Além da Ilusão: Matias enlouqueceu por que matou a filha? Especialista explica
O NaTelinha conversou com uma psiquiatra sobre o assunto
Publicado em 07/07/2022 às 04:00,
atualizado em 07/07/2022 às 09:08
Desde que matou, ainda que por acidente, a filha Elisa (Larissa Manoela), Matias (Antônio Calloni), de Além da Ilusão, novela das seis da Globo, perdeu o juízo e mostra momentos de loucura e outros de sanidade. Mas é possível que alguém enlouqueça por conta de algo tão traumático? Segundo a Aline Furtado, psiquiatra do Hospital São Francisco na Providência de Deus, sim. Em conversa com o NaTelinha, ela explica que o ex-juiz mostra sintomas de sofrer de esquizofrenia desde a tragédia que se abateu em sua família.
Matias já mostrou momentos de sanidade, como ao perceber que a esposa Violeta (Malu Galli) estava o traindo com Eugênio (Marcello Novaes), ou mesmo deixando claro que sempre soube onde estava o filho perdido de Heloísa (Paloma Duarte). Segundo a médica, isso é sintoma de uma doença específica. "Tudo indica que o personagem tenha esquizofrenia, doença que acomete mais ou menos 1% da população mundial e que gera sintomas de delírios, alucinações, desorganização, alteração da afetividade e da funcionalidade do paciente", conta.
À reportagem, a especialista explica um pouco mais sobre esse tipo de caso. "A doença tem características bem comuns mas se manifesta de forma diferente em cada pessoa, sendo sempre acompanhada de perda da funcionalidade, de uma diminuição do afeto e podendo causar delírios e alucinações", diz descrevendo momentos que lembram muito do personagem defendido por Antônio Calloni.
"Os delírios são pensamentos que a pessoa tem de que algo está totalmente correto e que não é verdade. Então, por exemplo, que está sendo perseguido ou que alguém quer fazer mal ao paciente. As alucinações podem ser auditivas, visuais, táteis e provocam a sensação de alguma coisa que não está ali. Como na novela, em que ele tem uma alucinação visual, vê a filha dele, mas ela não está mais ali"
Esquizofrenia, a doença de Matias em Além da Ilusão
A média detalha mais sobre a enfermidade que parece ter acometido o vilão da novela escrita por Alessandra Poggi. "A esquizofrenia não tem uma causa única, ela é uma doença multifatorial e não tem uma causa totalmente estabelecida. Tem influência da genética, do meio em que a pessoa vive, dos traumas que ela viveu e pode ser desencadeada por algumas coisas, como o uso de alguma substância ou um trauma importante, como é o caso do personagem da novela. A doença geralmente dá sinais de que vai começar: o paciente fica mais desconfiado, mais retraído e começa a fazer questionamentos diferentes. Aí, têm início pensamentos totalmente incoerentes, que não condizem com a realidade. Porém, o paciente tem plena certeza de que aquilo é verdade. Por isso, em alguns casos de esquizofrenia, o paciente fica agressivo. Porque ele tem certeza de que algo está acontecendo e isso o incomoda profundamente".
Segundo Aline Furtado, matar a filha pode gerar traumas tão grandes a ponto de gerar a doença, mas a outras causas. "tem o trauma, tem a genética, a história familiar também é importante. Pessoas que têm parentes com esquizofrenia, com transtorno afetivo bipolar e outras doenças psiquiátricas têm maior chance de desenvolver. Questões mais específicas, como gestação, parto e o uso de substâncias, principalmente de drogas, podem desencadear um quadro de esquizofrenia".
E a médica defende que produções de dramaturgia sigam falando de casos assim. "A novela abordar fatos sobre doença mental e psiquiatria é fundamental, para que a gente possa quebrar estigmas das doenças, facilitar o tratamento com psiquiatra, enfim, para que as pessoas procurem o tratamento mais rapidamente. A sociedade mais conscientizada salva vidas porque o preconceito, na psiquiatria, mata. A pessoa deixa de procurar a ajuda, posterga a ajuda e isso pode ser fatal. De qualquer forma, um paciente que tenha esquizofrenia pode ser agressivo, mas não é necessariamente".
Mas para a doutora Aline, é preciso responsabilidade ao tratar do tema. "Então, fica um questionamento se essa é a melhor forma de abordar a doença na novela. Apresentar o personagem como agressivo pode aumentar ainda mais o estigma da doença na sociedade", questiona.
Esquizofrenia tem cura?
Como o vilão da trama tem essa doença, o questionamento mais óbvio é se existe cura. "Sobre o tratamento da esquizofrenia, existe medicação que alivia e melhora os sintomas mas só ela não é a forma de tratar. O tratamento multidisciplinar com outros profissionais é fundamental. É preciso inserir esse paciente na sociedade, nas atividades que antes ele fazia. Ele precisa ter uma rede de apoio, de familiares e amigos com quem ele possa contar, que não tenha preconceito da doença, que esteja ali pra ajudar e entenda que ele está em sofrimento e precisa de ajuda. A terapia ocupacional é fundamental, o envolvimento com arte, com esporte, com os estudos. Tudo isso ajuda muito. O envolvimento na sociedade mesmo. As relações interpessoais são muito importantes", explica a média.
Ela lembra, no entanto, que Além da Ilusão é uma produção de época. "A novela se passa nos anos 40, época em que os tratamentos eram ainda muito precários. Não havia medicação suficiente para tratar esses quadros, mas hoje em dia a gente tem medicações que melhoram muito a qualidade de vida do paciente, que podem até remitir os sintomas. Então, o que é mostrado na novela, não necessariamente mostra a realidade. Muitos pacientes levam uma vida totalmente normal, bem parecida com o período anterior ao surto", encerra.
