Publicado em 29/11/2020 às 07:00:01
Tatiana Tiburcio ainda recebe elogios pelo especial Falas Negras, exibido pela Globo em 20 de novembro (Dia da Consciência Negra). Os merecidos parabéns refletem o impacto de sua interpretação de Mirtes Renata, mãe de Miguel, garoto de cinco anos que morreu ao cair do nono andar de um prédio no Recife. O choro da personagem que perdeu o filho na casa da patroa comoveu o público e ressaltou a necessidade de enfrentar o racismo estrutural na sociedade brasileira.
A repercussão da cena de Mirtes impressionou Tatiana, que ganhou quase 10 mil fãs no Instagram em uma semana após o programa especial exibir falas de personalidades negras sinônimos de resistência ao longo dos séculos. "É assustador, nunca foi nessa dimensão de ganhar milhares de seguidores. A gente se impressiona muito com o choro, né? É uma coisa que me preocupava", revela a atriz ao NaTelinha.
Entre os elogios, Tatiana destaca o de Reynaldo Gianecchini: "Ele era o meu crus na adolescência, tinha uma foto dele no meu guarda-roupa, ao lado do Will Smith". Em seu armário, a então garota carioca, filha de uma empregada doméstica, também colou uma imagem de Ruth de Souza (1921-2019). Durante a entrevista exclusiva, a artista que fez o Brasil chorar em frente à TV e nas redes sociais só não conteve as lágrimas uma vez, ao falar de sua maior inspiração na dramaturgia.
"Conheci a Ruth em Sinhá Moça (2006) e nem respondi ao 'bom dia' de tão emocionada. Ficamos muito amigas, ela deu o vestido do meu casamento. Queria que ela estivesse viva para ver o especial", diz, emocionada.
Tatiana, que também preparou o elenco de Falas Negras, usará seu talento para tocar na ferida do racismo mais uma vez neste domingo (29), no espetáculo online Insubmissa Negra Voz, inspirado na obra da escritora Conceição Evaristo, aniversariante do dia. Revelada no teatro, estreou na Globo em A Diarista (2004) e, após pontas em Sinhá Moça e A Favorita (2008), destacou-se na série Suburbia (2012) como Amelinha. Também atuou em Flor do Caribe (2013), Meu Pedacinho de Chão (2014), Sol Nascente (2016), Malhação: Viva a Diferença (2017), Pais de Primeira (2018) e A Dona do Pedaço (2019).
Na entrevista abaixo, a atriz 43 anos explica o processo de criação do especial Falas Negras, rebate as críticas à presença da dramaturga branca Manuela Dias e conta como se preparou para interpretar a mãe que emocionou o público brasileiro.
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"Trabalho com Lázaro Ramos há muitos anos. Quando ele foi chamado e convencido pela Manuela Dias a dirigir Falas Negras, porque ele resistiu no início, ele me ligou: 'Tati, preciso de você de novo. Preciso que você me ajude nisso, na preparação do elenco'. De sacanagem, em uma conversa, virei para ele e falei: 'Pô, você tem que parar de me chamar para dirigir ou preparar elenco, cara, também sou atriz. Quero subir no palco'. Ele falou: 'Você quer mesmo?'. Respondi: 'Seria legal, uma p... responsa'.
Queria que os atores tivessem a construção baseada no afeto, no lugar da emoção e na identificação com o discurso, porque todos são atores negros, todos são pessoas negras, então tudo aquilo que estava sendo dito ali não era algo distante da realidade de ninguém. Não é apenas a memória afetiva, mas como as falas te tocam no lugar de apropriação desse discurso. O Ailton Graça falava sobre como o professor Milton Santos era grande, e a gente conversou muito sobre a impressão que ele tinha do professor, da imagem que tinha das falas, e era bonito ver o rosto dele se iluminando. A identificação surgia a partir disso.
Toda nossa preparação foi nessa direção. Até porque tecnicamente foi mais complexo porque estávamos em uma realidade em que os ensaios foram online, pautados em muita conversa, muita palestra, buscando esse caminho da compressão por outros lugares, e acho que tivemos um bom resultado".
"Ela foi o veículo de possibilidade. Até onde eu sei, ela apresentou o projeto porque se sentiu tocada com a questão e queria falar sobre isso. E ela compreendeu a questão ao convidar o Lázaro Ramos para dirigir. O racismo tem essas estratégias. Temos uma estrutura com 95% dos profissionais negros no elenco, na direção, os 'cabeças' da coisa, mas pegamos os 5% que não são e damos holofote. É uma estratégia do racismo estrutural. Não há o que discutir sobre isso.
Cheguei a falar com a Manu sobre isso. Temos que compreender a crítica, porque a dor é muito grande e profunda, e aprendemos a nos desconfiar. Gato escaldado tem medo de água fria. Precisamos estar atentos, porque não dá para falarmos de racismo e antirracismo como se fosse algo simples de ser compreendido e, principalmente, resolvido. Estamos falando de um conceito que está enraizado de tal forma que compõe a estrutura óssea da nossa sociedade. O Brasil foi construído a partir desse princípio de opressão, de exploração do corpo, da força de trabalho do sujeito negro e do sujeito indígena. Não dá para achar que com uma frase, uma palavra ou apenas um desejo, uma vontade, a gente consiga estar imune a isso tudo. É uma construção que se manifesta da forma mais sutil muitas vezes, e quanto mais sutil mais danosa.
Temos a ideia do racismo muito atrelada à ideia de bondade e maldade, o que dificulta muito a compreensão do discurso, das questões como um todo. ‘Eu sou tão bonzinho, por que você acha que eu faria isso?’. Faria! Você não vai deixar de ser bonzinho porque agiu de forma racista, e vice-versa, nem vai deixar de ser mau porque foi racista. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Se a gente leva nesse lugar, enfraquece o discurso e o dilui em outras perspectivas. Não vamos mais falar de racismo, mas de bondade e maldade, moral, caráter. É outra coisa, que potencializa ou não a questão racial, que a influencia direta ou indiretamente.
Sobre a questão da Manu, temos que entender o seguinte: o protagonismo é negro, porque quem sofre o chicote social ainda são as pessoas negras. Enquanto o negro estiver com o seu protagonismo, o seu lugar de fala defendido e apropriado, está tudo certo. O que não pode é esse lugar de fala ser tomado por outros. Ninguém pode falar sobre a dor que está doendo no meu braço. Não pode porque não é possível, é uma questão muito lógica. Não posso mencionar a dor que você sente no seu braço cortado. Posso dizer pelo que eu vejo do machucado, mas não consigo dar a dimensão, só quem poderá dar é você, ninguém mais. Se cada um ocupar o seu lugar de fala, e fala não é só o sujeito negro, todos temos o nosso, que fale dentro das questões e se posicione em relação a isso. Assuma a responsabilidade do seu lugar".
"Eu iria fazer a Lélia Gonzalez (Mariana Nunes), depois a Luiza Bairros (Valdineia Soriano). Quando eu soube que a Mirtes estaria na história, meu coração desejou o papel por uma identificação muito grande. Ela é uma mulher preta, mãe, brasileira. Quando o Miguelzinho foi embora, eu não chorei pelo Miguel como se tivesse perdido o meu João, de 11 anos. Esse é o lugar que nos identifica. Toda mãe tem medo de perder seu filho por um acidente, uma doença, uma fatalidade. A mãe negra tem medo de perder por tudo isso e pelo racismo, o que particulariza a nossa dor porque torna as possibilidades de fim muito grandes e cruéis, como temos visto hoje em dia. Hoje em dia não, como temos visto há quase 400 anos, mas hoje as câmeras não deixam mais esconder.
Quando ele foi embora, parecia que ele era meu filho que eu tinha perdido junto. Aquilo acabou comigo. E sou fruto da mesma realidade da Mirtes. Minha mãe também foi empregada doméstica, fiquei muitas vezes nas casas das patroas dela. Quantas vezes a minha mãe não deixou a patroa me levar para passear junto com ela? Quantas vezes essa situação que aconteceu com o Miguelzinho não poderia ter acontecido inclusive comigo? É muito doloroso, porque uma mãe negra quando perde um filho perde quase tudo, porque ela não tem muito mais. E ela não perde um filho somente quando ele morre, não. Eu me identifiquei muito com a história, e eu ainda estava muito mexida. Quem está com a Mirtes já tinha me chamado para participar de uma manifestação online pedindo justiça pelo Miguel, isso muito antes de saber do Falas Negras.
O retorno que eu mais desejava receber era o dela, e não vinha. Aquilo foi me dando um nervoso. Achei que ligar para ela e perguntar se havia gostado seria invasivo, absolutamente indelicado. Fiquei-a esperando falar alguma coisa. Aquela espera foi agoniante! Até que rolou, a gente se falou rapidamente e deu um alívio quando ela agradeceu pela repercussão, o quanto está ajudando na luta dela, e isso para mim era o principal. Uma coisa que me movia muito ao fazer era que servisse para fazer justiça, que fosse um amplificador desse grito dela em nome da justiça pelo filho. Foi muito bom saber que ela gostou, porque era a crítica que mais me preocupava, e ela recebeu bem. Disse que não conseguiu ver tudo, mas as pessoas estavam falando e repassando para ela, e ela estava muito feliz com tudo que estava ajudando a propiciar no caminhar dela. Falei: 'Ufa, que bom!'".
A gente se impressiona muito com o choro, né? E isso é uma coisa que me preocupava, porque a Mirtes não chorou. Durante muito tempo ela não chorou. Demorei muito tempo para ter coragem de ver as cenas do elevador. Quando soube que iria fazer, li as falas da Mirtes, tirei um dia para ler o roteiro e entender a sequência das falas e das emoções. Ela, primeiro, fica absorta tentando encaixar o quebra-cabeça dos acontecimentos, e quando ele faz sentido a emoção vem. Entendido isso, não peguei mais no texto, porque não dá para mexer muito.
Para interpretar a Mirtes, eu busquei o meu filho. Ela não fala 'meu filho', fala 'o filho' por causa do sotaque. É como se ela achasse que essas palavras poderiam segurar o filho. Quando ela diz a última frase, 'eu vi meu filho estirado no chão', a pausa que ela dá traz a imagem diante dela, e aquilo é aterrorizante. Havia uma preocupação muito grande da equipe quanto ao meu estado, só que não era o meu estado, era o da Mirtes. Se é o meu estado, eu não estou emprestando o meu instrumento de trabalho, que é o meu corpo, para aquela voz que não é a minha. Não sou eu que tenho que estar triste. Não gosto de ver, mas vi que houve um momento em que eu me vi um instante só. Fiquei com raiva de mim (risos). Eu precisava passar em três minutos o que a Mirtes viveu em muitos dias.
No enterro do menino, ela não sabia por que as irmãs e as primas estavam brigando com a Sari [Corte Real, patroa], que estava lá, porque ela ainda não tinha visto as imagens. Ela só tinha a palavra da pessoa em quem ela confiava e gostava, dizendo que foi um acidente. Por que ela iria duvidar disso? Depois que viu as imagens, foi desenhando na cabeça dela a situação como aconteceu, e aí vem a indignação e a tristeza. Eu só tinha que me preocupar em passar essa cadência, controlar a emoção para que passasse esse desenho. Pelo jeito, eu fui feliz no que me propus a fazer. Fico muito contente quando vejo as pessoas dizendo: 'Pensei que fosse a Mirtes'. Para mim, isso é o mais importante, porque é o grito dela, é a dor dela ecoando de novo e dizendo: 'Não se esqueçam do que aconteceu, porque não pode acontecer de novo'.
Fizemos uma construção histórica de luta, de resistência e de esperança em uma mudança. Mirtes provavelmente não tem a ferramenta do discurso para se defender. Agora ela entrou na Faculdade de Direito, isso me encheu de felicidade. Todos estamos sentindo de acordo com as ferramentas que temos para lutar. Estamos dizendo 'chega, vamos fazer diferente, vamos afetar um ao outro e construir uma coisa nova, mais igualitária, mais justa'".
"Fui chamada para uma participação em Sinhá Moça quando conheci a Ruth de Souza. Ao lado das fotos do [surfista] Kelly Slater, do Will Smith e do Gianecchini, tinha também uma da Ruth de Souza. Ela está na minha vida desde os meus 12 anos. Eu ficava olhando e pensando. 'Será que vou conseguir ser uma atriz como ela?' era uma frase que eu nem conseguia pronunciar. Descobri a Ruth em um Vídeo Show, que mostrou uma cena do filme Sinhá Moça (1953). Ela virava de lado e a câmera pegava o olhar. Ela me hipnotizou com aquele olhar e com aquela potência que eu vi em uma virada de cabeça.
Fui gravar Sinhá Moça, alguém vira e fala: ‘Sua personagem tem uma sogra, a atriz está chegando hoje para gravar’. Era minha primeira experiência, nem perguntei quem era porque não fazia diferença, eu teria que fazer bem. Estou sentada no ônibus camarim, era uma externa, lendo o roteiro. Quando olho para o degrau, quem está subindo? A moça da porta do armário! É uma sensação que não sei descrever em palavras. Fiquei calada, olhando para ela. Ela passou, falou bom dia e eu fui extremamente grossa e não respondi (risos), porque não consegui. A moça da porta do armário seria a minha sogra.
Tenho que agradecer muito à vida, porque tive a oportunidade de ser amiga da minha maior inspiração. Ali, naquela novela, viramos amigas, muito amigas. A Ruth deu o meu vestido de casamento. Era uma ligação gigante. Eu sinto muita saudade dela. A única coisa que me pesa um pouco em Falas Negras é que eu queria que ela estivesse aqui para ver, porque ela desejou muito isso para nós".
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