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35 anos sem Yara Amaral, ícone da TV que morreu de forma trágica

Especialista destaca diferencial da atriz; Denise Del Vecchio ressalta parceria e revela "fato intrigante" ao viver a amiga na TV


Yara Amaral
"Yara Amaral tornou-se grandiosa atriz ao compor com minúcia e criatividade a peculiaridade de suas personagens", segundo o especialista Mauro Alencar - Foto: Divulgação/Globo

Em 31 de dezembro de 1988, morreu Yara Amaral, atriz que marcou a história da TV com sua versatilidade ao transitar entre o drama e a comédia. Sua saída de cena foi trágica: ela não sabia nadar e, em pânico, sofreu uma parada cardíaca durante o naufrágio do barco Bateau Mouche IV, na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro (RJ), às vésperas de 1989.

O luxuoso tour náutico consistia em ver, do mar, a queima de fogos na praia de Copacabana, com ceia e música ao vivo. Especula-se que havia 142 passageiros na embarcação com capacidade para 62 pessoas – por isso, o caso foi parar na Justiça.

Além de Yara Amaral, o naufrágio culminou na morte de outras 54 pessoas – incluindo a mãe dela, Elisa Gomes, que também estava a bordo. A atriz deixou dois filhos, João Mário e Bernardo, com 13 e 15 anos na época.

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Yara Amaral colecionou papéis inesquecíveis na TV

35 anos sem Yara Amaral, ícone da TV que morreu de forma trágica

A veterana atriz havia acabado de sair do ar com a vilã Joana Flores de Fera Radical (1988), um de seus mais elogiados desempenhos na televisão, como ressalta Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia pela USP (Universidade de São Paulo) e autor do livro A Hollywood Brasileira: Panorama da Telenovela no Brasil.

“Yara Amaral tornou-se grandiosa atriz ao compor com minúcia e criatividade a peculiaridade de suas personagens. É como se captasse do real a intimidade mais recôndita para explicitar as manias, os tiques, as características que as levam a expor a excentricidade contida em cada ser”, destaca o especialista.

Foi assim que ele a conheceu com um papel crescente em Dancin’ Days (1978). “A neurótica Áurea, mulher 'encarcerada' pelas regras sociais. Neurose que ela foi nos apresentando aos poucos, num intenso, denso e rigoroso trabalho de atriz que estuda as complexidades emocionais do humano, trazendo-o da vida para o faz de conta da arte.”

“Daí a sua capacidade de explicitar de maneira didática os sentimentos e criar, na audiência, a compaixão por suas personagens – a despeito dos sentimentos de raiva, pena ou complacência que sentimos. Ou seja, Yara Amaral enriquece de tal maneira suas personagens que jamais nos tornamos indiferentes a elas.”

Mauro Alencar

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Ele também destaca: “Assim foi sua jornada na arte televisiva, interrompida por uma fatalidade do destino. Certamente a profundidade alcançada pela atriz se deve também à sua passagem pelo Teatro de Arena e Teatro Oficina, dois dos mais sólidos e emblemáticos grupos de arte dramática do país”.

A artista teve outros papéis que roubaram a cena. Entre elas: “A Nieta, da comédia Guerra dos Sexos (1983), a popular feirante, vendedora de canudinhos de coco, sonhadora, ambiciosa, melodramática; e Celeste, da minissérie Anos Dourados (1986), típica mulher conservadora da década de 1950”.

Alencar lamenta que a atual geração não conheça devidamente o trabalho da atriz. “Ainda que tenhamos reprises de nossa produção de telenovela, minisséries e séries mais antigas em canais como o Viva e no streaming, com o Globoplay, é necessário que se amplie a política cultural em programas de TV ou projetos editorias que divulguem de maneira mais ampla e sistemática o histórico de nossos artistas”, defende.

“É o que acontece nos Estados Unidos, que promovem de maneira absolutamente exemplar a sua produção cultural. Também destaco o trabalho feito na Coreia do Sul, China e Japão, países com os quais desenvolvo trabalho no âmbito televisivo e acadêmico. No caso da atriz, felizmente encontramos o notável livro de Eduardo Rieche, autor da biografia Yara Amaral: A Operária do Teatro”, destaca Mauro Alencar.

“Foi a pior virada de ano da minha vida”, relembra Denise Del Vecchio

35 anos sem Yara Amaral, ícone da TV que morreu de forma trágica

A atriz Denise Del Vecchio conta que o encontro com Yara Amaral em Fera Radical marcou sua carreira. “Foi minha primeira novela na Globo. Cidade nova, salário baixo, longe da minha família. Eram muitas dificuldades. Yara foi a mão amiga que me ajudou e orientou.”

“Desde o começo das gravações Yara cuidou de mim. Ela era, naquela altura, um nome muito importante na dramaturgia da Globo e foi me mostrando o caminho das pedras. Conversávamos muito, sobre a profissão, sobre nossas vidas, e lembro bem da alegria dela por estar quitando a casa onde morava.”

“Aprendi muito com ela no jogo de cena, mas também como existir dentro de uma máquina tão grande e poderosa como a Globo. Yara tinha um coração enorme. Falava com extremo afeto dos filhos [João Mário e Bernardo]. Terminamos as gravações em novembro e pouco mais de um mês depois deu-se a tragédia. Foi a pior virada de ano da minha vida.”

Denise Del Vecchio

Antes, Denise pôde assistir à colega nos palcos como Filomena Maturana no Teatro dos Quatro. “Foi um trabalho inesquecível! Ela carregava a experiência do teatro para a teledramaturgia. Não economizava. Era extremamente disciplinada e abria espaço para o jogo da interpretação. Contracenava com generosidade. Tinha uma voz marcante e uma presença forte.”

Em Fera Radical, elas eram mãe e filha – na verdade, a frágil Olívia, personagem de Denise, era filha de Marta (Laura Cardoso), verdade escondida por Joana Flores, papel de Yara. “E como ela era verdadeira! Na novela, fazia uma vilã cheia de contrastes. Quando em cena ninguém conseguia tirar os olhos dela.”

Denise Del Vecchio passou por situação intrigante ao encenar morte de Yara Amaral na TV

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Em 2006, Denise Del Vecchio foi chamada para dar vida a Yara Amaral em um episódio do Linha Direta: Justiça sobre a tragédia do Bateau Mouche IV. “Apenas quando fui convidada para vivê-la, me dei conta que tínhamos alguma semelhança física. Para mim, foi muito difícil reviver a história de sua morte. Ao mesmo tempo, foi terapêutico, pois foi uma maneira de homenageá-la e trazer à luz sua memória.”

A atriz relembra um fato intrigante durante a gravação. “A produção era impecável e a reprodução do barco e do mar, perfeitas. Gravamos o desastre numa grande piscina com ondas no Projac. Um verdadeiro lago onde foi reproduzido o Bateau Mouche. Na cena do naufrágio, eu vestia uma roupa que estava um pouco larga para mim, mas nada preocupante. Eu sei nadar e não estava preocupada em cair na água, apesar de ser noite e fazer frio.”

“Quando o barco virou, afundei. Ao tentar emergir, com a força da queda, minha calça desceu e ficou presa segurando minhas pernas, me impedindo de vir à tona. Naquele momento, curiosamente não fiquei em pânico, mas perplexa com a situação. Por alguns segundos, debaixo da água, me passou pela cabeça a situação que ela viveu naquela triste noite.”

Denise Del Vecchio

Ela relembra: “Fui resgatada pelos bombeiros que estavam ali para qualquer problema, e me salvei sem as calças, que se perderam na água. Nunca mais esqueci esse acontecimento, não com medo, mas intrigada com o destino. Eu era a personagem Yara revivendo a situação de sua morte; e eu, Denise, submersa, tentando entender os mistérios da vida e da morte”.

Longe das novelas desde Topíssima (2019), na Record, Denise Del Vecchio está em cartaz com o elogiado espetáculo Tom na Fazenda, que a partir de janeiro fará uma temporada em países da Europa e depois retorna para o Brasil. “Em 2024, estarei fazendo uma das coisas que mais gosto: teatro com pé na estrada.”

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