Datena descarta volta ao entretenimento e explica porque deixou de acompanhar o Ibope ao vivo
Apresentador relembra programas como o No Coração do Brasil e até ligação de Silvio Santos enquanto comandava game-show na Band

Publicado em 17/06/2025 às 00:20,
atualizado em 17/06/2025 às 15:27
José Luiz Datena não quer voltar ao entretenimento. O apresentador afirma querer seguir no jornalismo, apesar de valorizar os programas mais leves que esteve à frente principalmente na Band. Enquanto comandava o No Coração do Brasil (2006-2009), aliás, chegou a testemunhar um pássaro raro de ser avistado em Fernando de Noronha. A rotina nessa época era bastante atribulada. "Como a gente fazia isso, não sei", diverte-se.
As lembranças foram recordadas em uma longa entrevista ao NaTelinha publicada no YouTube (vídeo ao fim da matéria) e que também aparece aqui em formato de texto. José Luiz Datena é o 11º convidado de uma série de 20 entrevistas com personalidades que fizeram ou fazem a história da TV neste mês que marca as duas décadas do site.
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Agora na RedeTV!, a conversa foi gravada em meados de abril, enquanto ainda dava expediente no SBT. Ele conta que foram quatro tentativas de Silvio Santos (1930-2024) contratá-lo anteriormente. "Eu costumo dizer que o Assis Chateaubriand foi quem fundou a televisão no Brasil. Mas quem formou a televisão brasileira com o conceito de um profissional que virou dono de uma das maiores emissoras do mundo foi o Silvio Santos."
Datena também comenta o atual momento da televisão aberta, o excesso de atrações similares no mesmo horário e revela que pouco utiliza o Ibope em tempo real hoje em dia. "Atrapalha a concepção do programa. Nem sempre condiz com a realidade", observa.
Confira:
NaTelinha - Antes de assinar com o SBT, Datena, por quantas vezes esse acordo bateu na trave, mas na trave mesmo?
Foram pelo menos quatro convites, todos eles do Silvio Santos, diretamente. O último partiu meio que de uma forma indireta, mas praticamente direta, do Guilherme Stoliar, que é uma figura que eu amo de paixão, que me ligou e disse o seguinte: 'Datena, antes de deixar o SBT, eu vou sair do SBT, porque vou me aposentar, vou seguir os meus negócios'. Guilherme Stoliar é um dos grandes nomes da televisão brasileira.
Me ligou, marquei o almoço com ele, com o Maciel, então presidente do SBT, e nesse almoço ficou acordado que eu iria para o SBT. Logo mais à noite eu assinei contrato com o SBT. E iria mudar de emissora quando o Silvio me ligou, disse que era uma honra ter me contratado. Eu também disse, comecei a chorar até, porque o Silvio foi o grande nome da televisão brasileira. A história do Silvio se confunde com a televisão brasileira. Eu costumo dizer que o Assis Chateaubriand foi quem fundou a televisão no Brasil. Mas quem formou a televisão brasileira com o conceito de um profissional que virou dono de uma das maiores emissoras do mundo foi o Silvio Santos. Para ele era uma questão de honra montar uma emissora que até hoje é fantasticamente, muito bem montada, é um lugar que parece um hotel fazenda de tão bonito que é.
O tratamento que ele dava aos funcionários... É uma coisa impressionante. Isso a Daniela continua fazendo com as meninas, que são maravilhosas. Ela é uma figura maravilhosa. Mas, enfim, logo depois que eu aceitei contrato com o Silvio, foi numa sexta-feira que ele me ligou, e no sábado de manhã eu já estava preparado para deixar a Band e vir para o SBT. Quando o Silvio me ligou e falou assim: 'Ô, Datena, nós podemos reduzir a proposta? Porque é muita grana. Eu pensei bem, é muita grana'. Eu falei: 'Ô, Silvio, eu nem comecei, já estou reduzindo o meu salário'. Mas não é nem pelo dinheiro, que eu queria mesmo trabalhar no SBT, mas na época não foi possível, mesmo porque para a Bandeirantes eu era uma figura importante naquela época, onde eu trabalhei mais de 30 anos, e foi bom ter continuado, mas eu, antes de terminar minha carreira, gostaria muito de trabalhar no SBT, e eu realizei o meu sonho, e também, segundo ele, um sonho dele, Silvio Santos.
Quando ele foi me contratar a primeira vez, e foi até uma coisa impressionante, que me ligou o Rafael, era um menino que trabalhava com ele, que eu não conhecia, aliás, ninguém conhecia. Ele disse assim: 'Ô, Datena, você não quer trabalhar no SBT?'. Eu falei: 'Quero, claro. Por quê?'. Ele falou assim: 'Olha, eu tô ligando em nome do Silvio'. Eu falei: 'Cara, você tá de sacanagem comigo? É brincadeira isso aí?'. 'Não, não, não. Espera um pouquinho que o Silvio vai te ligar'. E o Silvio me ligou em seguida, cara. Eu pensei que era o Ceará. Eu falei: 'Ô, Ceará, vai te catar. Pô, não me enche o saco'. E peguei e desliguei o telefone. Logo em seguida o senhor me ligou de novo e deu o telefone dele para eu ligar para a casa dele. Era um telefone que dificilmente as pessoas usavam esse telefone. Era um telefone super hiper privado. Você ligava para ele e na hora que ele queria atender, ele atendia. Às vezes não, você deixava recado e logo depois ele te ligava. Ele me convidou para ir na casa dele e quando eu cheguei lá, ele estava de bermuda de linho, esse sapato tipo mocassim, uma camisa de linho. Eu nunca tinha visto o Silvio Santos nesses trajes.
Eu tinha visto o Silvio Santos poucas vezes no SBT ou então na Record, quando ele visitou a Record. Acho que foi na época que ele contratou o Ratinho, foi lá pagar a multa para o Bispo Edir Macedo. Ele pagou 14 milhões à vista. Ele ia fazer o mesmo comigo na Bandeirantes. A Bandeirantes não me liberou, mas se ela soubesse que ia pagar a multa, eu tenho certeza que me liberava na hora. Ele era um cara muito correto. Mas quando eu vi o Silvio de bermuda, camiseta, ele me convidou para entrar na casa dele, que era no Morumbi, na época era no Morumbi. E tinha uma antessala que era o escritório dele. Pequena a antessala. A casa era mais ou menos grande. Ele era um cara muito humilde.
Aí quando eu vi o Silvio sentado assim, ele falou: 'Datena, vamos fazer mais ou menos'. Que tipo de acordo? Eu falei: 'Para começar, Silvio, eu adoraria trabalhar no SBT. Mas aqui é como se fosse um garoto do interior que encontrasse o Pelé. E o Pelé, quer vir jogar no Santos comigo? Eu falei assim, eu estou mais interessado em saber a sua história'. Ele ficou três horas e meia falando da história dele, desde o começo dele como camelô, passando por conhecer o Manuel de Nóbrega, pai do Carlos Alberto. Depois, como ele fundou o Baú da Felicidade. Foram três horas e meia de uma aula impressionante. E ele me disse assim, no fim: 'Datena, é o seguinte, eu tenho que te contratar porque você dá audiência na Band. Agora, dar audiência na Globo é fácil. A pessoa dá 18 pontos na Globo, 17 pertencem à Globo. Um é a pessoa, então não me interessa esse tipo de gente. Você agregaria ao SBT, então eu nem gosto do seu tipo de programa. Mas você, na minha opinião, é o melhor apresentador para esse tipo de programa na televisão. Eles querem fazer um programa como o seu e você é o meu apresentador preferido para esse tipo de programa'.
E aí, deixamos mais ou menos acordado, mas depois, na sequência, não teve jeito. Acabei ficando na Band mesmo. E agora? Felizmente estou no SBT, mas tem um prazo de validade porque eu já estou pensando em pendurar as chuteiras. É essa história de que a pessoa fica com longevidade, eu vou morrer trabalhando e tal. No meu caso, por uma questão até de saúde, como eu tenho várias comorbidades, eu já tive tumor no pâncreas, já tive infarto, tenho seis stents, não é todo dia que eu passo bem. Para dar essa entrevista aqui, eu tive que tomar os meus remédios diários todos para pressão, para controle de diabetes. Para poder trabalhar é uma dificuldade. São três horas e meia de programa para mim. Eu, sinceramente, vou todo dia para o caminho pensando no dia em que eu realmente vou escolher para finalizar a minha carreira. Não está muito longe disso. Isso eu estou falando para você em absoluta primeira mão. Mas eu já disse algumas vezes, porque eu acho que tem que abrir espaço para a mulher. Eu acho que eu já fiz de tudo em televisão, tudo que eu queria. Fiz de tudo que eu gostaria de fazer em rádio, tudo que eu queria. Então, a qualquer momento, eu devo entrar em contato com o SBT. O meu plano mesmo seria chegar até o fim do ano. Está na hora.
A TV aberta precisa trilhar o seu espaço e recuperar a audiência perdida. Não sei se é no streaming, se é na internet, mas eu acho que tem que ter uma recuperação de audiência e acho que o que sobrevive ainda em televisão é entretenimento e informação, é notícia. E a notícia tem que ser dada de uma forma muito rápida e de uma forma que pouco interpretativa.
Essa história de formadores de opinião está acabando a cada dia que passa. O cara quer consumir notícia. E hoje todo mundo em dia, cá entre nós com a rede social, virou comentarista de tudo. De tudo que você pode imaginar. O cara não é médico, fala sobre medicina. O cara não é advogado, fala sobre direito. Mais ou menos assim como apresentador de televisão como eu. Então todo mundo virou comentarista. O cara está se lixando para a opinião do cara que está apresentando lá. O cara tem a própria opinião dele. Se é correto ou se não é, não sei. É a realidade. Então, essa história do cara formador de opinião, claro que tem algumas pessoas que têm carisma, mesmo sem comentar. Mas você reparou que hoje em dia as pessoas estão falando cada vez menos?
Primeiro que tem medo de expor o que pensa. A maioria das pessoas hoje não fala o que pensa, porque tem medo de ser policiado pela rede social. A rede social é muito legal, não tem como se fugir de internet, a comunicação tem a conversão para os meios de internet, e tem que ter mesmo, porque a internet é fantástica. Os meios de comunicação que não têm participação na internet têm por tendência a participar ou então se extinguir. Tem que ter participação. Como vai ser feita essa integração, que já está sendo feita, não sei como é que é, porque as linguagens são ainda diferentes, mas há que se encontrar um caminho para fazer um amálgama, uma ligação direta entre a linguagem e a internet. E linguagem da televisão.
A gente sobrevive hoje como televisão aberta, e é muito importante dizer isso, porque a televisão aberta passou a fazer mais ou menos o que a função do rádio fazia quando a televisão apareceu no Brasil e apareceu no rádio, nos grandes programas de rádio. Diziam que o rádio ia desaparecer, não desapareceu. Hoje o rádio chega a ser mais forte em alguns programas de rádio do que muita televisão. E a televisão está fazendo esse papel hoje. Por isso que vai sobreviver e tenho certeza absoluta que vai voltar a ocupar o seu espaço. Mas tem que seguir pelo caminho da modernidade. E dar notícia com rapidez, com a mesma rapidez que o rádio dá, entendeu? O rádio foi favorecido pela internet porque hoje todo mundo tem som igual.
Antigamente, a rádio que se destacava mais era a rádio que tinha melhor som, porque tinha rádio que não pegava em determinados pontos do Brasil ou mesmo do bairro e da cidade que você está. Então, Rádio Globo, Rádio Bandeirantes, que tinham uma audiência enorme, era um poderio de som enorme e que as pessoas ouviam. Ouviam porque era agradável ouvir, ouviam porque conseguiam ouvir. Hoje fica tudo igual, porque todo mundo pela internet acompanhando o rádio e o som digital. A televisão está encontrando o seu espaço, vai sobreviver. Os grandes nomes da televisão, eu tenho a impressão que na minha área, tem por tendência a serem absorvidos pela notícia. Acho que a notícia é fundamental em primeiro lugar. E o cara quer consumir notícia e rapidamente.
Eu não entendo ainda como é que sobrevivem jornais como o meu, que tem três horas e meia, cara.
NaTelinha - Com vários concorrentes parecidos com você.
Não, não cabe. Essa concorrência nesse horário é uma coisa absurda. Não cabem três programas de televisão com o mesmo formato jornalístico no mesmo horário. Fica todo mundo dividindo a audiência. E não sobra quase que nada. Eu acho que não cabe. É muita coisa pro horário. Essa é a minha opinião. Não sei dos especialistas, mas essa é a minha opinião. Faz mais ou menos 26 anos que eu apresento isso. No Cidade Alerta, a gente dava todo dia 14 pontos de média. Batia a Globo na maioria das vezes.
NaTelinha - Nenhum programa fora da Globo hoje dá isso.
É, tanto que eu cheguei a ser contratado pela Globo porque eu atrapalhava as novelas da Globo, assinei contrato. E o Bispo Gonçalves rasgou o meu contrato, falou que queria que eu ficasse na Record naquela época, mas era outra realidade. A gente dava 14 pontos de média, com 19, 20 de pico, entendeu? Hoje a realidade é completamente diferente e nós temos que nos adaptar a isso aí. Primeiro, acho que reduzindo o tamanho desses programas, na minha opinião, não vale nada. E talvez, não sei se com tanto programa desse tipo de gênero no horário. Eu acho que a tendência é que diminua o tamanho do programa primeiro e talvez o formato do programa também.
NaTelinha - Você falou que quer se aposentar, se planeja se aposentar em breve. Tirando um pouquinho o foco do policial, eu ia te perguntar se você ainda tenta almejar um programa no entretenimento no SBT, porque na Band, essa última experiência pode não ter sido até das melhores, mas tem um programa que está no ar, não sei se você assiste, que é o Acerte ou Caia do Tom Cavalcante, que eu considero um baita acerto, mas que você comandou o Quem Fica em Pé? que deu muito certo na Band.
Deu pra caramba, a gente começou em segundo lugar, batia as outras televisões, e aí, teve gênio que começou a achar que tinha que colocar o programa todo dia. Desgasta o programa. Aí começaram a colocar o programa todo dia e ficou um modelo cansativo. E começaram a encher de comercial. Venderam comercial pra caramba, a audiência caiu e depois de um ano o programa ficou caro. Mas enquanto ele foi viável, era segundo lugar de audiência. O Silvio me ligou um dia: 'Eu estou assistindo aqui o programa do buraco. É muito bom, hein, Datena? O programa do buraco é muito bom'. E naquela época era excepcional mesmo. Era o mesmo formato que o Tom faz. Claro que o Tom é muito mais brilhante do que eu apresentando o programa. Ele é um gênio. Um dos maiores humoristas que eu conheci na minha vida. Mas eu quebrava o galho e fazia bem feito o programa. O único problema é que a grana era curta já naquela época.
E você tinha 500 paus pra dar durante aí, acho que um mês, um mês e meio. Eu dava 500 paus em uma semana. E aí os caras me chamaram: 'Ô Datena, você tá louco?'. Porque o cara metia uma pergunta difícil pro cara responder, eu fazia uma pergunta fácil pra pessoa ganhar. Eu queria distribuir grana pra todo mundo. Mas enfim, depois teve que ter uma adaptação e eu segui as regras do jogo. Mas era um programa muito bom. Agora, esse programa que eu fazia os domingos, cara, pra você ter uma ideia, a parte musical era muito grande. Eram três horas. Mas olha quem foi lá. Anitta, Bruno & Marrone, Amado Batista, Jota Quest, Dinho Ouro Preto, Zezé Di Camargo, Daniel... Enfim, os grandes nomes da música brasileira. Iza, que estava começando... Ferrugem. Entendeu? Os grandes nomes da música brasileira passaram por ali.
Eram horas e horas de música, que eu achava que era muita coisa, seis horas, e que a parte musical chegou a dar audiência no começo, depois caiu um pouquinho. A parte musical era enorme, mas era muito boa, era muito bem produzida. O cenário era maravilhoso, a Band me deu todas as condições de fazer. Só que eu tinha uma ideia que era diferente disso, era fazer pelo menos de meia hora a uma hora de música e fazer notícia.
Eu fui ampliando a parte do noticiário, do Agora é com o Datena. Então eram duas horas de noticiário, uma, depois eu passei para duas, depois eu passei para três e fui tirando um pouco de música. Esse horário, o que a gente fazia? Antecipava as notícias do Fantástico e do Domingo Espetacular. Com esse horário eu cheguei a dar 12 pontos, ficar 1 ponto no Faustão, bater de longe a Record, a 8 pontos de média nesse horário. Ou então era 4, 5 de média com o jornalismo. Eu passei a dizer para a Band, olha, vocês diminuam a parte de música e deixam o jornalismo, que o Domingo Espetacular e o Fantástico entram muito tarde, para quem está assistindo televisão e tem que acordar na segunda-feira.
Se a gente fizer um jornalismo bem feito e investir no jornalismo, mas aí teve gente que achava que 5 pontos de média era ruim, que devia mexer. Tinha muita gente que não gostava de mim, aliás. Todo lugar que eu vou tem gente que não gosta de mim. Eu também não faço questão nenhuma de popularidade ou de ser campeão mundial de simpatia. Não faço nenhuma questão disso. Mas eu não gosto também de ser puxa-saco, de jeito nenhum. Se depender de eu baixar a cabeça com coisa que eu esteja certo, realmente eu não baixo. Quando eu tenho convicção daquilo que eu estou certo, muitas vezes eu acho que estou certo e estou errado e me desculpo por isso.
Mas quando eu acho que estou certo, e cá entre nós, com tanto tempo que eu tenho de televisão, muita gente famosa já pediu conselho para mim em termos de programação. Então, eu devo conhecer um pouquinho de televisão. Eu acho que aquele programa teria dado certo, mas eu não penso mais em fazer entretenimento, não. Eu acho que eu tive as oportunidades que eu tive. Fiz o Coração do Brasil, que foi um sucesso.
NaTelinha - Quero falar desse programa. Eu acho que foi o programa mais delicioso, talvez, olhando essa biografia que você tem apresentado, que deve ter dado muito prazer pra você de ter feito esse programa, né? E durou muito tempo, cara. Como é que era conciliar Brasil Urgente com No Coração do Brasil?
Foi. Eu era bem mais novo. Pra você ter uma ideia da loucura que era, a gente saía daqui na sexta-feira, eu, a Miloca, que era cunhada do meu irmão Sócrates, que infelizmente já nos deixou, e uma equipe, o Nelsinho, uma equipe que não era muito grande, dois cinegrafistas, para a época até que tinha uma estrutura legal, mas eu saía daqui da sexta-feira à noite, quando acabava o Brasil Urgente, e voltava na segunda com pelo menos quatro programas gravados. Era uma loucura. Você ia para um determinado estado e gravava quatro programas, e todos eles de uma hora, hein? São quatro horas de programa. Normalmente a gente gravava no sábado e no domingo a gente se divertia. E como a gente fazia isso, não sei. Mas fazia. Sabe por quê?
Eu tenho uma coisa legal, que é a velocidade do rádio. Dificilmente eu erro em gravação. Eu faço plano sequência. Era razoavelmente bem feito e não tinha erro. Então eu gravava como se fosse ao vivo. E era muito fácil. Era uma equipe com ótimos profissionais. A Miloca foi uma moça muito talentosa, magnífica companheira, infelizmente já nos deixou. Mas era uma loucura. A gente voltava com quatro programas. Nós fomos uma vez em Fernando de Noronha e pegamos um pássaro lá, que segundo diz, é muito raro de se avistar. Aí me ligou o Chico José. Foi um dos maiores repórteres que eu conheci. Não sei se foi o Chico José. Foi o Chico que me ligou? Acho que foi o Chico. Estava em dúvida se era outro cara, se era o Bial ou o Chico.
Acho que foi o Chico. Chico me ligou e falou assim: 'Cara, como é que você conseguiu gravar aquele passarinho? Eu fiquei seis meses para gravar aquele passarinho em Noronha'. Foi o Chico, porque ele era de Pernambuco e ia sempre para tentar gravar o passarinho. Falei: 'Chico, acho que é porque eu bebi para caramba que consegui ver aquele passarinho'. É que a gente gravava com muita rapidez, entendeu? E tinha muita dose de sorte também.
NaTelinha - Você não descansava, então, era isso? De domingo a domingo você trabalhava?
Não parava. Descansava praticamente no domingo depois das gravações. E eram papos maravilhosos em locais paradisíacos, até alguém escreveu: 'Poxa, o Datena está diferente nesse programa, é diferente do Brasil Urgente'. Aí eu até respondi: 'Vou bater no golfinho, chutar a baleia que eu estou vendo aqui?'. Porque foram programas memoráveis, foram coisas assim, a gente ficava pertinho de baleia-jubarte, tinha abrolhos, eu mergulhei umas duas ou três vezes, a única coisa que atrapalhava era a minha imagem, porque eu estava pesando quase 150 quilos, então tinha lá um... A gente tava tomando uma cervejinha no final de uma gravação, em Natal. Aí eu falei pra Miloca, eu falei: 'Miloca, será que nós bebemos demais? Ou será que botaram alguma coisa nessa bebida?', Já tinha acabado a gravação. Eu nunca trabalhei chumbado, nunca. Eu era um moleque que eu bebia muito, mas nunca bebia antes de trabalho, nem antes, nem durante, e só depois, quando tinha passado o trabalho.
Nunca trabalhei sob efeito de álcool, me fazia muito mal, me atrapalhava muito. Eu tentei um dia fazer um jogo assim, porque faltou um locutor. Me chamaram no domingo em casa pra fazer. Foi um desastre, como radialista. Então, nunca bebi pra trabalhar. Mas depois do trabalho, a gente tava tomando uma cervejinha na praia, assim, eu falei: 'Ô, Miloca, será que eu tô enganado? Eu tô vendo um camelo aqui, pô. Isso era em Natal'. Eu falei assim: 'Como camelo? Você tá louco?'. Falei: 'Esse cara deve ter botado alguma coisa na bebida aqui. Peguei um tampo e falei, não, não'. Falei: 'Cara, tô vendo um camelo'. Ele falou: 'Não, mas é camelo, sim'. E tinham seis camelos. Na verdade, isso aqui era dromedário.
Tava lá o dromedário e tal. Falei: 'Mas que raio de camelo tá fazendo aqui na praia?'. O cara falou: 'É um suíço que veio pra cá'. Ele tinha recém criado esse suíço, aquele passeio de camelo, dromedário, sei lá que bicho era. Era parecido com camelo, lá nas dunas de Natal. E eu fui subindo o camelo, o camelo quase morreu, coitado. Eu pesava 150 quilos. Começou a passar mal o camelo. Aí tinha paisagens paradisíacas, né? Um abrolho. O abrolho é um dos pontos mais bonitos que a gente conhece do litoral do Brasil. É perto de Cabralha, onde Cabral chegou lá no Monte Pascual. Perto do Monte Pascual, fica a 70 quilômetros da costa baiana, na direção de Cabrália, onde tem o Monte Pascoal, onde Cabral chegou para descobrir o Brasil.
Cabrália, é uma cidade histórica, que pouca gente conhece, mas é uma cidade histórica. E fica a 70 quilômetros ali. Fomos de helicóptero até Abrolhos e depois voltamos de barco. Então nós vimos baleia-jubarte pra caramba. E eram coisas incríveis, coisas que essas equipes de National Geographic, que ficam meses pra gravar um programa, no Araguaia, por exemplo, a gente pegando os botos, cercando peixes pra fazer pesca, os caras montavam paliçadas no meio do Rio Araguaia, demorava seis, sete meses pra pegar uma cena que a gente pegava por sorte e por competência dos profissionais que havia ali também, que se interagiam, com as pessoas do local, onde eram os locais para a gente fazer esses avistamentos. E foram cenas memoráveis.
A única coisa que atrapalhava, cara, é que, de repente, aquela paisagem bonita, entrava o Datenão, com as camisas lacostes, com 150 quilos, e atrapalhava completamente a imagem. Mas era um programa legal. Era um programa legal. Nós gravamos mais ou menos uns 50 programas.
NaTelinha - De 2006 a 2009... Tem alguns programas aqui no YouTube.
Tem alguns, tem alguns, bem legal. Ah, o YouTube tem coisas fantásticas. Tem tudo, tem tudo. Eu era repórter esportivo, que aliás, grande parte da minha carreira foi como repórter esportivo. A maior parte da minha carreira, não sei se pela idade, bom, mas ainda assim foi.
Eu comecei muito cedo. Então, grande parte da minha carreira foi como repórter esportivo de rádio, depois locutor de rádio em Ribeirão Preto, e depois em televisão. Eu comecei a fazer televisão na Globo, pelas mãos do Oliveira Andrade. Foi um grande locutor. Aí na EPTV. E aí o Boni me levou, me trouxe aqui para São Paulo para fazer o Globo Esportes, que na época era apresentado pelo Osmar Santos. Então éramos eu, o Cabrini, tinha um time grande, Gilson Ribeiro, e o Canuto fazia do Nordeste. Eu fazia umas matérias legais em Ribeirão Preto.
NaTelinha - Fazia, está disponível no YouTube também.
É, eu fazia com o Peu, e o Peu foi um jogador que jogou no Botafogo de Ribeirão. Aliás, onde eu joguei também, muito mal, mas joguei.
NaTelinha - Tem tanto bagre jogando, Datena.
Hoje eu seria um beque botinudo. Não seria bom de bola, mas seria um beque botinudo. Joguei durante boa parte da minha vida aí no Botafogo de Ribeirão com o Jorginho, o Zé Bernardes. O Zé Bernardes que é um grande médico hoje aí, o Jorginho um grande engenheiro. Mas havia grandes craques. Maurício, tinha gente boa pra caramba. Grandes jogadores. E dentre eles o Sócrates, que era uma categoria acima da minha. E que por causa dele acho que eu jogava no time que ele era meu irmão, entendeu? Mas os meninos também eram muito bons de bola e superavam a minha qualidade técnica absolutamente questionável. Mas eu tô lá de zagueirão, joguei Come-Fogo e tal.
Contra o meu Comercial, que me doía, o coração dele sempre ganhava. A gente sempre ganhava do Comercial. Me doía o coração. Lá no fundo me doía o coração. Mas enfim, a maior parte da minha carreira esportiva foi aí em Ribeirão como locutor e como repórter de rádio. Um bom repórter e um péssimo locutor. Era muito ruim.
NaTelinha - Você se acha péssimo locutor?
Como locutor era ruim. Depois em televisão, depois de muito tempo do Luciano e do Silvio Luiz me ensinando, eu aprendi um pouquinho, aí fiquei menos ruim. Mas nunca fui um locutor tipo classe A, como locutor de televisão. Mas quebrava um galho. Até pouco tempo eu quebrava um galho, porque eu era o quinto narrador de cinco narradores que havia na Band. Então, tudo que os narradores não queriam fazer, eu era obrigado a fazer.
Eu fazia tênis, fazia corrida de moto de madrugada, de moto velocidade de madrugada, fazia futebol americano com o Silvio Lancelotti, também de madrugada. Basquete, eu acho que, com o Luciano, eu fui um dos primeiros locutores a fazer NBA. E pegava grandes jogos, que quando o Luciano não podia ir, isso era a maioria do tempo, porque o Luciano era um cara muito atarefado e tinha outros jogos para fazer, e era tudo jogo de madrugada. Eu saía de Ribeirão, pegava um busão à tarde, tipo 18h, quando não era campeonato brasileiro, quando era NBA. Pegava um busão à tarde, depois pegava um busão no meio do caminho da ponte do Piqueri, ia até a Band de busão, e aí fazia jogos da NBA.
Começava entre 0h e 1h, e terminavam 3h. Ia para a rodoviária no terminal do Tietê, só tinha ônibus às 6h. Eu chegava antes, tinha que dormir na rodoviária. Imagina hoje você dormir na rodoviária. Não era nem terminal do Tietê. No começo era a rodoviária velha em frente à Estação da Luz. Era uma toda colorida. Hoje, se você dormir na rodoviária, você acorda pelado, porque o cara te rouba.
NaTelinha - Ou nem acorda.
Se possível, não acorda. Às vezes, não acorda. Mas eu dormia na rodoviária, fazia frio, me cobria lá com os casacões, pegava o Cometão, Rápido, tipo 6h... 12h eu estava em Ribeirão, eu ia correr, fazer exercício, porque na época eu corria muito. Eu não tinha carro, eu ia trabalhar correndo. E muitas vezes, onde eu estudava e fazia rádio Renascença. Então eu ia de casa, que ficava perto do Hospital São Lucas, até a UNAERP, por incrível que pareça, as pessoas que veem o meu corpinho hoje não acreditam, mas eu ia correndo, subia a Costábile Romano correndo, que era duro subir.
NaTelinha - Continua duro, viu?
E chegava na UNAERP. Quando eu não corria, eu conseguia pegar uma carona, eu fazia faculdade durante o dia, então eu tinha que chegar por volta de 10h30, 11h, lá na faculdade, e a rádio era às 18h. Fazia 12h também, quando dava uma folgazinha lá na UNAERP, fazia a rádio, depois tinha que fazer às 6h. Eu chegava a correr de três a quatro horas por dia naquela pista que tinha na UNAERP. E por isso eu era magrelo pra caramba, eu pesava 63kg. Era muito magro. Eu fui até modelo em Ribeirão. Eu filava para o Décio Magazan. Era uma loja conhecida pra caramba. E eu era um dos modelos. Fazia desfile nas cidades aí, São Simão e tal. Eu fazia desfile, cara.
Foi uma boa loucura. Também, com 68 anos de idade, como já falei, já deu pra fazer muita coisa. São quase 100 anos, cara. Quase um centenário.
NaTelinha - Espero que você chegue lá.
Não, eu espero não chegar, não. Eu não desejo isso para ninguém. Eu não quero chegar a 100. Eu não esperava chegar a 50. Não, a 100 com certeza eu não chego. Mas eu vou levando. Eu vivo cada dia, como o Simeone diz, o técnico do Atlético de Madrid, a cada partida se ganha um campeonato. Ele não ganha faz tempo, mas ganhou já no Barcelona, jogando no estádio do Barcelona. Foi uma derrota que me doeu muito, porque eu torci demais para o Barcelona, eu ainda torço para o Barcelona. Mas, eu vou vivendo cada dia. É a filosofia do Simeone. E não reclamo, porque eu já vivi bem e Deus já me deu oportunidade de escapar de cada uma que muita gente não teve essa oportunidade. Sou muito grato a Deus por tudo.
NaTelinha - E você está com saudade de fazer futebol na televisão? Teve a oportunidade de fazer isso no SBT?
Não, eu faço do SBT o pós-jogo. Faço com frequência com o Tiago e com o Pato. Aí até a molecada comenta que jamais imaginei ver o Datena com o Tiago. É diferente. É o Tiago comigo, porque eu fiz 35 anos de transmissões. Mais do que isso. De rádio e televisão tem mais do que isso. É a maior parte da minha vida. E eu até expliquei para o Tiago e para o Pato que eu entendia um pouco de futebol, porque eu tinha verdadeiras aulas de futebol. Porque eu já fiz jogo com Pelé de comentarista, com Rivelino, com Sócrates, com Zico. Isso que eu lembro. Com o Neto, com o Mário Sérgio. Só com, além do Juarez Soares e outros grandes comentaristas. Só fera, só fera. Mas craques de futebol, Carlos Alberto, a maioria dos grandes jogadores de futebol e os mais recentes, né? Os mais recentes. Mauro Silva, Edmundo, na Copa do Brasil, disputado aqui no Brasil. Edmundo, quando eu anunciei o Edmundo, eu até fiquei emocionado, porque eu adorava o Edmundo. Ele estava no Rio, eu aqui, e fazendo um jogo lá no Rio. Eu fazendo o offtube e ele lá no Rio de Janeiro. Era um jogo, não sei se era do Brasil. Era Espanha e não sei que time que era. Pela Band Aberta, que eu fiz a Band, eu fiz o Band Esporte da Copa do Brasil, na Copa disputada no Brasil, que a Alemanha ganhou. Fiz os principais jogos, os jogos do Brasil no Band Esporte e na TV Aberta fazia o TEL. Mas eu fazia grandes jogos também, de Argentina, de Portugal, de Alemanha, na TV aberta. E eu fui fazer com o Edmundo, o Edmundo começou a chorar.
Aí eu falei: 'Cara, está na hora de eu parar, porque o cara está chorando, o Edmundo, assim...'. 'Que emoção trabalhar com você, Datena'. Então eu já devia ter parado lá atrás, mas o Edmundo me emocionou, porque o Edmundo é um cara muito sensível. Ele é um cara muito bacana. As pessoas não conhecem o Edmundo. Ele começou a chorar porque estava fazendo uma partida comigo e eu fiquei emocionado, sinceramente. Mas acho que a minha cota já está cumprida também no esporte.
NaTelinha - A pulguinha do entretenimento começou a te picar ainda na Record, que apostou em você no programa No Vermelho. Quem é que apostou em você lá?
Sabe quanto dava de média o No Vermelho na época do Domingão? Em cima de Faustão, desses caras. Dava 6 pontos de média com 8 de pico. Com a concorrência que tinha. E às vezes quebrava os equipamentos, tinha lá provas aí, e o cara ia correr, caía. Mas dava uma audiência que era considerada, hoje seria gênio. Você dando essa audiência de 6 pontos de média naquele horário, seria gênio, entendeu? Mas era uma audiência muito acima do limite. Até que assumiu um diretor-presidente da Record... Eu nunca mais vi falar dele. Depois até que mais ou menos que fiz as pazes com o cara.
Não é o Gonçalves, porque o Gonçalves é um cara muito amigo meu. Mas foi um cara que assumiu e falou assim: 'Olha, a partir de hoje você não faz mais esse programa de domingo, porque você não pode fazer dois programas ao mesmo tempo'. Eu chegava a terminar o Cidade Alerta e fazer jogos de futebol, que a Record fazia em parceria com aquela equipe do Luciano Callegari, que foi para a Record na época. Fiz grandes jogos. Eu pegava avião, ia, por exemplo, para o Maracanã, depois do Cidade Alerta, narrar jogo de São Paulo e Flamengo, e daí por diante. Aí o cara chegou pra mim: 'Você não pode fazer mais que uma coisa aqui, porque a Record é uma emissora grande'. Não vou citar quem era o cara, mas eu falei: 'Mas o seu amigo aí faz três programas aqui'.
Ele falou assim: 'Mas você disse bem, ele é meu amigo, você não é'. Três meses depois, eu mandei ele andar, tomei aquela multa de 10 milhões de dólares, que eu acabei pagando, hoje seria 60 milhões de reais, me levaram o carro, casa, mas eu paguei a dívida. Eu me lembro que o cara chegou... Um cara importante da Band chegou, ele vai lembrar. Chegou para mim e falou assim: 'Ah, não paga essa dívida, cara. Ninguém paga dívida no Brasil, ninguém vai preso por causa de dívida'. Eu falei: 'Ah, é? O que eu vou dizer na televisão? Eu fico defendendo princípios morais, não vou pagar a dívida?'. Paguei uma em cima da outra, perdi. carro, casa, apartamento.
NaTelinha - Isso em 2011, né?
É, acho que foi. Não gosto muito de lembrar disso, mas eu não ligo muito pra grana, não. Eu consegui me recuperar e pra viver eu e a minha mulher, pra vivermos nós dois, eu tenho pra viver e se possível ajudar as pessoas do jeito que eu ajudo, principalmente as pessoas da minha família, que já não estão precisando mais, porque todos eles têm as suas carreiras, são brilhantes naquilo que fazem. E claro que os filhos fazendo sucesso é muito mais importante do que a gente fazer.
NaTelinha - Sem dúvida. Datena, hoje no SBT a gente vê você um pouco mais solto, talvez, variando um pouco mais os cenários, menos preso ao estúdio. Você circula, vai para a redação, conversa ali com os profissionais, essa coisa toda. Por que você parece que está mais solto agora?
Primeiro que a gente tem que criar conteúdo. Você tem que se adaptar. São três horas e meia de programa. Aí, de repente, eu recebi a notícia de que: 'Olha, você vai mudar de estúdio'. Falei: 'Tá bom. Onde é que é?'. Na redação. Eu nunca tive uma experiência muito boa de fazer programa na redação, porque eu sempre ficava num estúdiozinho pequeno lá na Record e dava certo. Com o Cidade Alerta. E eu tenho meio que aversão a muita gente em volta por causa da época do futebol.
Isso aqui é uma solução para conteúdo de três horas e meia. Ninguém tem conteúdo para três horas e meia. E tem o locutor que gosta de ficar comentando, falando. Eu não gosto. Eu gosto de apresentar mais matéria, mais helicóptero. Eu giro mais helicóptero. Tem cara que gosta de ficar demonstrando que tem conhecimento. Tem cara que gosta de ficar aparecendo na televisão. Tem programa que eu não apareço. Quando tem cobertura de enchente, eu fico três horas fora do ar, deixa só o Hamilton fazendo as imagens, que eu ainda acho que a imagem da notícia é mais importante que o cara que está ali.
Mas então, para criar conteúdo para três horas e meia de programa, eu falei: 'Cara, é uma solução eu mostrar esses caras que de verdade fazem o programa'. São os editores, são os caras que estão na redação. Mostrar a mecânica da televisão. E quanto a gente tem ali, o bobão aqui fica apresentando o programa e levando os méritos do programa, ou então levando ferro.
NaTelinha - Levando ferro de quem?
Críticas que acontecem aí todo dia. Que, aliás, eu acho que são válidas. Todo mundo tem a sua profissão e cada um tem o direito de fazer o que quer. Tanto faz o telespectador como os analistas de televisão. Eu respeito, são meus colegas de profissão. Antigamente brigava muito com eles. Hoje não. Hoje eu respeito todos. E tanto faz a crítica positiva ou negativa. Ninguém gosta de crítica. O cara que fala que 'eu aceito crítica construtiva', uma ova. Ninguém gosta de crítica, só gosta de elogio. O cara te ama quando você elogia. Quando você critica, ele passa a te odiar. Ninguém gosta de ser criticado. Mas eu achei que seria uma solução e ao mesmo tempo mostrar mesmo a molecada que está fazendo o programa. Então fica legal. Eu vou para a redação, converso com a galera e tal, bato o papo e ao mesmo tempo eu dou notícia. Você cria conteúdo ali. Antes da matéria estar pronta, porque às vezes demora para editar. Porque a produção de um programa desse é pesadíssima e nem sempre você tem tantos profissionais como deveria ter.
Então, enquanto a matéria ficar pronta, você já dá a notícia, que a notícia é importante. E dá com quem? Com o editor que está fazendo a matéria. E já apresenta o conteúdo do SBT Brasil, cuja minha única função sempre foi, nas emissoras todas que eu trabalhei, foi alavancar o principal jornal da casa. Foi entregar bem para o principal jornal da casa. Eu reconheço isso, eu nunca fui protagonista. Eu acabei virando protagonista porque tinha um Ibope muito alto. Mas eu nunca fui protagonista.
Eu sempre fui o cara que preparava a bola para a estrela meter para o gol. E eu continuo fazendo esse papel. E, aliás, com muita dignidade e respeito o César Filho, como respeitei ao Nascimento, com respeitei o Boris Casoy, como respeitei grandes apresentadores da televisão brasileira.
NaTelinha - Mas você ainda é viciado em número de audiência, Datena? Você fica olhando minuto a minuto até hoje, recebendo informação no ponto?
Não, não, não. De vez em quando as pessoas me passam a audiência, mas eu tenho pedido para não passar mais, porque eu acho que o minuto a minuto atrapalha a concepção do programa. Nem sempre condiz com a realidade. Não é porque eu questione hoje em dia a aferição, não questiono. É que São Paulo é uma cidade muito grande, é uma cidade-estado, cara. Tem 23 milhões de habitantes em São Paulo. Cabe aqui duas populações de Bruxelas da Bélgica, que é a capital da comunidade europeia, vários estados europeus e até sul-americanos, cabem dentro do perímetro de São Paulo, que tem a metade do estado de São Paulo, demograficamente mais ocupado do Brasil, são 44 milhões, metade está aqui.
Então, acho que é difícil você aferir a audiência. Por exemplo, o Ibope não vai em lugares considerados perigosos. Pô, que local que não é considerado perigoso hoje em dia em São Paulo? Concorda comigo? Então, é uma aferição, a única que nós temos. Ela tem que ser levada em consideração, claro que tem que ser levada em consideração, hoje eu respeito essa aferição, mas eu não acho que seja completamente fiel àquilo que está acontecendo, entendeu?
NaTelinha - Você acha que tem mais audiência do que mostram?
Eu acho que todo mundo tem mais audiência do que mostra. Eu acho que todo mundo tem. Mas isso é uma coisa que, com o tempo, também, quem faz a aferição vai se aperfeiçoando, cria novos mecanismos para você aferir a audiência com mais precisão. Eu não estou questionando em termos morais ou legais. Eu acho que só fica difícil para você dar realmente a audiência que está acontecendo naquele momento, entendeu? É claro que hoje, com mecanismos de inteligência artificial, projeções e tal, vai ficando cada vez mais próximo da realidade. Mas acho que a TV aberta tem mais audiência do que parece ter, porque eu sinto isso. Porque não mudou muito da época que eu trabalhava dando 18, 20 pontos para hoje.
Quando eu saio na rua, o reconhecimento é quase que o mesmo. É difícil eu sair, eu dificilmente saio de casa, mas quando saio, o reconhecimento é praticamente o mesmo.
NaTelinha - E você ficou receoso, vamos colocar assim, de concorrer com o seu próprio filho na Band ou você já enxerga isso com mais naturalidade? É de boa, vocês se falam?
Não, o Joel eu trouxe para São Paulo, fui eu quem trouxe o Joel para São Paulo, quando ele saiu da Band lá de de Goiânia, eu trouxe o Joel para São Paulo. E é claro, o Joel é meu filho. Eu tenho o maior orgulho daquilo que ele faz. Quanto ao fato de concorrer comigo, faz parte do jogo. Quantas vezes a gente já viu isso? Agora, o que a gente tem visto é o Lebron jogando com o filho dele. Eu já joguei com o meu durante muito tempo. Mas era uma questão de sobrevivência. Ou eu aceitava o convite do SBT, ou não ia fazer mais jornalismo. Eu acho que tinha condição de fazer jornalismo e aceitei o convite do SBT. A Band queria que eu fizesse programa de entretenimento, eu não queria fazer mais. Por questões que eu não sei, só a Band pode responder. Mas foi logo depois da política em que eu parti para uma outra emissora, mas fazendo aquilo que eu gostaria de fazer, que é encerrar minha carreira fazendo jornalismo. Por via das dúvidas, a Band fez a jogada certa.
Ela colocou o meu filho para apresentar o programa que eu apresentava com certo sucesso durante a vida inteira. E ele está fazendo o trabalho com dignidade e fazendo muito bem. Eu tenho outro filho que apresenta programa policial. Ele é brilhante também no que faz. É o Vicente lá em Goiás. Então, está tudo certo. Os meus filhos são todos eles, graças a Deus, muito melhores que o pai. Tanto pessoalmente quanto profissionalmente. São excepcionais.
Eu digo, a maior alegria que eu tenho é ver a felicidade dos meus filhos, a capacidade que eles têm. Isso realmente me deixa emocionado. Eu amo todos eles.
NaTelinha - O fruto não cai longe da árvore, não é verdade?
Não, eles são a evolução da espécie. O Darwin estava certo, eles são a evolução da espécie.
NaTelinha - Datena, a gente estava falando de muita concorrência ali no seu horário... Você mudaria o seu programa de horário para mais cedo, para fugir desse embate contra dois programas do mesmo gênero?
Não, eu nunca fui correr de briga nenhuma.
NaTelinha - Não, mas é para ficar melhor para você.
Você é de Ribeirão, você sabe, a gente não foge de briga. Eu acho que quanto mais concorrência tem, você tem que concorrer. Eu só não acho que é correto que se mantenha tanta concorrência assim no horário, mas enquanto tiver que concorrer, tudo bem. Se eu poderia fazer um programa num outro horário, eu acho até que gostaria de fazer.
NaTelinha - Você gostaria?
Eu acho que enquanto tiver essa grade do SBT, e se o Mauro Lissoni, quem deve resolver, não é comigo, ele é quem entende de grade, mas se eu gostaria de fazer um programa em outro horário? Eu gostaria. Eu prefiro porque parece que é mais tranquilo, acho que ainda aí eu poderia prolongar um pouquinho mais a minha carreira, levar talvez até o fim do ano, mas também no máximo, não quero passar muito disso. Mas é um horário mais alternativo, um outro horário.
NaTelinha - Qual seria esse horário?
Ah, não sei, depende da grade, depende da disponibilidade da imprensa, da grade do SBT. Eu não quero tomar lugar de ninguém, isso eu quero deixar bem claro. Se for para tomar lugar de alguém, eu fico mesmo no lugar onde eu estou, entendeu? Eu nunca fiz isso e não gostaria de tomar lugar de ninguém. Sinceramente, não quero tomar lugar de ninguém. Mas se houver a possibilidade de aproveitar de pessoas que estão fazendo um horário mais cedo e quiserem vir para o meu horário, nada contra. Eu estou perfeitamente aberto a negociações. Seria para mim mais tranquilo, porque não que não pegue tanta concorrência, mas acho que seria uma concorrência mais justa e menor. Isso seria mesmo. Não em qualidade, mas em termos de horário.
Aquele horário é um horário estratégico, você não pode vacilar, porque senão você derruba a programação inteira na parte noturna.
NaTelinha - E você daria uma enxugada também de programa, já que é uma maratona de três horas e meia?
Eu confesso que a idade está pesando, claro. E cada vez vai ficando mais difícil. Mas olha, até que eu tenha aguentado bem. Até que eu tenho aguentado bem. Eu sou um cara resistente. Eu sou um cara que, pelos problemas que eu tive, não era nem para estar trabalhando mais, entendeu? Mas eu sou um cara resistente. As pessoas até se surpreendem com o que eu faço. Bom, depois que eu fiz o Sidney Magal no programa da Patrícia, eu sou capaz de fazer tudo. Que aliás, tá muito parecido comigo, e azar dele.
Mas eu, quando eu era menino, eu parecia muito com o Sidney Magal. Eu era um cara bonitinho. Ele envelheceu parecendo comigo, azar dele. Numa entrevista com ele, ele falou assim: 'Ô Datenão, eu já me enchi o saco. Todo aeroporto que eu cheguei, o cara, ô Datenão, me dá um autógrafo. Eu fico puto da vida'. Foi o que ele falou.
Fisicamente a gente está um pouco parecido. E ele emagreceu, eu também emagreci. Eu perdi uns 10 quilos tomando remédio para emagrecer por causa do diabetes. Eu não posso ficar muito gordão. Eu dei uma emagrecida boa. É uma questão de necessidade.
Agora, essa molecada que está tomando remédio para emagrecer e não pode tomar sem prescrição médica, é um perigo desgraçado, é perigosíssimo. Porque, é claro, tem os seus efeitos, como todo remédio tem efeitos colaterais. Só quem precisa mesmo é que deve tomar.
NaTelinha - Datena, quero te agradecer imensamente pela entrevista concedida. Sei que a sua agenda é apertadíssima, e tentou encaixar a gente aqui. Te agradeço demais pelo seu tempo. Valorizo você ter topado dessa entrevista, nesse especial de 20 anos aqui do site. E que você não se aposente. Até pode ser que diminua a carga horária de trabalho, porque a gente também precisa descansar, mas faço votos que você continue.
Um dos prêmios que eu mais valorizei na minha vida foi o que eu ganhei do NaTelinha agora. Acho que foi um ano retrasado como melhor programa diário, por votação da internet, onde eu achei que ia levar uma goleada. Pelo contrário, a gente acabou ganhando o prêmio. Eu fiquei muito envaidecido. Ele está aqui na minha casa, na sala de casa, lá embaixo, com o maior orgulho. O prêmio que está ali na minha sala. É um dos poucos prêmios que eu tenho lá embaixo. Eu tenho um dos Herzog que eu ganhei na TV Globo. Eu ganhei dois prêmios Herzog na TV Globo. Uma série de outros prêmios. O que me envaidece são os títulos de cidadão paulistano, que eu sou cidadão paulistano, título otorgado pela Câmara de São Paulo.
Sou cidadão emérito de Ribeirão Preto. E ganhei vários prêmios, porque a minha carreira é muito longa. Muitos deles eu não mereci. Mas esse do NaTelinha, eu peguei, comemorei pra caramba, porque já com a idade avançada, você começa a valorizar quem te valoriza. Então, muito obrigado ao site. É um site maravilhoso. É da minha terra. E entre esses meninos novos aí, que nós estamos em cobertura de televisão, você sempre foi um cara que eu sempre acompanhei e sempre achei que tem muito talento. Sabe, você é um cara de muito talento. Eu valorizo muito os críticos de televisão, desde os mais novos até os mais antigos, como o meu irmão Flávio Ricco, o Daniel Castro, e os mais antigos que tem aí, o Chico Barney.
E tem uma geração nova, que eu não sei muito nova, tem um menino muito bom no UOL também. Enfim, tem a Fabíola. Pessoas fantásticas. A Sonia Abrão, que faz mais ou menos o trabalho que vocês fazem na TV aberta. Eu sempre valorizei demais o trabalho de vocês e acho que vocês fazem com muita dignidade. 'Ah, mas tem muita gente que mete o pau em você'. Fazer o quê, né? Jesus Cristo, que foi filho de Deus, pregaram na cruz. Por que nós que somos imperfeitos, não vamos ser criticados? Hoje em dia, eu aceito muito bem a crítica, seja ela positiva ou negativa. Não que eu não dê importância à crítica, mas eu tenho me ajudado a corrigir alguns rumos, porque eu sou um apresentador mesmo fora de época. A minha época acho que já passou.
Então, a linguagem é diferente. E você precisa ter algum talento para sobreviver a essa mudança que a sociedade passou. É difícil, é complicado, às vezes você escorrega, mas não por incapacidade, não por maldade. Escorrega mesmo porque você é de uma outra época. É como se fosse de volta ao futuro. Com o tempo também, a memória vai ficando mais difícil, com o tempo, a dificuldade de apresentar um programa tão longo. E às vezes você comete erros, dos quais eu me desculpo com todos vocês que me assistem, me desculpo com vocês críticos, mas errar absolutamente é humano. E graças a Deus, disso ninguém pode me acusar. Eu sou um ser humano na acepção real dos termos, com os seus defeitos e suas virtudes.
Eu acho que mais com defeito do que virtudes, mas eu devo ter alguma coisa boa, porque lá se vão 53 anos de carreira.
NaTelinha - Você já ficou puto com alguma crítica? Com alguma específica?
Fiquei bravo pra caramba, mas nem lembro mais. Graças a Deus não lembro mais. Eu não guardo mágoa. Dentro daquele livrinho do Maquiavel que eu não sigo, que acho muito maquiavélico... Mas eu não sigo ideias que são pragmáticas. Pragmatismo é coisa muito próxima do ódio que eu combato com essa polarização que há no Brasil. Eu acho que maldade nunca. Mas dentro dessa forma pragmática de ver a coisa, tudo é válido. Está escrito na Bíblia. Só Deus é perfeito. Todos nós temos as nossas imperfeições.
Eu acabei de ler aqui uma coisa mais ou menos parecida com o que eu estou falando com você. Acabei de ler aqui. Ah, isso aqui vai bombar, porque vão dizer que eu sou comunista. O cara é o Tolstói, que foi um dos maiores escritores de todos os tempos. Tolstói é um escritor russo. Um dos maiores escritores de todos os tempos. É um livrinho que eu recomendo para você, que é fininho. E chama-se de Quanta Terra Precisa um Homem. Conta a história de um camponês que queria comprar cada vez mais terras. E quando ele chegou... Eu não vou contar o final do livro, mas o final do livro é mais ou menos o seguinte:
Toda a terra que o homem precisa, e ele descobre de uma maneira muito ruim, leia o livro que você vai ver, que é muito bacana, que o homem só precisa de sete palmos, que é exatamente onde ele vai ser enterrado.