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Walter Zagari diz que Record voltou a ser TV evangélica e perde R$ 1 bilhão por falta de visão

Em entrevista exclusiva ao NaTelinha, vice-presidente comercial da Record por 20 anos conta bastidores da sua passagem no canal de Edir Macedo


O diretor comercial da Record Walter Zagari
Walter Zagari é conhecidos como um dos maiores nomes do mercado publicitário - Foto: Divulgação/Record
Por Sandro Nascimento

Publicado em 05/09/2023 às 04:30,
atualizado em 05/09/2023 às 11:05

Walter Zagari é considerado o Silvio Santos do departamento de vendas na televisão. Após 20 anos no SBT, em 2002 assumiu o cargo de vice-presidente comercial da Record, onde permaneceu até dezembro do ano passado. Pela primeira vez desde que deixou o canal, o executivo concede entrevista para um veículo de imprensa. Ao NaTelinha, ele conta os bastidores da emissora, faz um panorama sobre o futuro da TV, mercado publicitário e diz se é possível construir uma nova Globo.

No papo exclusivo, Walter Zagari conta que hoje a Record, que completa 70 anos no ar no próximo dia 27, passou fazer uma TV essencialmente para evangélicos e que isso começou quando Cristiane Cardoso, filha de Edir Macedo, assumiu o controle da emissora.

“Hoje lá ninguém pisca sem pedir autorização para ela. Ninguém, mas ninguém mesmo. Acontece que, na falta de visão da empresa, é que temos 60 milhões de evangélicos no país e apenas 7 milhões são fiéis à Igreja Universal. Os outros 53 milhões, somados aos de outras religiões, não são alinhados com Edir Macedo. Ou seja, fazer televisão para se ter audiência só nessa pequena camada de espectadores, vamos combinar, é muito complicado ser bem-sucedido”, avalia o prestigiado diretor.

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Walter Zagari iniciou sua trajetória profissional na TV Tupi (1950 -1980), onde foi de office-boy a diretor da área comercial. Depois, assumiu a mesma função na Band. Ficou 20 anos no SBT, sendo os últimos 10 como superintendente comercial.

Ele também foi Presidente da ABMN (Associação Brasileira de Marketing e Negócios). Recebeu o Prêmio Caboré como Melhor Profissional de Veículo em 1995 e 2005. Também foi responsável pelo Prêmio Caboré do SBT, como Melhor Veículo de Comunicação em 2000. E ainda pelo Prêmio Caboré da Record, na mesma categoria, em 2006. 

Ao NaTelinha, Zagari destaca que durante sua gestão a Record chegou alcançar a 5ª posição de maior rede de TV do mundo, perdendo apenas para ABC, Globo, CBS, NBC e à frente de Televisa, CNN e BBC, e completa: “Edir Macedo, que comprou a emissora do Silvio Santos por U$ 49 milhões em 89, não venderia hoje por menos de U$ 3 bilhões. Resultado principalmente do gigantesco e espetacular esforço que implantamos em toda infraestrutura da organização e de maneira agressiva em conteúdo, audiência, cobertura, programação, faturamento, marketing e o digital".

“Ter trabalhado com Silvio Santos e Edir Macedo foi um presente de Deus. A começar que, quando me despedi do Silvio, ele me disse que eu iria trabalhar com o melhor empresário deste país e que o Guilherme Stoliar iria colocar cinco superintendentes comerciais para me substituírem, porque eu era o maior vendedor que ele conheceu”.

Confira a entrevista exclusiva com Walter Zagari:

Programa de TV para ser atrativo ao mercado publicitário

 “Um programa para ser atrativo ao mercado publicitário na mídia linear precisa de investimento, talento, pesquisa e conteúdo para se fortalecer como produto final. Não adianta lançar programas pelo feeling dos donos de televisão, o que acontece na sua grande maioria. Eles acabam morrendo com prazo de validade antes do tempo. Há uma necessidade básica de fazer muita pesquisa para identificar exatamente que programas os consumidores dos produtos que vão ser anunciados querem para se conectar com as marcas que vão comprar.

Eu lembro de inúmeras passagens que dariam um livro, mas teve uma incrível do Roberto Justus, presidente do Grupo WPP, que me dizia: 'Fenômeno - ele carinhosamente me chama profissionalmente assim - não só não anuncio meus clientes no Cidade Alerta, como também não anuncio em quem vem antes e depois desse programa'. E olha que o Luiz Bacci é dos melhores apresentadores de jornalismo popular da TV brasileira. Pena que vem sendo muito mal aproveitado pela Record”.

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Criar uma nova Globo na TV brasileira

 “O memorável, saudoso e querido Chacrinha dizia que na televisão nada se cria, tudo se copia. Ele, em parte, tinha total razão. Veja os exemplos: Domingo Espetacular vs Fantástico, Esporte Fantástico vs Esporte Espetacular, Cidade Alerta vs Datena e Povo na TV do SBT nos anos 90, Hoje em Dia vs TV Mulher e Ana Maria Braga. Eu bem lembro que, nos meus 20 anos de SBT, os brasileiros iam para Miami e voltavam dizendo: “Zagari, como os americanos copiam o que o Silvio Santos faz em seu programa”.

Eu me curvava rindo e emitia um sonoro: “Pois é”. Dá para fazer sim uma nova televisão que não precisa ser necessariamente maior que a Globo, mas melhor. Por exemplo, como convocar os brasileiros? Segundo a recente pesquisa do site Eletronics Hub, eles ficam 9 horas e 32 minutos no celular diariamente, perdendo apenas para a África do Sul com 9 horas e 38 minutos. Estamos apenas a 6 minutos da liderança, mas já já a gente chega lá. Esses brasileiros veem o que querem na hora deles. O que custa, por exemplo, você ter uma mesma novela exibida às 10h, 16h e 21h? Por que não? Vai ser mais econômico e vai ter público diferente nos três horários. Em algum momento você fisga esse internauta”.

O futuro da televisão aberta

"Nos meus últimos cinco anos de Record, eu ouvia o tempo todo dos clientes e agências que eu trabalhava numa coisa velha, antiga e que estava perdendo a galope seu poderio para a internet. Foi difícil, extenuante chegar onde cheguei ouvindo tudo isso, mas esse ano, fora da Record, vejo que o mercado tinha total razão. Aliás, como sempre, né? Pegue a Globo como exemplo. O primeiro grande e maravilhoso momento dela foi a sua implantação com o Boni. Depois, o (Otávio) Florisbal, vindo do nosso mercado publicitário, que conduziu com maestria a empresa, pesquisando, por exemplo, o que um consumidor do Nescafé da Nestlé gostaria de ver seu produto em uma prateleira (break comercial) de um programa atraente ao seu perfil".

Sinto isso hoje, porque agora os clientes e agências me falam mais sobre a enorme perda da relevância que a TV brasileira teve nos últimos anos. Dá para reverter? Claro que sim. Fazer tudo de novo, de novo, nunca mais igual, mas diferente. Pegue o competentíssimo Boninho, por exemplo, que é o profissional do entretenimento que mais sabe captar o desenho, sonho e aspiração dos internautas num programa como o Big Brother, que faturou em sua última edição mais de 1 bilhão de reais, praticamente o mesmo dinheiro de um SBT e uma Record no ano.

Walter Zagari

Futuro da Globo

"Existe o Boninho da novela, o Boninho do jornalismo, o Boninho dos filmes e o Boninho do esporte. Todos eles demitidos na Globo, com sede de trabalhar ainda mais, ganhando menos e com o desejo de produzirem ainda mais e melhor em outra televisão. A Globo virou uma empresa de dados, procura ser o Google da mídia linear, abandonou o mercado completamente. Seus executivos ficam fincados no escritório só digitando. Por isso, caiu o faturamento de R$ 13 bilhões em 2012 para R$ 8 bilhões no ano passado. A Globo está se preparando, principalmente, para produzir conteúdo para o Globoplay e, lá na frente, ser vendida para os americanos. Imagine ela concorrendo principalmente com a Netflix no mundo todo sendo só regional. Isso não tem futuro se não for a venda.

Nasci no mesmo mês de setembro que a televisão brasileira. Costumo dizer que se um dia estatizarem a televisão brasileira, serei mais um desempregado neste país. Não sei fazer outra coisa. Vou morrer - torcendo para daqui muitos anos - abraçado e beijando muito essa tela".

Ter trabalhando com Silvio Santos e Edir Macedo

"Ter trabalhado com Silvio Santos e Edir Macedo foi um presente de Deus. A começar que, quando me despedi do Silvio, ele me disse que eu iria trabalhar com o melhor empresário deste país e que o Guilherme Stoliar iria colocar cinco superintendentes comerciais para me substituírem, porque eu era o maior vendedor que ele conheceu.

Chegando na Record, achei que não fosse conhecer o Edir, imaginava que ele cuidasse só da cúria e não dos mortais. Pois bem, dois meses depois, me chamou para um almoço com mais 10 bispos, entre eles o Honorilton Gonçalves e o Marcos Pereira - hoje presidente do Republicanos.

Revelou que, depois de seis superintendentes comerciais nos últimos 10 anos - três foram mandados embora e três não aguentaram os bispos -, ele resolveu fazer uma coisa profissional, pesquisou o mercado SP, RJ e Brasília e deu meu nome com 90% de intenção de voto. Disse naquele momento para o Edir que, na opinião do Silvio, eu iria trabalhar com o maior empresário do país, ao que ele retrucou: “Imagina, melhor é o Silvio, que saiu de vendedor de caneta na barca Rio e Niterói e virou o que virou”.

Com o Silvio (Santos), os 20 anos foram muito intensos. Ele não fazia nada sem falar com o Guilherme Stoliar e comigo no comercial. Era um casamento perfeito que levou a emissora à consolidação da vice-liderança".

"Na Record foi bem diferente, vi o Edir três vezes: quando cheguei depois daqueles dois meses para o almoço, no lançamento do seu livro/filme e quando queriam mandar o Honorilton Gonçalves embora. Fui lá eu no meio de um monte de bispos segurar a permanência dele. Porque havia na minha renovação anterior uma cláusula que enquanto eu estivesse no cargo o Honorilton tinha que ser mantido. Não foi naquele momento, mas para prejuízo e atraso da emissora foi depois. Ele era o único que entendia de televisão na Record."

Walter Zagari

A diferença entre Silvio Santos e Edir Macedo

"Aliás, o Silvio também quando nos despedimos me garantiu que o Honorilton era um dos caras que mais conhecia estratégia e televisão neste país. Na Record, os demais com quem convivi conheciam de televisão só a da casa deles. Bem, aí pensei: se os dois maiores empresários desse país - na opinião deles - me acham o melhor vendedor desse país, acredito que tenho um longo e futuro caminho nesse negócio (risos).

A grande diferença do Silvio para o Edir é que no SBT ele me ligava dia sim dia não, queria saber tudo do mercado e se reunia com a diretoria impreterivelmente toda terça-feira às 9h da manhã. Com o Edir não. Infelizmente, só tinha visto ele três vezes nos 20 anos. Não tinha nenhuma aproximação. Aliás, diziam que os demais bispos não deixariam eu ficar próximo dele por puro ciúme - ciúme estranho, inapropriado, até porque eu nunca concorreria a um bispo, muito menos eles assumirem por total desconhecimento o meu lugar -. Pode, por exemplo, uma Nestlé que fez nas Olimpíadas de 2012 R$ 100 milhões na casa e uma Genoma também o mesmo valor não conhecerem o dono da empresa? Não né? Com esse comportamento absolutamente inconcebível não vai ser líder nunca. Uma a menos para a Globo se preocupar".

A valorização da Record

"Elevamos a importância da Record para o mundo todo, porque, como bem demonstrou a matéria no NaTelinha em novembro/22, a Record alçou um voo que jamais imaginou ter um dia na vida: alcançar a 5ª posição de maior rede de televisão do mundo, perdendo apenas para ABC, Globo, CBS, NBC e à frente de Televisa, CNN e BBC.

Ou seja, foi o que eu passei a afirmar depois dessa matéria: o Edir Macedo, que comprou a emissora do Silvio Santos por U$ 49 milhões em 89, não venderia hoje por menos de U$ 3 bilhões. Resultado principalmente do gigantesco e espetacular esforço que implantamos em toda infraestrutura da organização e de maneira agressiva em conteúdo, audiência, cobertura, programação, faturamento, marketing e o digital".

A Record virou uma TV evangélica

Walter Zagari diz que Record voltou a ser TV evangélica e perde R$ 1 bilhão por falta de visão

"E agora mais do que nunca a programação voltou a se evangelizar como quando cheguei há 20 anos atrás. E o mais incrível e surpreendente disso tudo é que depois de 20 anos de empresa ter crescido o faturamento em quase 1.300% no período - nenhuma outra emissora performou nada parecido -, eu sequer ter tido uma despedida, uma homenagem da alta cúpula, sequer um agradecimento.

Muito menos claro do Edir Macedo, impedido que foi o tempo todo de se aproximar de mim. Mas não posso negar, independente das intempéries que passamos eu e minha equipe fomos muito, mas muito felizes mesmo profissionalmente. Tiramos a emissora do quarto lugar para a vice-liderança há 15 anos. O que me impressionava muito é que depois de trabalhar na Band e no SBT, eu pesquisava para medir o grau de satisfação dos funcionários com a emissora e o resultado era um alarmante 90% de insatisfação, exatamente o contrário das outras emissoras, incluindo Globo. Trabalham lá por absoluta necessidade financeira e não por algum prazer e realização profissional".

"E por aí se explica também por que nos últimos anos a emissora concentrou a programação, eminentemente, para a classe evangélica. Isso ficou implantado definitivamente após a Cristiane Cardoso, filha do Edir, assumir o comando e o controle absoluto de tudo. Hoje lá ninguém pisca sem pedir autorização para ela. Ninguém, mas ninguém mesmo."

Walter Zagari

"Acontece que, na falta de visão da empresa, é que temos 60 milhões de evangélicos no país e apenas 7 milhões são fiéis à Igreja Universal. Os outros 53 milhões, somados aos de outras religiões, não são alinhados com Edir Macedo. Ou seja, fazer televisão para se ter audiência só nessa pequena camada de espectadores, vamos combinar, é muito complicado ser bem-sucedido.

O meu sentimento encaminha imaginar que o Renato Cardoso, genro do Edir Macedo, que comanda hoje o grupo todo, vai no futuro sair de televisão. Porque a igreja põe R$ 1 bilhão por ano para manter seu altíssimo custo. Pega esse investimento/custo e constrói novas igrejas, que é na verdade o grande core business do grupo. Com esse investimento você consegue construir por volta de 30 igrejas por ano e ainda sobra dinheiro para comprar espaço na madrugada das outras TVs que aceitem clientes desse segmento".

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