Vale Tudo é uma novela medíocre na Globo, não podemos normalizar
Nova Vale Tudo é marcada por atuações rasas, trama inverossímil e ausência de conflitos sérios do país atual
Publicado em 10/07/2025 às 04:05,
atualizado em 10/07/2025 às 10:53
Não podemos aceitar a mediocridade como o novo padrão da TV. Para quem viveu o auge das novelas, dos programas de auditório e até dos comerciais de 30 segundos nos anos 80 e 90, assistir à releitura de Vale Tudo de Manuela Dias tem sido uma experiência marcada por indignação e tristeza. É inevitável perceber o quanto a televisão perdeu em qualidade e a atual novela das nove, infelizmente, é apenas um reflexo disso.
Vale Tudo erra nos três pilares fundamentais para um folhetim: atuações, texto e direção. Elogiar essa produção é, no mínimo, aceitar o pouco ou, pior ainda, normalizar a mediocridade.
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Na releitura de Vale Tudo, Manuela Dias constrói um Brasil de 2025 que beira o delírio. O país retratado na novela ignora por completo as tensões sociais: não há racismo, desigualdade ou preconceitos.
É uma representação asséptica, confortável, mas totalmente desconectada da realidade. Ao maquiar os conflitos, a novela não provoca, não incomoda e, sobretudo, não dialoga com uma sociedade real.
Manuela Dias desperdiça a chance de abordar questões urgentes da sociedade brasileira ao suavizar personagens que, originalmente, simbolizavam pensamentos elitistas dos anos 80 e ainda presentes no país de 2025.
Vale Tudo não debate o Brasil real
A nova Odete Roitman (Débora Bloch), por exemplo, não demonstra incômodo com o namoro do filho com uma mulher negra, nem com o fato de ter uma secretária negra, anulando o conflito racial que poderia gerar debate.
Já Marco Aurélio (Alexandre Nero), antes um símbolo da corrupção e do cinismo empresarial, foi reduzido a uma caricatura: um homem que se irrita com roupas monocromáticas, mas não é contra uma homossexualidade do filho quando foi questionado por Renato (João Vicente). Ao esvaziar esses vilões, a trama evita confrontar o Brasil real e suas contradições.
Manuela Dias não apenas atualizou a trama de Vale Tudo, como também alterou profundamente o perfil de todos os personagens e, ao fazer isso, comete o mesmo erro de Thereza Falcão e Alessandro Marson em Elas por Elas (2023). O resultado é um folhetim raso, que frequentemente flerta com o inverossímil e subestima a inteligência do público.
Um exemplo claro é a personagem Leila (Carolina Dieckmann): apresentada como uma mulher ética o suficiente para se incomodar em namorar o próprio chefe, ela repentinamente não demonstra nenhum escrúpulo ao se envolver em um esquema de lavagem de dinheiro ao lado de Marco Aurélio. A mudança de caráter é abrupta e sem coerência, simplesmente não faz sentido.

Na nova Vale Tudo, Odete Roitman é burra e não aliada de Maria de Fátima
Na nova versão de Vale Tudo, exibida pela Globo em comemoração aos seus 60 anos, Maria de Fátima (Bella Campos) rouba documentos para Marco Aurélio com o objetivo dele adotar uma criança e, surpreendentemente, recebe total apoio de Odete Roitman, que em nenhum momento dúvida das reais ações da nora. A postura da vilã revelando um comportamento que flerta mais com ingenuidade do que com a frieza estratégica que a personagem sempre representou.
Na versão original, esse arco de roteiro simplesmente não existia e com as mudanças feita pela autora, o apoio irrestrito a Maria de Fátima soa incoerente. Falta verossimilhança, sobra descompasso.
Comecei este texto falando em mediocridade e termino com essa mesma palavra, porque não há outra que defina tão bem o que a Globo entregou com Vale Tudo 2025.
A novela, marcada por escolhas rasas e desconectadas da realidade, será facilmente esquecida. Pior: talvez nem merecesse permanecer no acervo da emissora.
A versão original, dos anos 80, segue insuperável. Mesmo após 37 anos, ainda retrata com profundidade conflitos que continuam atuais e incômodos, algo que a nova adaptação não teve coragem ou competência de fazer. Não podemos normalizar a mediocridade.