produtiva. Mas ele tinha uma questão, que eu acho que era uma questão, o Silvio era um cara incrível. O Silvio não se deixava nortear simplesmente pela questão da audiência e da receita. Ele tinha um lado de fidelidade com o seu público e com o seu telespectador, que para ele era inegociável e inabalável. E ele sempre teve essa preocupação de fornecer conteúdo, principalmente na grade infantil, para as famílias que não tinham dinheiro para comprar a assinatura da TV a cabo.
Ele tinha um compromisso com essas crianças, com essa família. E ele me disse isso, que ele não mexeria nas manhãs do SBT, tirar ali, sabe, a parte voltada para as crianças, para a família, para investir em outro produto, enquanto ele não tivesse certeza de que essa estratégia dele estava correta ou estava errada. Então a questão, ele até perguntou para mim: 'Você não quer colocar isso aqui à tarde?'. E eu falei: 'Não, Silvio, eu não quero colocar à tarde, porque você vai me ensanduichar com as novelas. Eu vou ter uma queda de audiência. Sai uma novela mexicana, entra esse meu produto, vai cair e você em um mês tira fora do ar e eu saio de lá desmoralizado'.
NaTelinha - Você já mandou a real.
Isso ia acontecer fatalmente. Então, o que o produto acabou não encontrando lastro no SBT foi muito mais pela fidelidade que o Silvio sempre teve como consumidor dos programas infantis, que, na verdade, isso norteou a história do SBT.
NaTelinha - Sim, sim. É, mas, assim, ele estava vivo ainda quando o SBT já tinha tirado o Bom Dia & Cia, né? Tinha tido o Vem Pra Cá também, em 2021.
Eu acho que foi o Chega Mais, não foi? O Olha Você, se não me engano.
NaTelinha - O Olha Você foi à tarde em 2008. Foi isso que você falou.
Me chamaram pra fazer esse programa. Mas, enfim... (risos)
NaTelinha - Ah, é? você foi chamado pra fazer esse programa? Por que você não foi?
Eu tava na Record, no Hoje em Dia, tava muito bem, tinha ainda uns três anos de contrato, tinha um bom contrato com a Record, e quando eu abri pra ele a minha situação, eu tive uma reunião com ele, e aí ele brincou, falou assim: 'Poxa, mas na Record paga muito bem, então até eu ficaria na Record nessa situação'. E aí eu ouvi a proposta dele, enfim, tenho uma gratidão com o Silvio. Era uma pessoa incrível que até hoje eu custo a acreditar que ele não está mais entre nós. Aprendi muito. As conversas que eu tive com ele, não só presencialmente, mas por telefone, me trouxeram aprendizados e ensinamentos que eu uso até hoje.
Então, na época, essa conversa terminou a gente se abraçando e ele me dando o conselho que eu deveria continuar na Record. E aí ele acabou levando, na época, o meu braço direito, que era meu assistente de direção, que implantou o Vem Pra Cá e acabou depois de um tempo, saindo do ar por conta desse fator que você mesmo questionou, que foi um gap entre as novelas mexicanas.
NaTelinha - Mas, Vildomar, como que era a sua relação do Silvio, mesmo você estando em outras emissoras, vocês se falavam, vocês se ligavam, falavam com o Silvio por telefone, vocês tinham essa relação de que, vez ou outra, um pediu aconselho para o outro, ou trocava ideia sobre programação, sobre produto, como é que era essa troca de figurinhas entre vocês, com que frequência que acontecia, mais ou menos?
Eu gostaria que tivesse uma frequência, mas, Thiago, não existia essa frequência.
NaTelinha - Ah, não existia?
Não, não existia. Encontrava ele de forma pontual. Muitas vezes encontrava ele lá no Jassa, né? Encontrava no Jassa, a gente batia papo. Eu falei pra você que uma vez eu peguei carona no carro dele. Mas uma vez eu retribuí. Eu queria tratar de um assunto específico com ele e eu falei: 'Silvio, você um dia me deu uma carona no seu carro, agora eu queria oferecer uma carona no meu carro'. 'Não, mas por que você quer que eu vá no seu carro?'. Eu falei: 'Não, eu quero que você vá no meu carro, eu quero ter privacidade'. Porque ele estava com o motorista, para eu conversar de tudo e sem nenhuma reserva. E aí ele foi no meu carro, o carro do motorista dele foi me seguindo até lá, a Anhanguera, e aí foi curioso.
Eu fui quase a 20 por hora, porque o trajeto demorava meia hora, eu queria que demorasse uma hora. Eu queria ter mais tempo com ele, não queria que acabasse. Naquele dia eu desejei que a gente pegasse um baita congestionamento e levasse duas horas para chegar na Anhanguera. Mas enfim, acabei levando ali uns 40, 50 minutos, a gente foi conversando no carro, e aí foi curioso, né? Conversamos de tudo. É uma pena que eu nunca tive um insight de gravar aquele tipo de conversa, porque todas as vezes que eu quisesse repensar o meu trabalho, a minha carreira, qualquer produto, eu colocaria aquela gravação e ia continuar aprendendo com o Silvio.
E foi curioso, quando a gente chega ali no portão da SBT na Anhanguera, o meu carro estava à frente, o dele estava atrás, com o motorista. E quando eu chego naquela parte ali do guichê, os porteiros de segurança me mandando sair da frente: 'Sai, sai, sai, porque o carro do senhor estava atrás, né?'. Eles reconheceram. E eu encostando no cara, quase batendo no capô do meu carro, como se eu não estivesse atento, querendo que eu tirasse meu carro da frente. E aí eu baixei o vidro, o cara falou assim: 'Por favor, sai da frente, sai da frente'. Aí o Silvio baixou a cabeça e falou assim: 'Pode liberar'. Aí ele olhou o seu Silvio. Uma situação engraçada, curiosa. Aí eu subi com o meu carro, o motorista dele foi atrás, deixei ele na vaga dele.
Ele gentilmente perguntou se eu ia fazer alguma coisa no SBT, eu falei: 'Vou aproveitar que estou aqui, vou encontrar uns amigos, tomar um café'. E aí ele agradeceu, falou que ia gravar, que ia trabalhar, enfim, foi um papo muito bom. Mas eu não tinha essa relação de conversar com ele sempre que fosse necessário, não. As vezes que eu conversei com ele foi de forma pontual, conversei muitas vezes com o Silvio, e das vezes que eu conversava, o Silvio era um cara que ele perguntava mais do que falava. E essa é uma arte espetacular de você aprender e tomar decisões na vida. Perguntar. O Silvio começava qualquer conversa perguntando. Ele perguntava, Thiago, como se não soubesse as coisas. Às vezes chegava para mim e falava assim: 'Oi, Vildomar, você ainda está na Record?'.
Eu já tinha falado para ele várias vezes que tinha saído da Record. E eu falei: 'Não, Silvio, eu saí da Record faz muitos anos'. 'Mas quando você estava na Record, como que era isso?'. Olha a inteligência dele de trazer um contexto de época para a situação ou para algo que ele podia estar alimentando uma decisão. Ele era fantástico, ele era incrível.
NaTelinha - Foi ele que te levou para o SBT para dirigir o Programa Livre? Foi ele quem te pescou? Como é que você apareceu ali? Numa época meio que de transformação do Programa Livre... O Serginho tinha acabado de sair, tinha rodízio de apresentador, essa coisa toda. Foi ele que te colocou ali no olho do furacão pra tentar apaziguar a situação? Ou foi uma outra pessoa que te pescou?
Na verdade, eu chego no SBT, na época, a convite do Ratinho. Trabalhei um tempo com o Ratinho, mas não como diretor. Trabalhei ajudando ele lá no programa. E aí o Eduardo Lafon, saudoso Eduardo Lafon, o cara que eu considero o meu pai na televisão, porque foi o cara que me deu a primeira oportunidade de ser um diretor de televisão, foi o Lafon. Foi um dos executivos mais importantes na construção da Record que nós temos hoje. Depois foi para o SBT, teve um papel importante na dramaturgia, inclusive na aquisição dos filmes que o SBT, na época, teve um grande impacto de audiência.
Enfim, era um amigo e eu considero meu instrutor, meu pai, o cara que me formou como diretor em televisão. E aí o Lafon me chama para dirigir o Programa. Só que o Programa Livre, na época, quando o Serginho saiu, o Thiago, não sei se você lembra, ele tinha cinco apresentadores. Era um programa que tinha segunda-feira, acho que era Ney Gonçalves Dias, terça-feira, acho que era Márcia Goldschmidt, quarta-feira era Lu Barsoti. Quinta-feira era Christina Rocha e sexta-feira era Otávio Mesquita. Você não tem ideia. Era um salseiro.
NaTelinha - Tinha a Babi também, não?
Não, a Babi, ela surge depois, eu vou explicar como que a Babi chega. Era um salseiro, porque você imagina, dirigir um apresentador, já era difícil, imagina dirigir cinco do mesmo produto. Era uma loucura, uma ciumeira. Um dizia: 'O programa da segunda tá melhor do que o meu, que é na terça'. Era um Deus nos acuda. 'Ah, o outro tem mais merchandising do que o meu'. Rapaz, olha, ainda bem que esse programa durou pouco.
NaTelinha - Ainda bem, né?
Não lembro agora, acho que durou, sei lá, três meses, seis meses, eu não vou lembrar agora quanto tempo durou. Eu só sei quando o programa acaba, o Silvio contrata a Babi. Na época estava na MTV, e aí a Zilda, secretária do Silvio, está no SBT até hoje, acho que não foi aposentada, com a morte dele, o SBT tem essa preocupação, sabe? De nunca desamparar as pessoas que fazem parte da história da emissora.
E aí a Zilda liga no meu ramal e falou: 'Vildomar, seu Silvio quer falar com você'. E eu nunca tinha falado mesmo assim com o Silvio.
NaTelinha - Você nunca tinha visto ele na vida?
Já tinha visto, mas eu nunca tinha conversado mesmo com o Silvio. Minha conversa era 'bom dia, boa tarde, boa noite'. Eu nunca tinha desenvolvido nenhum diálogo com o Silvio. E aí a Zilda falou assim: 'O Silvio quer falar com você'. E eu falei: 'Zilda, por favor, pode passar'. Até tomei um susto, né? Nunca tinha recebido uma ligação do Silvio. 'Ele quer que você desça lá no camarim pra falar com ele'.
Rapaz, assim, eu fui levado num momento de ansiedade, alegria e pânico ao mesmo tempo, porque eu nunca tinha conversado pessoalmente com o Silvio. E aí eu desço, a sala de produção ficava no segundo andar, eu desço lá para o térreo, onde ficam os estúdios, chego para a Rai, que era a secretária de baixo, que cuidava do camarim do senhor, e falei: 'Rai, a Zilda disse que o senhor quer falar comigo e eu estou aqui'. Ela: 'Você pode entrar'. Entrei no camarim dele, ele estava de costa, estava sem camisa, de calça, e estava de costa, e fritando um bife.
NaTelinha - Isso é lendário. (risos)
Mas isso é verdade, eu achava que era lendário, mas isso não é lenda, isso realmente é real. E estava um cheiro realmente de gordura, de fritura no camarim.
NaTelinha - Te ofereceu?
Não ofereceu (risos). Eu entrei, bati na porta, falei: 'Silvio, com licença'. E ele de costas falou para mim: 'Pode sentar'. E eu sentei, e ele ficou, o Thiago, sei lá, um minuto, para mim parecia uma eternidade, mexendo lá no lanche, na fritura dele e tal. Depois ele se vira, para mim, já com o prato na mão, com o pão e com o lanche dele, e aí ele falou: 'Qual o seu nome mesmo?'. Aí eu falei: 'Vildomar, Silvio'. Ele falou: 'Mas que nome difícil. Que nome difícil'. Eu falei: 'Ah, Silvio, infelizmente nome a gente não escolhe'. Ainda brinquei: 'Você escolheu o seu, né?'. Ele escolheu o Silvio Santos.
Eu falei assim: 'O meu eu não consegui escolher, Silvio'. Aí ele sentou no sofá e falou assim: 'Você sabe que eu contratei a Babi, né?'. Aí ele falou assim: 'Então, a Babi agora vai fazer o programa e me falaram que você é o produtor do programa. Do Programa Livre'. Eu falei: 'Não, Silvio, eu sou o diretor'. E eu achando, Thiago, que ele não tinha entendido que eu era o diretor, que ele estava chamando o produtor do programa. Veja a minha ingenuidade e a habilidade do Silvio. Ele falou assim: 'Você é o produtor?'. Eu falei: 'Não, Silvio, eu sou o diretor'.
Aí ele sentou, pegou um papel de memorando e falou assim: 'Então tá aqui, você como o produtor do Programa Livre vai seguir essas instruções'. Quando ele me chama pela segunda vez de produtor, o que eu entendi? Quem é o diretor é ele. Todos ali são produtores. O diretor é Silvio Santos. Ele ali já me colocou no meu lugar. E aí quando eu pego aquele memorando com todas as regras do programa, então estava lá o seguinte, faz a abertura, um minuto, chama a break, volta do break, entrevista, oito minutos, outro entrevistado, vai para a break, segundo bloco, oito minutos de entrevista, vai para a break, terceiro bloco. Outro entrevistado, faz break, volta e encerra o programa. Quando eu pego aquele memorando completamente engessado, eu falei assim: 'Silvio, isso aqui está muito engessado'.
Aí ele falou assim: 'Mas é para fazer'. Eu falei: 'Silvio, por que oito minutos? Por que oito minutos de entrevista?'. Aí ele falou assim: 'Porque tem um estudo nos Estados Unidos, que toda entrevista que passa de oito minutos, ela se torna chata, se torna desinteressante. O espectador não gosta mais dela'.
NaTelinha - Nos Estados Unidos...
É, nos Estados Unidos, ele falou isso. Então, o programa tem três blocos, são três entrevistados. E aí eu falei: 'Silvio, mas se o entrevistado do primeiro bloco estiver dando audiência, eu não posso fazer o segundo bloco?'. 'Não, não pode. Não pode porque você vai estragar o formato'. Para encurtar a história, foi uma conversa razoavelmente demorada. Falei: 'Então tá bom, Silvio. Mais alguma coisa que eu possa anotar, que eu possa ser útil?'. Ele falou: 'Não, é isso aí'. Se der, não lembro o número agora, tá? Se der 5, você está de parabéns. Se der menos do que isso, você está fora.
NaTelinha - Nossa, que loucura.
Seco, duro, com aquela mesma voz do Silvio, mas a voz do executivo, do dono. Não era aquela voz 'má má má Vildomar'... Não tinha isso, não tinha isso. Era a voz do Silvio Santos, executivo, o dono da empresa. E eu saio daquela reunião ali, tipo, transtornado, porque foi um choque para mim, porque foi uma mistura do meu ídolo, do cara que norteou todo o meu desejo para a televisão, com o meu chefe que me disse que se eu não cumprisse aquilo lá, eu ia para a rua. Inclusive, sob o argumento da audiência, que é uma coisa delicada, você precisa de tempo para implantar.
Para resumir isso aqui, o programa não estava indo bem. Muitas críticas na época, que quando a entrevista começava a deslanchar, encerrava, as pessoas pediam que a entrevista tivesse mais tempo.
NaTelinha - Coisa que você já presumia que ia acontecer...
Eu achava que podia, em algum momento, a gente podia não fazer daquela forma, quando o entrevistado rendesse. E todos os dias eu tinha que gravar o programa e mandava uma fita cassete pra casa dele, ele assistia e falava assim: 'Tá ok, pode colocar pra geradora'. Teve um dia que a gente recebeu um entrevistado, e esse entrevistado era muito polêmico na época, era um político, ele era muito polêmico. E ele rendeu muito. Rendeu, rendeu.
NaTelinha - Quem era o político, você pode falar?
Eu não quero cometer aqui uma falha, mas eu desconfio que era o senador Roberto Requião. Eu desconfio, não tenho certeza. Na época, acho que era o Roberto Requião. E a plateia, muito envolvente, participante, rendeu muito a entrevista. Foi espetacular. Houve um debate entre ele e a plateia, a plateia extremamente afiada. Foi muito bom o programa. Quando eu fui para a edição, não tinha ponto de corte, não tinha como você encurtar aquilo para oito minutos. Aí eu chamei o editor e falei: 'Cara, faz duas versões. Faz uma versão com oito minutos e faz uma versão inteira do programa'. Eu acho que era 45 de arte total.
NaTelinha - Você tinha que resumir de 45 para oito?
Não, eu já tinha resumido uma gravação de duas horas para 45 minutos. E era o programa inteiro, com mais três breaks de cinco, tinha uma hora de duração. O meu outro desafio foi reduzir um programa de duas horas para 45 e para um de oito, que era um bloco que o Silvio queria. E eu mandei editar os dois programas, as duas versões, o de oito e o de 45 minutos. E aí eu mandei para o Silvio os dois produtos. Eu falei: 'Silvio, eu gostaria muito de colocar o de 45 por essas características'. E defendi a ele. Resumindo a história, naquele dia ele não me ligou. Não me ligou. Não me ligou e eu falei assim para o editor: 'Eu vou tomar essa não ligação dele como eu devo decidir'. Eu fui inconsequente, fui irresponsável achar que era isso, né?
E aí viram pro editor e falaram assim: 'Manda pra geradora o programa inteiro com o entrevistado'. Foi o programa inteiro, explodiu de audiência. No dia seguinte, cara, eu voltei com um sorriso aqui. Feliz, caramba, espetacular, enfim. Só comentários positivos. Lá por umas 15h daquele dia, toca meu telefone na Zilda e fala assim: 'Vildomar, seu Silvio quer falar com você'. Aí era no telefone. 'Pode passar, Zilda'. 'Vildomar, como vai? Tudo bem?'. 'Tudo bom, Silvio?'. 'E a família? Tudo bem? E os filhos?'. 'Tudo bem, Silvio?'. 'Tudo bem'. E eu falei: 'Caramba, ele vai me elogiar'. Vai falar que foi sensacional, foi espetacular a decisão, que a partir de agora, sempre que tiver um bom convidado, eu posso fazer isso. Aí eu me antecipei.
Eu falei: 'Silvio, você viu o programa de ontem? A audiência, que espetacular'. Ele falou assim: 'Olha, estou ligando por isso, não gostei. Você estragou o programa. Você acabou com o formato que nós criamos, você destruiu a estratégia que nós criamos, não gostei, você foi desobediente'. E ali eu percebi que ele ia me dispensar. Ele ia me mandar embora. Quando eu percebi isso, eu imediatamente falei: 'Silvio, eu quero, antes de mais nada, me desculpar aqui com você. Eu quero pedir perdão pela decisão equivocada que eu tomei'. E aí eu contei a história que eu mandei duas fitas pra ele. 'Quando você não me liga, Silvio, eu entendi que eu podia tomar a decisão, dado a qualidade do conteúdo que nós tínhamos. Então, eu quero me desculpar, foi um equívoco. Quero pedir a você uma oportunidade que a gente corrija isso já a partir de hoje e nós voltamos aquilo que você criou'. 'Não, mas agora você já estragou tudo. Não tem como voltar mais aquilo, já estragou'. 'Então, você, por favor, então, senhor, por gentileza, você me conceda o benefício de corrigir essa situação'. E aí ele falou assim: 'Olha, então a partir de hoje, você não faça mais isso, não importa quem vá dar a entrevista, tem que ser desse jeito'. Tá bom. Os três próximos programas, a audiência desabou. Aí quando foi três programas depois, ele: 'Tudo bom, Silvio?'. 'Tudo bem? Vildomar, eu tava aqui pensando, quando o entrevistado for bom e tiver dando audiência, vamos fazer um programa inteiro com ele'.
NaTelinha - Era o que você precisava ouvir. Demorou também, né, Silvio? Por favor, hein?
'Você está coberto de razão, Silvio. Você está coberto de razão. Vamos seguir a sua orientação, tá, Silvio?'. E assim foi o programa. Teve um desempenho artístico comercial gigantesco. Então é uma figura que até hoje faz parte da minha vida e fará enquanto eu respirar a televisão. E eu sinto muita falta, não só das conversas e da intimidade que gozei por um pouco de tempo com o Silvio. Eu sinto falta do Silvio na televisão como animador, como comunicador e como empresário, que soube reconhecer e contratar muitos talentos importantes hoje para a televisão e que ainda hoje estão aí no mercado. Sem dúvida, tem muita gente aí.
NaTelinha - Foi essa passagem pelo Programa Livre, então, que te credenciou, de certa forma, a depois ir para a Band? A gente tinha falado do começo da sua passagem pelo Grupo Bandeirantes, lá que você fez o Sabadaço e o Boa Noite Brasil, dois programas icônicos, né? Vamos falar deles. Como é que foi a sua transição de Programa Livre aí para a Band, para formatar?
Na verdade, Thiago, eu saio do programa Livre e eu volto para Record. Eu fui dirigir Gilberto Barros lá na Record, que era o programa Quarta Total. Ele tinha lá o Quarta Total. E tinha o Domingo Show, que ambos eram programas de game. E aí o Gilberto Barros, eu fico ali um ano com o Gilberto Barros na Record. O Gilberto Barros é contratado pela Band e o Gilberto me convida para acompanhá-lo. Chegamos na Band com a primeira proposta, que era do Rogério Gallo, que era o nosso diretor artístico, para implantar um programa aos sábados, que era o Sabadaço. O Sabadaço começava 12h, a gente ia até 18h, 18h30. E aí o Sabadaço teve um grande desempenho de audiência e também de faturamento. Você tem ideia? A gente fazia 37 ações de merchandising no sábado. Era uma loucura. Mas havia demanda e havia uma necessidade importante da casa de faturar com o produto que estava dando resultado.
E aí o Johnny nos chama e fala o seguinte: 'Olha, eu quero, meu pai sempre teve um sonho, da gente relançar o Boa Noite Brasil'. Na Band, se não me engano, a última pessoa que fez foi o Flávio Cavalcanti. E aí o Johnny, numa reunião, nos chama e diz que gostaria de relançar o Boa Noite Brasil e que a figura escolhida teria sido o Gilberto Barros. Fiz uma ponderação de que eu não gostava da ideia. A ideia era boa, mas eu não gostava da figura do Gilberto fazendo o programa. Porque eu acho que haveria um excesso do uso da imagem do Gilberto, que já estava seis horas no sábado, e ficaria mais duas horas de segunda a sexta. Ou seja, haveria ali uma superexposição da imagem e eu tinha medo que ele desgastasse o Sabadaço.
Mas o Gilberto, que é um cara que não tem preguiça de trabalho, é um cara, se você desse 24 horas por ele, estaria trabalhando, não se cansaria. Juntou essa disposição nobre do Gilberto com a necessidade de emissora e eu fui voto vencido. E aí eu disse ao Johnny, então legal, vamos fazer por um ano o Boa Noite Brasil e depois a gente pega o Boa Noite Brasil, que era de segunda a sexta, e pegamos cada dia da semana, tipo segunda, um apresentador da casa, vamos pegar os talentos da casa. E o Boa Noite Brasil passa a ser feito por uma estrela da casa. Enfim, essa ideia de boca ficou de se estudar, mas o desempenho do Gilberto foi tão espetacular, tão fantástico, inclusive a gente alcançando picos de liderança, e os dois produtos ficaram nas mãos do Gilberto Barros.
Eu tinha um contrato de quatro anos, eu fui para lá no ano 2000, e no ano 2002, não só pelo grande sucesso que os dois produtos estavam fazendo, mas talvez por conta da relação que eu tinha com a emissora antiga, que era a Record, o Hélio Vargas, que era superintendente artístico de programação, me faz um convite para retornar à Record. E aí eu já tinha recusado dois convites, um do Luciano Calegari, o outro acho que era do Del Rangel, que estava na época, e depois o Hélio Vargas me faz um convite tentador, que era para dirigir, para estrear, para construir o produto Show do Tom, com o Tom Cavalcante, que tinha acabado de ser contratado da Globo.
E aí eu tinha mais dois anos de contrato com a Band, conversa com a Band, conversa com o Gilberto, não foi fácil a conversa, mas em 2002, dois anos depois de chegar na Band, eu saio da Band e volto para a Record, onde fiquei por 11 anos.
NaTelinha - Como era sua rotina? Porque você dirigiu um programa diário, Boa Noite Brasil, com duas horas, mais o Sabadaço com 212 horas. Você dormia na Band? Como é que você fazia? Você já ficava por lá? Cara, eu fico pensando sinceramente, assim, é um negócio insano, né? Como que você conseguia pensar em tanta coisa? É muito tempo, é muito tempo de programação pra uma pessoa.
Na verdade, Thiago, realmente foi insano. Eu era jovem na época, tinha 35 anos. Cheio de vida e de vontade, mas mesmo assim isso me trouxe algumas consequências. Eu lembro uma vez, eu saí do switcher e fui parar direto ali no hospital, no São Luís do Morumbi. Com uma crise que eu não tinha, uma crise de pressão alta, misturado com ansiedade, com estresse, porque assim, eu dormia três, quatro horas por noite, porque eu saía da Band, tipo, 2h, quando acabava o programa, tinha reunião, tinha bate-papo, enfim. Saía 2h da Band, ia pra casa, dormia ali até as 6h, já se preparava, tipo, 8h, na pior das hipóteses, eu já tava dentro da Band pra já pensar no no produto que ia ser exibido aquela noite.
E aí, sextas-feiras, logo cedo, eu tinha que estar na Band porque tinha o Sabadaço. Então, foi um período de grande estresse para a minha vida e esse foi também um dos motivos. Eu estava sempre ali com a saúde fragilizada por conta do excesso de trabalho, excesso de responsabilidade. E esse também foi um dos motivos que me levou a sair desses dois produtos e assumir um produto, que em princípio era um produto semanal, que era o Show do Tom, e depois, antes da estreia, ele passa a ser diário. Então, eu acabei trocando seis por meia dúzia, só que eu não tinha os sábados, seis horas de duração com o Tom, como eu tinha na Band.
NaTelinha - E o Gilberto Barros também tinha essa estafa que você está relatando que você também tinha, porque imagino eu que não era uma exclusividade sua, vocês eram uma equipe, então assim como o diretor que era você, imagino eu que o todo o resto da equipe também estava estafado, porque é estafante mesmo você produzir tanto conteúdo diário, pressão por audiência, pressão por comercial, é uma insanidade realmente, nos dias de hoje eu acho que isso não teria condição.
Sem dúvida. O Gilberto, na verdade, tinha uma sobrecarga muito maior do que a nossa, porque quem está no vídeo tem uma responsabilidade gigantesca, porque tem a imagem ali sendo o tempo inteiro, e ao vivo, acompanhado e avaliado. Chegou um momento que eu, junto com a equipe do Gilberto, a gente resolveu colocar um médico, era o médico da Band, para ficar ali no dia do programa, porque tinha momentos que eu percebia que o Gilberto já estafado, já cansado, me preocupava que ele tivesse um problema mais sério de saúde ao vivo, no ar. Então tinha lá um médico o tempo inteiro, nos intervalos de break, lá, batia um papo com o Gilberto, media pressão, conversava com ele.
Mas, cara, o título de o Leão cabe muito bem ao Gilberto, porque ele é um leão, ele é uma fera. E é uma pena que o Gilberto Barros hoje esteja fora de uma televisão que eu acho que não só cabe, mas precisa de uma figura como o Gilberto Barros.
NaTelinha - Você acha que o Boa Noite Brasil, nos dias de hoje, claro, vamos excluir duas horas e meia de duração, mas um programa naqueles moldes, teria espaço hoje na televisão?
Não tenho a menor dúvida. Claro, vamos contextualizar a estratégia de conteúdo, enfim, vamos lidar com a questão da necessidade da programação, mas em relação se você pegar hoje, muitas coisas, Thiago, do que a gente fez no Boa Noite Brasil, tem muitas coisas hoje que você vê na televisão. Não vou aqui querer nominar nada para não parecer presunçoso e arrogante, mas eu lembro que até sátiras de humor foram criadas a partir daqui da Band. O próprio Pânico, por muitos anos, fazia o... Não era de Cara com a Fera, tinha outro nome que eles usavam. Eu morria de rir vendo o Pânico fazendo a sátira. Ele chamava de Boa Noite Barril. Aquilo era muito bem feito, era muito engraçado.
Então, você vê, até na questão do humor, a gente continuou trazendo para o mercado insights. Se você perceber, anos depois, a própria RedeTV! começou a fazer a Máquina da Verdade, os programas. Então, enfim, ninguém inventou a roda, mas o que a gente trouxe, na verdade, foi uma reflexão de um conteúdo que o telespectador gostou, passou a assistir e trouxe resultado para ambos os lados. Trouxe resultado para o Gilberto, trouxe resultado para a televisão e, claro, trouxe entretenimento para quem acompanhava.
NaTelinha - Perdão, mas talvez eu faça uma pergunta idiota, mas quando eu assistia o Boa Noite Brasil, eu gostava muito do cenário, quando a câmera pegava o teto... Nenhum programa tinha aquele teto. Eu achava aquilo lá fantástico. Tem alguma curiosidade sobre o cenário do Boa Noite Brasil que de repente a gente não saiba? Queria que você contasse como ele foi desenhado, e aquele teto? O que era aquilo? Era muito bonito aquilo lá.
Thiago, é incrível essa sua pergunta! E você agora vai compreender a identidade dos produtos que eu faço. Eu sempre gostei de ter defesa de teto. E aquilo era uma briga, porque era uma briga entre a iluminação do programa, os iluminadores, 'porque a defesa de teto atrapalha a iluminação e tal'. E eu me inspirei nos programas com defesa de teto na RAI, a empresa italiana de televisão. Que usa muito as defesas de teto. Se você perceber, o último programa do Gugu, que ele fez lá na estreia, a volta do Gugu lá pra Record, ele também tinha uma defesa de teto. A maioria dos programas, assim, o programa da Ana Hickmann, no domingo, quando a gente trocou o cenário, eu criei uma defesa de teto.
Então, assim, eu sempre gostei da defesa de teto porque eu não gosto daquele grid, escuro, cheio de iluminação, que não traz nenhum recurso visual, a não ser o recurso de melhorar a iluminação e a plástica do programa. Então, eu vi aquilo na RAI, a empresa da televisão italiana, e falei: 'Caramba, se os caras fazem isso...'. E eu estou falando isso aqui de, sei lá, quantos anos atrás? 22 anos atrás. Falei, cara, se os caras fazem isso, eu acho que eu posso adaptar essa ideia para o Brasil. E eu fui, sabe, eu fui muito tive um embate muito grande com as equipes que trabalhavam comigo, porque os diretores de fotografia, o pessoal que cuidava da iluminação do programa, diziam que aquilo prejudicava a iluminação do programa.
Mas acabei vencendo esse argumento com exatamente esse comentário que você trouxe aqui agora, que foi o reconhecimento, que aquilo embelezava mais o programa.
NaTelinha - Claro, claro, embelezava mesmo, foi uma grande sacada, realmente. Eu não lembro de outro programa naquela época que tinha alguma coisa parecida, eu não me lembro, sinceramente, pode ser que tenha, mas eu não lembro. Então, realmente, foi uma boa sacada.
Na verdade, o que eu via que me incomodava muito, é que os diretores de corte, os diretores que fazem o corte das imagens, não sei se combinado com o diretor do programa, porque tem diretores que cortam e tem outros que são diretores de conteúdo e precisa do diretor de corte. E eu via sempre o posicionamento de câmeras, ou quando voltava do break, ou quando ia pra break, ou nos musicais, sempre colocava o tiro de câmera focada pro teto, porque aí o diretor de fotografia, ele criava um efeito que a gente chama de um efeito cross, onde a iluminação fica com aqueles, tipo uma estrela. E eu achava aquilo de um mau gosto.
NaTelinha - Você não gostava?
Desculpa, não quero ser arrogante, mas eu achava ele tão brega. Eu falei, caramba, se tem vergonha de mostrar o teto como ele está, então cria-se um elemento cenográfico que mostre alguma beleza no teto. Não mostra esse efeito cross, aquela estrela que invadia o take da imagem, aquela coisa que quase criava um desfoque na imagem.
E aí foi quando eu comecei a pesquisar a respeito e vi que a RAI e outras emissoras na Europa, enfim, tinha esse recurso e eu falei: 'Achei uma possibilidade que eu possa trazer para os programas que eu faço e acabei fazendo'.
NaTelinha - Então a inspiração está na RAI, agora descobrimos o santo. Que bom, que bom que você estava assistindo a RAI.
Não inventei a roda, tá?
NaTelinha - Claro, mas tem que se inspirar no que é bom, né, Vildomar?
Claro, eu só vi a sua utilidade.
NaTelinha - E naquela época também, Vildomar, eu queria que você contasse o bastidor de uma matéria que mexeu com as crianças de todo o Brasil, que você deve se lembrar, que foi aquela matéria do Yu-Gi-Oh! Você lembra disso? Que o Gilberto Barros falava que era coisa do demônio e tal? Eu tinha um primo na época, pra você ter uma ideia, que a minha avó queimou as cartas dele no Yu-Gi-Oh! (risos) Ele odeia o Gilberto Barros por conta disso, ele odeia, ele perdeu todas as cartas de Yu-Gi-Oh! Eu acho que grande parte das crianças, eu estudava com várias, que também perderam as cartas queimadas pelos pais, por conta das matérias do Gilberto Barros. Conta essa história, os bastidores dessa história do Yu-Gi-Oh! no Gilberto Barros, por gentileza.
(risos) Thiago, eu estou rindo aqui, pelo amor de Deus, não me interprete mal, não estou rindo das cartas que foram queimadas, nem dos gestos. Pelo amor de Deus, seria extremamente de mau gosto a minha parte rir disso, porque eu não sabia dessa história. Eu estou rindo da sua colocação, da forma como você abordou a pergunta, que eu achei muito curiosa e engraçada.
Você sabe, Thiago, nós temos a responsabilidade, como profissionais de televisão, e você que escreve sobre televisão, de sempre trazer para o telespectador, para o consumidor de conteúdo, uma reflexão sobre aquilo que está no ar. Você não pode determinar as decisões, as ações que o telespectador deve tomar. Traga uma reflexão. Eu sempre defendi que qualquer produto, seja ele no entretenimento, seja ele no jornalismo, ele tem que trazer uma reflexão. Claro que dentro do jornalismo tem a questão editorial, onde você emite a opinião do grupo, ou o jornalista, ou âncora emite a opinião pessoal ou do grupo que ele trabalha e que representa.
Mas quando você traz uma discussão, uma pauta para um programa de entretenimento, aquilo cabe diferentes interpretações, aquilo cabe uma reflexão. Quando você traz dois debatedores e fala assim: 'Pega isso, queima as cartas'. Eu não lembro mais do conteúdo. De verdade, eu não lembro mais, não lembro como foi a abordagem disso. Certamente alguém do outro lado vai falar assim: 'Isso é um absurdo. Isso que está falando não tem base científica'. Então, importante. Eu acho que nos dias atuais a gente não tem mais esse problema, porque o telespectador é mais esclarecido, dada a quantidade de conteúdo que nós temos hoje e até de pesquisas, até de validação daquilo que a gente está vendo hoje. Acho que hoje você não engana o telespectador como alguém pensa, porque hoje ele vai pesquisar.
Então, eu espero que muitas pessoas tenham pesquisado antes de ter tido discernimento para não queimar as cartas, como infelizmente você acabou perdendo as suas, ou o seu parente.
NaTelinha - Exatamente. Mas você lembra de como essa matéria chegou para você? De como vocês iam abordar esse assunto, que era um anime que estava fazendo muito sucesso na TV Globo na época? 'Vamos falar disso aqui, que isso aqui está em alta'. Porque não tinha uma rede social ainda, você não sabia mensurar exatamente até que ponto valeria a pena falar de um desenho que passa de manhã em um programa que é ao ar às 22h30. Mas deu certo.
Eu não vou lembrar, Thiago, precisamente, eu vou dizer o que geralmente acontece numa reunião de produção de produtos que eu trabalho e que eu faço. Você sabe muito bem disso, todos os programas têm as reuniões de pauta. Eu, quando eu estou à frente de um produto, eu tenho pelo menos duas reuniões diárias. Então, eu tenho uma reunião logo de manhã, que é para avaliar, no caso do Boa Noite Brasil, que era um programa diário. Então, logo que a gente chegava, a gente tinha uma reunião com os cabeças, que são o chefe de pauta, o produtor executivo, o editor de jornalismo, tudo. Ali, pelo menos, eu tenho umas oito pessoas que eu chamo de os cabeças. Eu faço uma reunião para a gente avaliar o conteúdo que vai ser exibido naquela noite. Depois eu faço uma reunião de passagem de roteiro, que essa reunião é feita dentro do estúdio, com apresentadores, com os convidados.
E depois eu faço uma reunião após o programa, que é para avaliação de conteúdo. E eu lembro que nessas reuniões de pauta que a gente tinha, vinha a sugestão de pauta de toda a natureza. Então, certamente, eu não vou lembrar especificamente desse caso, se eu dissesse que lembraria, eu estaria mentindo. Certamente alguém trouxe essa pauta para o programa. E quando me traz uma pauta que era engraçada, curiosa, ou informativa, ou jornalística, ou de grande apelo de audiência, a gente sempre faz uma reflexão. E quando há uma reflexão de várias vertentes, a gente coloca isso em votação. Quando é uma pauta que eu acho que a gente pode ter algum tipo de problema, eu já veto de imediato.
Você aqui trouxe de uma forma jocosa, brincando, certamente a gente trouxe esse ar na discussão. Falei: 'Cara, mas isso deve ser uma bobagem, isso não deve acontecer'. enfim. E aí, certamente, naquela discussão, houve a reflexão assim de: 'Vamos ter duas partes ali debatendo, isso vai gerar um burburinho, porque o produto está com sucesso, vamos aproveitar o sucesso desse produto e trazer, sabe, o que chamam de hoje, viralizar em todos esses conteúdos'. O que nós certamente não sabíamos é que as mães dos pais poderiam queimar as cartas, porque aí também, eu acho um exagero.
NaTelinha - É, aconteceu, aconteceu muito. Aí depois você foi para o Show do Tom, né, Vildomar? Eu queria saber o que a direção da Record te pediu na formatação. Porque naquela época a Record tinha aquele slogan de rumo à liderança, né? Parecia que eles faziam os programas, as novelas, parecia que tudo estava no máximo, a capacidade de desempenho, de performance, a Record estava ali, caminhando para o que seria o seu auge, tirando gente da Globo, tentando fazer várias novelas e tal, incomodando, de certa forma, e você estava ali também no meio, comandando um programa por trás das câmeras de uma figura extremamente importante, que foi para a Globo. E que também tinha uma importância estratégica dentro da grade de programação da Record para alcançar o objetivo, que como ela mesma bradava, era rumar à liderança. Como que foi esse processo? A Record estava realmente focada em ser líder? Ou era um discurso da boca pra fora?
Thiago, não era um discurso da boca para fora. O Honorílton Gonçalves, que era o nosso VP de Programação e Artístico, ele tinha, e eu vou te contar uma coisa, ele era um cara extremamente comprometido, entendia muito de programação, era um estudioso de programação, sabia fazer, era um mestre na negociação e sabia fazer boas contratações. Tanto que se fosse olhar para aquele período, eu acho, para não dizer que tenham certeza, foi o período mais glorioso da Record em termos de resultados de audiência. A Record realmente chegou em alguns momentos a incomodar a Globo.
Eu credito isso à visão e às decisões estratégicas que o Honorílton Gonçalves teve. Quando eu chego na Record, o programa do Tom estava em fase de construção. E não era para ser um programa diário, como aconteceu. Era um programa que era para ser um programa semanal. Inicialmente, eu acho que ele era para as segundas-feiras. Enfim, e aí quando a gente começa a construir o programa, a Record decide que o programa deveria ser diário. E aí eu fiquei preocupado, porque eu fui para fazer um programa semanal, que era um programa gravado, com alguém que não tinha experiência, de fazer um programa que não era apresentador, o Tom era humorista, de roteiros escritos por redatores, de cenas prontas, enfim. O Tom era um humorista, era um ator e um humorista. Ele não era um apresentador. Tudo bem que ele já tinha feito o Megatom, mas enfim, era um produto desenhado, editado, trabalhado com o elenco da Globo, ou seja, o Tom estava protegido por essa embalagem que a Globo criou. Na Record não tinha mais essa proteção e essa embalagem, ou seja, ele ia ser apresentador de um produto, ia colocar cara com toda a raça, com toda a capacidade que tinha, mas os riscos eram gigantescos.
E aí, quando a Record resolve criar o produto para ser diário, eu me preocupei, porque eu vi que o Tom não estava 100% preparado para essa empreitada como apresentador. Me preocupou. E a minha preocupação também foi do seguinte, o Tom tem um nome consolidado na TV Globo. Se o produto é errado, vão dizer que o diretor, que não compreendeu a essência de um grande talento como o Tom. E eu fiquei preocupado que saindo da Band num momento muito bom, chegasse na Record e fracassasse com o produto e aquilo certamente traria um prejuízo moral e financeiro pra minha carreira como diretor. E aí a gente começa a conversar e o Tom é um cara, hoje é meu amigo, amigo íntimo, tive agora no Brasil, no casamento da filha dele. E somos amigos até hoje, a gente se encontra, viaja juntos, rimos pra caramba, nossas famílias são amigas.
NaTelinha - Tá super em alta na Record com o Acerte ou Caia.
Muito, muito, muito em alta e vai crescer ainda mais. Eu acho que essa é a história pra outra entrevista, mas o Tom ainda não usou metade da capacidade que ele tem. E a volta dele para esse produto, Thiago, nada mais é do que um reconhecimento daquilo que fizemos atrás, quando dentro da Record não se acreditava, não se acreditava que o Tom teria capacidade de ser apresentador. Houve gente do comitê na época que quiseram tirar essa função do Tom de apresentador porque diziam que o Tom só devia ser humorista. Quando traz hoje o Tom, e eu defendi que o Tom poderia ser um apresentador. E quando traz o Tom hoje para apresentar um programa, nada mais é do que o reconhecimento de algo que foi iniciado há 20 anos atrás.
Então, quando a gente começa a construir a figura do Tom como apresentador, eu chamei o Tom e falei: 'Você conhece o Billy Crystal?'. E ele falou: 'Não, não conheço'. Falei: 'Pesquisa sobre Billy Crystal'. Eu não lembro se na época o YouTube estava começando, eu não lembro mais, não lembro. E aí o Billy Crystal na época apresentava o Oscar. Quando eu mostro para o Tom a figura do Billy Crystal, ele falou: 'Cara, eu conheço o Billy Crystal, ele faz o Oscar'. Eu falei: 'Esse cara tem tudo a ver com você. Começa a fazer um laboratório assistindo e vendo Billy Crystal'. Porque o Billy Crystal era um stand-up comedy. Ele fazia stand-up, fazia comédia. A origem do Billy Crystal, se não me engano, está muito mais focada na comédia, no cinema, do que propriamente na televisão. E aí o Tom gosta da ideia e começa a ter uma imersão naquilo que era o Billy Crystal.
Porque quando eu comecei a trabalhar com o Tom, eu falei: 'Tom, como é que você se vê nesse produto?'. E meu medo, Thiago, é que ele se visse como um Jô Soares, que ele se visse como um Raul Gil, que ele se visse como um Gugu, como o Silvio Santos. Porque eu já saberia que isso não ia ser produtivo, porque só existe uma pessoa que é ela mesma. Não existe dois Silvios, não existe dois Celso Portiolli, não existe. E aí, quando eu trago essa figura do Billy Crystal, o Tom gostou, absorveu, e aí nós criamos o formato. O Tom entrava, se você entrar no YouTube hoje, o Tom entrava no programa, fazia ali uma espécie de um stand-up no começo, comentando coisas engraçadas e curiosas, que era a praia dele. Era a praia dele, até para ele se descontrair e ganhar a plateia. Nós não descaracterizamos ele na questão do humor, porque a gente tinha lá o Maguila, que iria aos e-mails, saudoso Maguila.
A gente tratava de assuntos interessantes e extremamente da época, que eram as pautas do programa. E o Tom entrevistava aquelas pessoas como entrevistador, mas colocava pitadas de humor. Quando ele se encontra nisso, o resultado da audiência foi espetacular. Eu acho que até hoje a Record não deve ter batido a maior audiência nossa, que foi quando a gente convenceu o Clodovil a calçar as sandálias da humildade no programa do Tom. O Pânico queria calçar, mas nós, para nos vingarmos do Pânico na época, colocamos o Clodovil para calçar no programa do Tom. E foi 33 pontos de média com 37 de pico.
NaTelinha - E qual foi a sua maior dificuldade ali nesse início do Tom? Porque ele fazia muitas coisas, era um programa muito aberto, né? Ele fazia humor, ele fazia entrevista, tinha muita coisa, tinha muito factual, tinha muita coisa quente acontecendo. Você notava alguma dificuldade do Tom em fazer mais determinada coisa do que outra? Assim, a gente não faz tudo muito bem, né? Ninguém é excelente em tudo. Então a gente tem deficiências. Você notava alguma deficiência do Tom em determinada coisa que isso foi sendo melhorado com o passar do tempo?
Sem dúvida. O Tom é um grande ouvinte. Ele ouve muito, ele analisa. Mas o Tom costuma decidir de imediato. Ele ouvia ali algumas considerações que eu fazia, depois ele ia pra casa e me ligava e falava: 'Vildomar, eu pensei bem. Eu acho que a gente poderia ir por aqui'. E às vezes, esse por aqui, não era aquilo que eu estava querendo construir para a imagem dele, para a carreira dele como apresentador. Mas eu cedia muitas vezes, e muitas vezes ele voltava e falava assim: 'Não, você tem razão, vamos fazer desse jeito'. Uma coisa que eu notei, Thiago, não adianta o diretor querer desconstruir a imagem de um artista, de um apresentador.
Você tem que aproveitar a sua essência, o que ele tem de melhor, e potencializar aquelas qualidades, aquela essência. Eu sabia que o Tom era um grande, é um grande humorista. Ele é muito versátil. O Tom ainda é redator. O Tom escreve sobre humor. O Tom tem tiradas em entrevistas que até hoje são espetaculares. Ele é um excelente imitador. Eu jamais pensei em tirar essas características do Tom. Pensei em potencializar. Então, muitas vezes, eu percebi que ele poderia ter crescido mais naquela época como apresentador. Focar, ter humor como essência, mas investir mais ainda, se dedicar ainda à figura de apresentador, porque aquilo traria maior crescimento para a carreira dele. Em alguns momentos eu percebi que a gente poderia ter avançado mais nesse quesito, mas não avançamos.
E ao ver ele hoje voltar para a televisão, indo muito bem, apresentando um programa que é um formato que é o Acerte ou Caia!, e eu vejo a forma como ele conduz, eu fico feliz de saber que o Tom não só cresceu e evoluiu, mas hoje virou uma pedra no sapato de muita gente no horário. Uma prova de que o Tom Cavalcante é um grande humorista e tá se tornando um grande apresentador.
NaTelinha - Espero que a Record encontre outros formatos também pra ele, né? Pra não ficar somente no Acerte ou Caia. Você teve Hoje em Dia também que você também acabou machucando muito a Globo, né? A gente sempre fala do Sabadaço, Boa Noite Brasil... Como foi com esse programa, que era extremamente diversificado. Era um horário meio morto? Porque o resultado foi muito rápido.
É uma faixa que a Globo e o SPTV reinavam ali há muitos e muitos anos, com programas infantis, e Hoje em Dia veio para mudar isso, né? Deixa eu só fazer aqui uma correção. Você fala 'você, você, você e tal'. Eu dei muita sorte.
NaTelinha - Claro, televisão é equipe.
E eu dei muita sorte, que eu acho que a habilidade que eu tenho é de ter formado uma boa equipe, né? Claro, não vou ser modesto em excesso de não reconhecer que eu estudo televisão, que eu me dedico ao trabalho que eu faço. Mas eu tenho uma habilidade muito grande, que é de contratar pessoas, e até mesmo elenco. E ao ter essa habilidade de contratar uma boa equipe, eu dei sorte de encontrar bons profissionais no mercado que me ajudaram a construir a carreira que você mesmo aí citou, com produtos que fizeram sucesso na televisão. Quando eu chego no Hoje em Dia, eu tinha saído lá do programa do Tom, onde eu fiquei dois anos, e eu chego no Hoje em Dia a um programa que eu não queria fazer, porque o Hélio Vargas tinha me dado a missão de fazer o Márcio Garcia, que chamava O Melhor do Brasil.
E aí eu nem chego a ter nem um reunião com o Márcio, eu cheguei nem na sala da produção do Melhor do Brasil, porque no meio do caminho, eu fui chamado uma semana para fazer o programa do Márcio, e naquela semana mesmo eu li na imprensa de que a Record tinha escolhido uma nova diretora, que era a competente Leonor Correia, e eu li aquilo, liguei para o Hélio e falei: 'Estou sabendo pela imprensa que eu não vou mais fazer o programa, e eu estava animado em fazer o programa do Márcio Garcia'. Porque era a minha praia, eu vinha do Sabadaço e estava feliz com essa oportunidade.
O Hélio Vargas fala: 'Não, Vildomar, o Gonçalves não gostou da ideia, o Gonçalves falou que você vai dirigir o Hoje em Dia. Hoje em dia tava no ar acho que há quatro, cinco meses. E eu falei: 'Hélio, cara, me ajuda, eu não quero fazer esse programa. Eu não assisto, sabe? Eu não gosto de programas femininos. Enfim, eu não assisto o programa. Não tem nada a ver comigo. Você me trouxe da Band por eu fazer esses dois produtos, cara. Você me colocar num programa feminino que, cara, não tem nada a ver comigo. Não quero fazer, Hélio. Não quero fazer'. E aí o Hélio falou pra mim: 'Tem duas opções. Você tem um contrato, você paga a sua multa e vai embora, ou você aceita e faz o programa'.
NaTelinha - Simples assim.
Simples. E eu não tinha outra opção. Eu tinha um bom salário, a multa era muito alta, enfim. E aí eu falei para o Hélio: 'Então me deixe fazer um laboratório do programa'. Aí eu fui lá para o switcher. Fiquei lá uma semana acompanhando. Pedi para o Hélio para ficar um mês acompanhando. Ele falou: 'Não, um mês nada, você já tem que ir lá para lá hoje, assume isso aí hoje, tira essa bucha do meu colo'. Porque o Hélio tinha tirado o Note a Note na época e tinha trazido o Hoje em Dia, que era uma visão dele sobre o Today Show e o Good Morning America, que era uma revista eletrônica. De fora do Brasil. E aí, a visão do Hélio estava correta, mas eu acho que não estava dando muito certo.
Acho não, tenho certeza, né? Porque houve perda de audiência e houve perda de receita com a saída do Note & Anote. E eu pedi ao Hélio um mês para fazer esse laboratório. 'Não, não, entra lá hoje mesmo, já toma conta disso e, pelo amor de Deus, tira o meu da reta'. Eu pedi ali pelo menos uma semana, eu fiquei ali uma semana no switcher acompanhando a equipe, não opinava, não falava nenhum A sobre aquilo que estava indo para o ar, mas eu estava anotando tudo. Anotando a forma como o conteúdo era exibido, a interação entre os apresentadores, as estratégias de break, a abordagem dos apresentadores em relação ao conteúdo, como o programa se comportava diante da concorrência.
Ou seja, eu fui mapeando, fui entendendo o que era o programa, porque eu nunca tinha assistido o programa, não conhecia o programa. Mesmo trabalhando na Record, eu não assistia. Eu tinha outras responsabilidades. E aí, uma semana depois, eu volto para o Hélio e falei: 'Eu fiz um relatório, eu queria te mostrar o relatório'. Ele falou: 'Você não quer ver nada, você não está entendendo. Vai lá e executa, faz isso aqui acontecer, pelo amor de Deus'. E aí o Hélio falou assim... Olha, o programa, não vou lembrar agora, acho que estava dando na época, acho que era 1,1, 1,2 e tal. O programa começou assim, né? O Hélio falou assim: 'Se o programa der 2 pontos, eu vou te dar um plus no teu contrato por desempenho de audiência'.
NaTelinha - Ganhou muito, hein?
É, estava dando 1,2, 1,1 de média, né? De média, média mensal. Ele falou assim: 'Eu vou criar um gatilho aqui no teu contrato para você receber premiação para audiência'. E eu fui lá, apertei a mão dele e falei assim: 'Então chama o jurídico e faz a minuta, faz o aditivo'. E ele ligou para o jurídico e falou assim: 'Faz o aditivo no contrato do Vildomar, se o programa der dois pontos, ele tem uma compensação por resultado de audiência'. Para encurtar a história, quatro meses depois, a gente estava dando 1,6, que se você arredondar, dá 2, mas não valia para o benefício, mas não valia para o benefício, tem que ser 2 redondos.
E a partir dali, Thiago, você já conhece a história, o programa deslanchou, atingiu a liderança, no horário tinha a TV Globinho, o Sítio Pica-Pau Amarelo, tinha a Xuxa, Ana Maria Braga, todos esses produtos foram sucumbindo ao crescimento estratégico do Hoje em Dia, o programa se tornou extremamente relevante na audiência, no faturamento, enfim, na importância, até praticamente aí quando a Globo descobre, vindo com o Bem Estar, que foi um teste que fizeram para ver como telespectadores se ambientavam com esse tipo de conteúdo, porque o nosso quadro mais importante era o consultório médico de Hoje em Dia, então eles trazem um programa de saúde, levam os nossos médicos para esse programa, o programa vai bem, é uma temporada, e aí eles lançam o Encontro, tiveram dificuldade no início do encontro, mas souberam corrigir, não só com estratégia, com elenco, com dinheiro, com visibilidade, com toda a estratégia comercial que a Globo tem, e o produto se tornou um sucesso até hoje, o Encontro, o sucesso da audiência, que está em primeiro lugar, sucesso de receita, porque tem faturamento, mas o Hoje em Dia perdeu a condição de ser líder do horário, mas não perdeu a sua relevância no cenário artístico comercial, que está no ar até hoje.
NaTelinha - Eu preciso te perguntar isso, eu sei que você já falou isso outras vezes, mas eu preciso te fazer a pergunta de onde surgiu a passarela, porque se eu não fizer essa pergunta, o pessoal vai cair matando em cima de mim. Então eu preciso te perguntar isso.
Thiago, a gente fazia o programa, e o programa era uma usina de ideias, e a gente se divertia muito com as reuniões de pauta, mas a gente se divertia mais ainda no ar. Cara, eu não vou lembrar exatamente, eu lembro do cofre, o cofre eu lembro como aconteceu, mas a da passarela, eu deduzo que a gente tinha as viagens do Hoje em Dia, onde a gente levava o elenco, o Britto, a Ana, o Edu, e depois a chegada da Chris Flores. E eu lembro que o Britto sempre tinha um certo temor com a altura, com as coisas radicais. E aí eu falei para o pessoal: 'Vamos trazer a passarela que eu fazia lá no Gilberto Barros, lembra? Que eu fiz lá no Sabadaço? Vamos trazer aquela passarela pra gente trazer o pessoal da Fazenda?'. Enfim, eu não vou lembrar agora exatamente. Mas, cara, aquilo foi um negócio tão descompromissado, sabe? Tão infantil, tão ingênuo, que eu jamais poderia imaginar que fosse tal resultado que deu. E aí, quando eu percebi que aquilo foi dando dando resultado, eu falei: 'Caramba, o telespectador está gostando, quer consumir, vamos dar ao telespectador aquilo que ele quer'. E aí foi um sucesso.
NaTelinha - Você também esteve no Tudo é Possível, que era um programa gravado, mas conseguia se manter muito competitivo com a concorrência ao vivo. Como é que vocês se preocupavam com isso, tentando encaixar quadros, tentando ressuscitar outros, enfim, mas na montagem de um programa de domingo, gravado, mas dando trabalho para quem estava ao vivo?
Thiago, a resposta eu poderia dizer que ela é simples. Mas ela é complexa. É simples quando eu digo que foi estratégia e conteúdo. E ela é complexa quando eu digo que para você ter estratégia e conteúdo, você precisa saber implantar.
Quando eu chego ao Tudo é Possível, a Eliana tinha ido lá para a Record, indo para o SBT, tinha voltado para o SBT, e havia ali uma disputa muito acirrada, uma polarização entre os dois programas. Se você buscar no histórico do próprio NaTelinha, que na época dava essa briga, dava os números, eu fui, mesmo com a programação ao vivo, eu fui estudar o conteúdo estratégico e para a Ana foi uma missão muito ingrata, para a Ana Hickmann. Porque você pegar o programa, ela sendo loira, pegar o programa de outra loira, que já estava consolidado com a identidade total da Eliana e assumir esse programa, ela foi muito corajosa. Eu não teria assumido se fosse ela o programa. E se fosse alguém ligado às decisões dela, eu teria de alguma forma vetado a ida dela.
Porque ela se jogou num terreno extremamente perigoso para a carreira dela. Porque a probabilidade de dar errado foi gigantesca. Mas se você pegar, eu não vou entrar aqui no detalhe, mas se você pegar o histórico de audiência, no próprio NaTelinha, ou nas notícias da época, você vai ver que a gente tinha um placar. E esse placar era 'Ana Hickmann vence pela 30ª semana o programa Tudo é Possível'. O programa só saiu do ar... A gente, no nosso placar, a gente estava, mais muitas semanas. Eu diria pra você que pelo menos duas dezenas de semanas no total ganhando do programa da Eliana. E o programa só saiu do ar, o Tudo é Possível porque com a chegada do Gugu, esses dois produtos começaram a dividir, tinham custos, não eram baixos, o custo dos dois produtos era custo alto, e aí começaram a dividir receita.
E como o custo do Gugu era mais alto, a necessidade de receita do Gugu era maior, sacrifica-se o Tudo é Possível, e aí investe no programa do Gugu. Eu acho, posso estar enganado. Acho que só acho o programa do Geraldo, que eu também criei aquele Domingo Show junto com a minha equipe, eu acho que depois da Tudo é Possível, nenhum produto conseguiu se alavancar naquele horário da forma que o Tudo é Possível criou e se alavancou em termos de concorrência com o SBT.
NaTelinha - Você falou do Domingo Show. Ele teve um alavanque gigantesco na programação da Record, mexeu com o domingo da televisão brasileira, mas depois ele teve um declínio também muito flagrante nos números, né? Como é que foi ver a ascensão do Domingo Show e já na reta final ele começou a definhar? Por alguma razão, não sei se o conteúdo estava cansando, enfim. Mas aí ele acabou saindo do ar. O que aconteceu no meio do caminho do Domingo Show? Ele era um gigante sucesso, mas que já no fim dele com o Geraldo ele já não conseguia mais se encontrar. Muito pelo contrário, já acumulava muitas derrotas para o SBT.
Thiago, você me coloca numa situação porque eu não vou poder fugir da minha opinião e visão. Talvez isso aqui seja muito polêmico. Mas eu não vou me furtar do que eu vou falar aqui. Não vou me furtar de dar essa opinião. Antes da opinião, eu quero aqui fazer a seguinte análise.
Eu agradeço muito ao Marcelo Silva, que hoje é VP da Record. Porque o Marcelo Silva, que foi um grande parceiro, um parceiro importante na minha trajetória dentro da Record, inclusive no Hoje em Dia, porque ele estava no Rio de Janeiro, e me chamou para implantar aquele Hoje em Dia que tinha em BH, tinha no Rio, tinha em outras praças. O Marcelo sempre foi um cara que acreditou muito no meu trabalho, me deu grandes oportunidades e me apoiou muito nos projetos que eu fiz dentro da Record também, assim como o Gonçalves. E o Marcelo Silva me chama e fala assim: 'Vildomar, precisamos criar um produto que alavancasse'... Eu acho que era o Gugu, se não me engano, o Domingo Show, quando passava para o Gugu, se não me engano.
Eu não vou lembrar mais de cabeça. E aquela faixa ali estava muito sacrificada na Record, sacrificada por conta do Domingo Legal. O Domingo Legal nadava de braçada. E aí o Marcelo Silva falou assim: 'Não tem orçamento, não tem equipe, não tem cenografia, faz um catálogo, pega aí algumas pessoas que estão lá na emissora de outras produções para te ajudar no piloto'. E aí eu chamei o diretor de cenografia da emissora e falei: 'Cara, vamos dar uma volta no depósito de cenografia e criar aqui um cenário para a gente fazer um piloto'. E aí fui lá, então assim, eu peguei a arquibancada, arquibancada que era do Roberto Justus +, que era um programa que o Roberto fazia.
Aí eu peguei peguei um palco, não vou lembrar de quem era, peguei um catadão de três programas da casa, estruturas de alumínio treliçadas. Falei: 'A gente mete LED aqui, mete tecido, cria um fosso, coloca a plateia lá dentro, escurece em volta o chamado ciclorão'. Ou seja, mete luz, vai ficar bom. Fizemos aquilo lá, o cara desenhou para mim, levei para o Marcelo Silva e falou assim: 'Tá lindo, pode fazer'. E fomos fazer o piloto. E aí quando a gente fez o piloto, como a gente não tinha orçamento, não tinha estrutura, não tinha recurso, eu falei assim: 'Bom, não vai poder contratar ninguém'. E aí eu falei assim: 'Caramba, vamos chamar para cada programa, porque era uma experiência, chamar um apresentador diferente'. Então pode ser um cantor, pode ser um artista da casa, enfim, não tem cachê, não vai pagar pra pessoa, a gente todo dia, todo domingo tem um apresentador diferente, enfim, não vai ter custo de contratação, tá tudo certo.
Marcelo Silva gostou da ideia, o comitê artístico aprovou, e aí fizemos, os pilotos e tal. Eu acho que eu fiz um programa com a Adriane Galisteu, fiz com a Ticiane Pinheiro. Resumindo a história, o Geraldo Luís me chama e fala assim: 'Deixa eu fazer esse programa, deixa eu fazer um desses programas'. E aí tinha ali já uma disputa com o jornalista. 'Geraldo, cara, eu não quero arrumar confusão com o jornalismo, você faz parte do jornalismo, eu não vou te chamar para fazer esse produto, enfim, não vai dar certo'. Mas ele ficou insistindo, e eu confesso a você que eu acreditava na figura do Geraldo para esse produto, porque ele me lembrava um pouco o Gilberto Barros, Flávio Cavalcanti.
Sabe, aquela veia jornalística dele, um pouco do Gugu tinha elementos do Geraldo que me atraíam para esse produto. Mas eu preferi ser responsável, não mexer com a área do jornalismo e não convidar o Geraldo. Só que ele foi tão insistente que se tornou impossível não convidá-lo. E aí eu chego para o Marcelo Silva e falo assim: 'O Geraldo me procurou e ele falou, não, Vildomar, esquece o assunto. Não vamos mexer com o jornalismo. Não vamos mexer com o jornalismo, não vamos criar problema com o jornalismo. Segue com as pessoas que você está fazendo'.
E aí, Thiago, tem uma situação aqui que acho que pouquíssimas pessoas sabem disso, é que nós já ali pela décima semana, a gente estava há três meses no ar, já não tinha mais quem fazer, porque também a Globo lançou um produto que era aos domingos, que era uma espécie de um show sertanejo, não vou lembrar o nome, eu não vou lembrar agora o nome, que também era um artista, que era um cantor, apresentando, então era Ivete Sangalo, Jorge e Matheus e tal. E a gente começou a sofrer um boicote, porque as pessoas não queriam mais o nosso programa, porque iriam no da Globo, e a Globo não queria, sabe, ver o artista dela num domingo no nosso programa e no domingo seguinte no programa dela.
A gente começou a ficar sem artista, pra seguir o formato. E aí eu liguei pro Marcelo. Ele chegou pra mim e falou assim: 'Quem vai apresentar essa semana?'. E eu falei: 'Estou aqui lutando, tentando buscar um nome e tal. E está difícil'. Ele falou: 'Você tem alguém em mente?'. Aí eu falei: 'Tenho'. Ele falou assim: 'Que não seja o Geraldo'. Ele já se antecipou, porque eu ia falar que era o Geraldo. Já se antecipou. É, que era para não arrumar briga. O Marcelo não é que ele não acreditava, ele acreditava no Geraldo. A questão era não criar um atrito entre artístico e jornalista. Tirar alguém que estava indo muito bem, e aí, nesse caso, ele e o jornalista tinham razão, porque o Geraldo tá vindo bem no Balanço Geral, ou seja, pra que tirar um cara que tá vindo bem no Balanço Geral pra fazer uma experiência no programa do domingo?
Podia ser ruim pra ambos, né? Mas não, pelo menos eu tava pensando em mim, eu não tinha ninguém pra colocar um talento lá. E aí eu pedi a ele, pedi a ele pra fazer pelo menos o piloto. Porque eu não tinha ninguém nem pra pilotar. Fiz o piloto e o Geraldo não foi bem no piloto.
NaTelinha - Ah, ele não foi bem no piloto, então?
Não, não foi bem no piloto. E ele percebeu isso, né? Ele ficou ansioso com isso. E aí, cara, a vontade de Geraldo, sabe? A dedicação dele. Ele é um guerreiro, ele é um lutador. E aí eu vi aquela situação e eu falei, caramba, né? Vai ficar um trauma pro Geraldo de achar que o programa não serviu pro formato. E aí, cara, ele ia falar assim: 'Vildomar, vamos dar um jeito, Vildomar, vamos salvar, Vildomar'.
NaTelinha - Imita bem, hein? (risos)
E aquela história dele e tal. E eu fiquei na época e falei assim: 'Geraldo, vamos dormir'. Era, sei lá, acho que uma segunda-feira, não lembro, da noite, a gente tinha feito lá o trabalho e tal. E eu falei: 'Vamos dormir agora, descansa a cabeça, amanhã vamos nos encontrar pessoalmente e avaliar essa questão'. E eu fiquei pensando naquilo. E eu não conseguia arrumar ninguém pra colocar no ar naquele domingo lá. Não ninguém que eu acreditasse que era importante pro conteúdo. Tinha muitas pessoas, mas nenhuma pessoa que eu achasse que era relevante para o conteúdo, entendeu?
Quando eu voltei e fiquei matutando aquilo lá, quando eu cheguei na terça-feira, eu tive um estalo. Eu falei, caramba, domingo agora é Fórmula 1 em São Paulo. Qualquer produto, qualquer apresentador que eu vou colocar no ar vai sofrer com a Fórmula 1. Então, o Geraldo está preservado. Ele está salvo pelo argumento de que foi a Fórmula 1. Mas eu não posso colocar um programa ruim. Então, como o que está gravado não está bom, tem elementos bons naquele programa, eu vou pegar os elementos bons e eu vou, como o Geraldo é bom no Balanço Geral, ele é bom no ao vivo, no improviso, eu vou pegar essa característica, pegar a coisa boa gravada e vou propor para a gente fazer ao vivo com o Geraldo domingo. Olha que loucura.
Porque, assim, é o céu ou o inferno. O resultado disso. Ou você acerta ou você vai pro inferno. E aí eu ligo pro Geraldo, na terça-feira. 'Geraldo, eu tô com uma ideia de doido aqui. De maluco'. E conto essa ideia pra ele. E ele falou: 'Vildomar, vai arrebentar. Vai estar em primeiro lugar. Vai ser maravilhoso'. E eu falei: 'Não, não, não, Geraldo. Calma, não é tudo isso. Isso aqui é só uma ideia. Eu acho que a gente tá sendo louco. A gente pode estar sendo irresponsável'. Ele: 'Não, vai por mim, vai por mim, vai por mim'. E aí, faltava eu convencer o dono da empresa, né? Faltava convencer o Marcelo Silva, que tinha convencido o Douglas, que era o VP de jornalismo.
Cara, uma ideia de doido, uma ideia de maluco. E aí, eu procurei o Marcelo. Falei: 'Tem coisas boas'. Eu não falei que não tinha ido bem, né? 'Tem coisas boas, mas eu acho, seu Marcelo, que o Geraldo é muito bom no ao vivo. Então, sabe o que eu queria propor? Que a gente fizesse ao vivo domingo agora'. 'Ao vivo domingo?'. Falei: 'Sim, vai estar Fórmula 1 ao vivo, Domingo Legal ao vivo. Por que a gente vai entrar gravado para o programa? É dar a mão a palmatória para perder. Vamos testar esse conteúdo ao vivo?'. 'Mas você está seguro?'. Eu falei: 'Estou'. E eu não estava 100% seguro. Estava imaginando que estava seguro. E aí eu falei assim: 'Só preciso de uma coisa'.
Ele falou: 'O que você precisa?'. Eu falei: 'Só de uma coisa. Na verdade, duas coisas. Eu preciso primeiro que a emissora me dê estrutura'. Porque só tinha Gugu ao vivo. Eu preciso que a emissora me dê estrutura e que convença o jornalismo a me ceder o Douglas. Resumindo aqui a história, me deram total apoio, eu chamo a equipe, meia dúzia de gato pingados, retirados de produções que estavam me ajudando. Falei: 'Cara, a gente vai fazer ao vivo'. E aí eu tive um insight, que eu considero que foi o mais acertado dessa ideia maluca, que quem estava no auge, que era espetacular, era o Marcelo Rezende. Este programa está no YouTube até hoje, certamente. E aí eu digo para o Geraldo, que era muito amigo do Marcelo: 'Cara, convence o Marcelo Rezende a estar ao vivo no palco com a gente'. E nós vamos fazer brincadeira com ele, inventamos umas coisas malucas no dia lá e tal. E aí ele falou: 'Não, ele vai ouvir mais a você do que a mim'. 'Imagina, porque ele é meu amigo, ele vai falar não para mim, para você ele não vai falar não'. E eu fui falar com o Marcelo Rezende.
O Marcelo Rezende criou uma situação e falou assim: 'Vildomar, isso é ideia de maluco, isso não é problema meu, isso é problema seu e do Geraldo, me tira dessa'.
NaTelinha - Não queria fazer.
Não, não queria fazer, mas enfim, era muito elegante aquele jeito dele e tal. Resumindo a história, convenci o Marcelo Rezende a estar no domingo. E se você pegar a audiência da época, mais um programa, o que acontece na época? A gente começou apanhando do Domingo Legal. Mas na hora que eu paguei todos os meus breaks em cima da surra que a gente estava tomando do Domingo Legal, aí eu entro com o Marcelo Rezende e ali a gente lidera por mais de uma hora em cima da Fórmula 1 em São Paulo. O que acontece no dia seguinte? A Record me chama e fala assim: 'Vildomar, você vai sair do programa, porque o jornalismo assume o programa e agora o Geraldo Luís é o titular'.
Não esqueci da sua pergunta. Por que o programa enfraqueceu no passado? E eu falei que não vou me furtar. Porque tiraram a essência do programa, que era o entretenimento, e deram na mão do jornalismo, que nem todos sabem fazer entretenimento. É o mesmo erro que aconteceu com o Augusto Liberato quando eu deixei o programa. Jornalismo tem uma função específica. Quando se entrega entretenimento na mão do jornalismo, o risco é gigantesco para dar errado. Quando se entrega jornalismo na mão do entretenimento e tem jornalistas responsáveis e comprometidos, essa química pode dar certo. Mas, ao contrário, até hoje não vi dar certo.
NaTelinha - Você acha que isso que culminou no fim do Domingo Show? Você acha que ele tinha fôlego, lenha para queimar, se mantivesse a proposta original?
Vou mais longe, Thiago. Por isso que falei para você que vai ser polêmico e eu não vou me furtar de dar a minha opinião. Eu acho que o caso do Geraldo Luís, do Domingo Show e do Gugu, o término desses dois programas, eles culminaram ao entregar dois programas de entretenimento para serem cuidados pelo jornalismo.
NaTelinha - O Gugu foi a mesma coisa que aconteceu, né?
Igualzinho. O Gugu era de entretenimento, ele estreia o Gugu, e aí o jornalismo assume o programa do Gugu, e enfim, três meses depois, não lembro agora, seis meses depois, aquele formato que nós desenvolvemos começou a ter problema de audiência e ambos saíram do ar. Chegou um momento que o programa do Gugu, à noite, era muito parecido com o Domingo Show, se você pensar. Às vezes as pautas, o mesmo encaminhamento, ou seja, eu não digo que é um erro, mas acho que talvez aquelas pessoas não estivessem, não tivessem a compreensão do que é misturar jornalismo com entretenimento.
NaTelinha - Isso te frustrou de que maneira, Vildomar? Porque você é escalado para dirigir o Gugu, que eu acho que depois do Silvio, talvez o Gugu seja o grande nome que a gente tenha na comunicação de auditório, né? E você vê o estilo mudar, ser entregue para o jornalismo. Eu teria ficado muito frustrado, porque tem o segundo maior comunicador de massa do Brasil na minha mão, e agora está indo por um caminho que eu não concordo e que vai acabar acontecendo uma coisa que eu já vi não faz muito tempo...
Thiago, eu aprendi uma lição muito cedo, mas de certa forma foi tarde, porque eu poderia ter sofrido menos, que é a seguinte lição. Em televisão, só quem não perde emprego é o dono. Os demais são todos empregados. E é uma ilusão. Diretor, artista, o elenco, o contratado, o talento, achar que é dono da televisão. Eu nunca me senti, nunca achei que eu fosse dono do produto que eu estava dirigindo. Eu sempre fui empregado. Quando o meu executivo, quando o meu chefe tem uma visão que não converge com aquilo que eu estou pensando, eu argumento. Mas se a decisão final desse executivo é aquela, ela deve prevalecer, mesmo contra a minha vontade. Então eu aprendi a não me frustrar quando fui tirado de um produto, ou quando eu fui contrariado, ou quando até a decisão foi em cima de algo que eu sabia que era uma decisão equivocada. Eu viro a página. Eu tive, mesmo quando eu saí do Gugu, eu frequentei a casa dele algumas vezes, de final de semana a gente almoçava, levei meus filhos, que brincavam com os filhos dele, almoçamos na casa dele.
E a gente discutia ainda coisas do programa. E a gente falava disso. A gente tratava dessa questão de que o produto tinha uma essência e que depois essa essência foi modificada e que havia uma preocupação sobre os rumos do que tomaria o programa. Infelizmente, o programa acabou. Programa que estreou com 17 de média, pra você ter uma ideia. A primeira vez que o Gugu vai pra Record, quando ele sai do SBT e vai pros domingos, Gugu estreia com 16 de média. Era o auge da chegada dele na Record. E na segunda vez, quando ele vai nesse programa noturno, que eu participei da implantação, Gugu estreia com 17 de média, fica mais de uma hora na frente da Globo, batendo a novela da Globo. E não lembro agora, acho que o pico foi 23. Uma audiência histórica, mais do que foi a primeira vez. Então, quando o programa começa a entrar numa linha de desgaste, ele já tem essa consciência, a gente conversava a respeito disso, tanto é que o resultado depois foi aquilo que o Gugu não queria fazer, que eram os formatos. Então, acaba-se esse programa, a gente ressuscitou ali de novo os personagens, o Bugalú, a Galinha, enfim. Ele gostava tanto daqueles personagens. A gente trouxe um pouco do calor que tinha os programas que ele fazia na época, no auge da carreira, que era o Viva a Noite, o próprio Domingo Legal, mas se você perceber, até a logo do programa novo do Gugu se inspirava no Viva Noite.
Então tudo isso eu trouxe baseado em uma pesquisa que a Record tinha feito, ela tinha feito uma qualitativa, uma quantitativa, eu trouxe esses elementos que eram para trazer ao Gugu o conforto que ele tinha de uma nova etapa da carreira dele. Mas quando isso é descaracterizado e a audiência começa a não ir bem, infelizmente ele foi empurrado para os formatos que depois acabou também não surtindo o mesmo resultado.
NaTelinha - Você que conversava com o Gugu, Vildomar, você percebia, talvez, o Gugu um pouco desgostoso com o próprio conteúdo que o programa dele estava tomando? Ou você sentia que ele estava satisfeito com o que ele estava colocando no ar?
Thiago, o Gugu foi a pessoa mais incrível que eu conheci na minha vida como um artista. Porque ele tinha uma relevância. Ele era tão grandioso e generoso e simples ao mesmo tempo que eu não conheci ninguém igual. Não conhecia. Eu tenho várias histórias aqui para contar do Gugu que dariam um livro e ia fazer com que a admiração das pessoas crescesse ainda mais a respeito da figura do Gugu. O quanto que ele era uma pessoa simples, o quanto que ele era uma pessoa aplicada, dedicada ao conteúdo, o quanto ele era preocupado com a estratégia, o quanto ele era responsável com a imagem, com os convidados. Eu nunca vi o Gugu reclamar de absolutamente nada. Ele não reclamava das decisões estratégicas da empresa ou da programação, ou do break. Pelo contrário, ele sempre trazia uma reflexão sobre como a gente poderia fazer maior e melhor.
Tem um fato curioso que eu estava viajando com ele para os Estados Unidos para gravar a matéria. E ele todo simples, chegou no aeroporto lá, todo irreconhecível. Moletom, bonézinho, óculos de grau, moletom surrado, um tênis bem surrado e tal. E aí eu vi ele daquele jeito ali, baixinho, nós chegamos, entramos no avião e ninguém notou que era o Gugu, de tão simples que ele era. O comissário veio nos servir durante o voo e não reconheceu.
NaTelinha - Ninguém reconheceu o Gugu no voo?
Não reconheceu. Uma figura completamente simples. E aí foi engraçado que a gente chegou em Miami. A gente tinha ido lá gravar a matéria. E aí era uma época que de tarde fazia calor. Quer dizer, de manhã fazia frio e de tarde fazia calor. E aí quando chegou de manhã, estava um frio, cara. Um frio maluco. E ele falou assim: 'Eu não trouxe roupa de frio'. Aí eu falei assim: 'Então vamos passar no shopping e vamos comprar uma blusa para você'. E aí nós chegamos no shopping chamado Aventura Mall, que fica em Miami, e eu falei: 'Vai ter muito brasileiro lá, vão te incomodar'. 'Não, a gente vai rapidinho, tá?'. Ele entrou numa loja popular, bem popular aqui nos Estados Unidos, e ele pegou duas, três blusas lá, essas blusas de, tipo gola V, né? Blusa de frio. E aí, cara, ele ficou assim olhando o lugar pra provar, e ele falou: 'Vou por em cima mesmo'. Foi no espelho que o pessoal provava a blusa. E eu falei: 'Não, você não vai. Você não vai gravar com uma blusa com a marca simples dessa, cara. Você é o Gugu'. 'Imagina, bobagem, ninguém percebe isso. Vai essa mesmo, essa tá bom demais'. 'Não, cara, vou numa loja de marca comprar uma blusa legal pra você, Gugu'. 'Não, não vai essa mesmo'.
Comprou a blusa simples, provou ali mesmo, no meio da loja, já saiu vestido com a blusa e foi gravar. Uma simplicidade, sabe? Eu lembro que a gente chegou no hotel e ele falou assim: 'Mas para que um hotel tão chique desse? Não precisa disso. Eu só gosto do hotel que tenha um blackout bom, que escureça bem o quarto, que meu quarto fique perto do elevador, que o elevador fica dando aquele plim toda hora o elevador chegando'.
Simples demais. Simples. Eu nunca vi ele reclamar de nada. Pelo contrário. A visão dele era sempre de como ele podia estar melhor naquele dia e no dia seguinte.
NaTelinha - Quando é que você vai lançar um livro? Com essas memórias...
Cara, já me perguntaram muito isso, preciso arrumar tempo para escrever. Quem sabe um dia, né?
NaTelinha - E hoje, Vildomar, para o pessoal saber o que você está fazendo, onde você está morando, como é que você está tocando sua vida hoje, como está a vida do Vildomar Batista?
Thiago, eu moro no planeta Terra. Então é fácil se deslocar do planeta Terra para qualquer lugar. Graças a Deus hoje temos os transportes aéreos, que dá para a gente voar com tranquilidade. Eu tenho hoje uma produtora de conteúdo e de eventos. Já tive convites para voltar à televisão. Não é que a televisão se fechou para mim. Eu entendo que as oportunidades que me ofereceram hoje na televisão estão aquém daquilo que eu gostaria de fazer. Então, eu prefiro esperar uma oportunidade para que o meu trabalho não só seja reconhecido, mas o trabalho que eu faço hoje possa, de alguma forma, ser absorvido por uma plataforma de distribuição ou, quem sabe, por um canal. Talvez eu possa um dia voltar a fazer televisão. Mas esse dia está por vir. E como está por vir, eu não sei quando será.
NaTelinha - Teve algum projeto que você recusou recentemente, que está no ar agora, que você pode revelar?
Teve, teve projetos, mas eu, até por uma questão de respeito a quem me fez o convite, eu não vou falar, porque senão pode haver aqui um pré-julgamento contra esse produto, até contra mim mesmo. Então, eu prefiro manter sempre no ambiente privado os convites que recebi, não só para projetos, como até para fazer avaliação de conteúdos de emissoras de televisão que hoje estão no Brasil. Eu já fui convidado para fazer avaliação sobre determinado produto sem ser contratado para um produto específico. E fiz algumas avaliações para emissoras de produtos específicos, de horários, de parte da grade, mas isso não precisou, não houve a necessidade que eu estivesse ali como um contratado prestando serviço como funcionário que tem que estar lá todos os dias. Mas quem sabe no futuro isso não possa mudar, né, Thiago?
NaTelinha - Mas o que te intrigaria, te instigaria, na verdade, o que te instigaria a voltar para a televisão? Que tipo de projeto, talvez, até, que você não tenha feito ainda, mas que você vê um espaço na televisão para poder fazer e colocar em prática, Vildomar? Tem essa ideia ideal ou algumas ideias ideais?
Eu acho que três fatores me motivariam a voltar para a televisão. O primeiro deles, seria a liberdade. Quando eu digo liberdade, parece uma coisa, parece uma utopia, mas eu quero ter liberdade, a liberdade de poder sentar com acionistas, sentar com executivos e traçarmos juntos os planos de programação, de estratégia, de conteúdo, para aquele produto que a emissora está precisando. Eu repito, essa experiência deu muito certo entre mim e o Gonçalves e a Record. Então, assim, primeiro a liberdade.
Junto com a liberdade, a autoridade, e aí, claro, sob as bênçãos do acionista, dos executivos da casa, para poder testar e implantar. Depois, a paciência e o tempo para ver o resultado que aquilo vai gerar. E, claro, por último, a recompensa. Porque todos nós, Thiago, assim como você, todos nós temos famílias, temos filhos. Então é importante você ter um bom salário, que é uma boa recompensa. Então acho que a junção disso que eu te falei me faria hoje voltar para uma televisão, que eu sei que não tem os mesmos salários, as mesmas condições do passado, os mesmos recursos, mas acredito que numa boa mesa, com bons parceiros, com bons executivos, é possível discutir estratégia, conteúdo, oportunidades e recompensa por aquilo que vai ser prestado.
NaTelinha - E, Vildomar, você assiste televisão? O que você assiste na televisão?
Essa pergunta, Thiago, me fizeram outro dia e é curioso, porque vai parecer clichê, mas é verdade. Eu vejo de tudo. Eu gosto muito de jornalismo. Eu tenho assistido mais programas jornalísticos, documentários também, enfim. Mas eu vejo um pouco de entretenimento, apesar de achar que o entretenimento hoje na televisão brasileira está num grau de cansaço que não me atrai tanto mais. Então, se eu tivesse que destacar aqui dois produtos que me chamam a atenção hoje, eu traria o jornalismo, o esporte e, claro, dentro da linha do jornalismo, que também está o esporte, eu agregaria também documentários.
NaTelinha - Você gosta de documentário, então? Muito streaming, então, hein? Aliás, se algum streaming tiver algum projeto para você, esquecemos de falar dele, você também está aberto, então.
Já tive conversas no passado, mas eu fui demandado para situações que me cobravam mais tempo, então eu deixei esse projeto para o futuro.