Matheus Ribeiro avalia primeiro ano no DF Record e revela notícia mais difícil
Jornalista comenta sobre ter ficado conhecido como primeiro gay na bancada do JN: "Não foi um fardo que queria carregar"
Publicado em 27/05/2021 às 04:33,
atualizado em 27/05/2021 às 09:40
Há pouco mais de um ano, Matheus Ribeiro decidiu encarar o maior desafio da sua carreira como jornalista. O goiano assumiu o posto de âncora e editor-chefe do DF Record, telejornal local de Brasília, após atuar por cinco anos na TV Anhanguera, afiliada da Globo em Goiás, e conquistar feitos importantes, como apresentar o Jornal Nacional.
Aos 27 anos e com 10 anos de carreira, o jornalista faz um balanço do seu último ano no comando do DF Record. "Construímos nossas bases", diz. Ele também comenta sobre ter ficado conhecido como o primeiro âncora assumidamente gay a compor a bancada do JN. “Não foi um fardo que eu queria carregar”, afirma.
"Foi muito forte ter que ouvir algumas coisas do tipo ‘foi uma estratégia de marketing’, ‘ai, deu super certo, você se valorizou muito’... Foi algo que me irritou muito e segue me irritando, porque milhões de pessoas, no Brasil e no mundo, sofrem com o preconceito, com situações discriminatórias... E achar que alguém ia ter isso como algo da própria vida como estratégia de marketing, é até desrespeitoso", explica o jornalista.
Confira a entrevista de Matheus Ribeiro ao NaTelinha:
NaTelinha: Qual o balanço do seu primeiro ano à frente do DF Record?
Matheus Ribeiro: Foi um ano de construir nossas bases. O jornal passou por uma mudança, não só editorial, mas também de formato. A gente passou a ter um jornal com uma dinâmica diferente da que era usada anteriormente. Eu tive que assumir outra função, que também foi bastante desafiadora lá naquele começo e que segue sendo um desafio todos os dias, que é a de ser o editor-chefe do jornal. Isso agregou muito pra minha carreira até aqui.
Foi um ano vivendo uma rotina da capital do país, que é uma cidade que respira política, mas com cidadãos que precisam da cidade e querem notícias úteis para o dia a dia de cada um deles. O balanço que eu faço do primeiro ano no DF Record é que nós construímos as bases para um jornal que, agora, está mais consolidado, e mira ampliar o seu público e ter um relacionamento ainda maior com o telespectador.
E como você faz para tentar manter esse contato com o público?
Acho que a gente precisa ter um relacionamento com o público que seja de sinceridade e empatia. Sempre foi algo que eu me preocupei bastante desde o início da minha carreira. Eu comecei a apresentar jornal com 21 anos. No começo, eu fazia isso sem ter uma percepção clara, algo meio intuitivo. Eu tentava me portar como se eu tivesse indo com a minha avó visitar uma amiga.
Qual o maior desafio em formatar um telejornal local?
Eu sempre faço a analogia com uma colcha de retalhos. Se você pega uma colcha de retalhos, e olha um pedacinho só, não faz sentido. Você tem que olhar a colcha como um todo. Então, sempre quando eu vou montar o espelho do jornal ou faço reunião de pauta com a equipe pela manhã, eu penso assim: “Qual vai ser a cor da minha colcha de retalhos hoje?”.
Qual vai ser o centro da minha colcha? E como eu vou terminar de decorá-la? Qual vai ser a sensação que o telespectador vai ter ao começar e ao terminar de assistir o jornal? Então, eu trabalho mais ou menos assim com a equipe. Montar esse quebra-cabeça para que o produto final, até por ser um jornal muito curto que tem 45 minutos de duração, tenha uma lógica.
Qual foi a notícia mais difícil de ser dada no DF Record? E por quê?
Nesse um ano de pandemia foi muito difícil acompanhar a escalada das mortes por Covid-19, e quando nós avisamos que havia 300 pessoas à espera de leitos de UTI foi um dia... O mês de março, como um todo, foi muito angustiante para mim.
Foi o pior mês da pandemia aqui no DF também... Nós tínhamos essa situação angustiante de ver centenas de pessoas esperando por um leito de UTI e os hospitais completamente lotados. Então, acho que foi o pior momento do noticiário que eu já passei até agora. Foi acompanhar essa luta de uma chance para viver.
Como é o seu contato com o público nas redes sociais?
Hoje, já tem um relacionamento entre mim e o público bem legal... Eu cheguei desconhecido aqui no DF, a verdade é essa, e por mais que o jornal chegue ao entorno das cidades que já me assistiam, esse relacionamento precisou ser retrabalhado.
Então, hoje, já tem esse contato com o público nas redes sociais e isso é bem bacana. Muitas das reportagens, que vão ao ar, vieram por sugestões que chegam para mim no Instagram. Ou vem por uma postagem, ou a pessoa me marca ou vem por direct.
O que significou para você assumir a sua sexualidade publicamente? Como foi tomar essa decisão?
Hoje, com certa distância, eu vejo a importância que isso teve na minha vida. Era o último entrave, digamos assim, que separava o Matheus da televisão do Matheus CPF, do Matheus lá do interior, sonhador e que quer ser feliz, como todos nós.
A última questão que me diferenciava, do Matheus que ia ao ar para o real, era essa. Então, quando veio o convite para participar do Jornal Nacional, alguns sites começaram a especular sobre a minha sexualidade. Eu já tinha um namoro de alguns meses, já tinha foto do meu namorado no meu perfil, mas não era nada evidente, mas para as pessoas que especulavam isso já era suficiente.
Começaram a publicar algumas notas sobre isso, como se fosse um segredo da minha parte ou como se fosse algo que eu deveria me envergonhar. Então, diante disso, eu resolvi publicar uma outra foto com a legenda mais clara ainda e afastar todas essas situações maldosas.
Matheus Ribeiro no estúdio do Jornal Nacional - Foto: Reprodução
E qual foi o impacto dessa decisão em você?
Por mais que tenha sido algo muito intenso, que foi difícil viver tudo isso por conta da exposição, mas me fez muito bem do ponto de vista pessoal. Me deu segurança para falar sobre isso com parentes, que eu não abordava o assunto, e com amigos que, porventura, não sabiam. Eu recebi muitas mensagens de pessoas que sentiram inspiradas a tomarem atitudes nas suas vidas pessoais.
Foi muito forte ter que ouvir algumas coisas do tipo “foi uma estratégia de marketing”, “ai, deu super certo, você se valorizou muito”... Foi algo que me irritou muito e segue me irritando, porque milhões de pessoas, no Brasil e no mundo, sofrem com o preconceito, com situações discriminatórias... E achar que alguém ia ter isso como algo da própria vida como estratégia de marketing , é até desrespeitoso.
Eu acho que trouxe, é evidente, mas não foi uma situação fácil. Não foi um fardo que eu queria carregar. E isso trouxe um protagonismo, ninguém comentou, por exemplo, que eu era o jornalista mais jovem a participar daquele projeto. Quando eu participei do JN, eu tinha 26 anos, depois de mim a mais jovem tinha 31. E isso não foi notícia.
Você acha que essa sua atitude foi um passo importante para encorajar outros âncoras de telejornais? Teve algum feedback de colegas?
Eu vi alguns colegas mudando a postura, mas não atribuo isso a exemplo, não. Acho que faz parte de uma evolução natural. Não me sinto responsável por isso.
Matheus Ribeiro à frente do DF Record - Foto: Divulgação
Enfrentou algum preconceito após sua decisão?
O meu relacionamento com o público melhorou. A postura de respeito que eu tenho para com o outro, eu recebi também. A ínfima minoria que fez algum comentário preconceituoso.
Você se separou recentemente, como está sendo este período na sua vida?
Tá sendo um período de redescoberta. Foi tudo muito intenso e nós ainda temos uma relação de carinho um pelo outro, que é enorme. Vivemos uma período muito marcante na vida de um e de outro. Nós tornamos a informação da nossa orientação sexual que foi pelo nosso amor. Isso nos une pela vida. Estou descobrindo uma Brasília encantadora e estou muito tranquilo. Torcendo pela vacina para que em breve possamos nos socializar mais.