Publicado em 24/09/2020 às 05:33:00
A Globo anunciou na última terça-feira (22) que seus debates eleitorais nas capitais do país somente vão acontecer se tiver a participação dos quatro primeiros colocados nas pesquisas eleitorais. Diversos pré-candidatos ficaram insatisfeitos com a decisão e trabalham nos bastidores para que a emissora mude de ideia. O encontro entre os postulantes às prefeituras no canal é considerado o mais importante antes da votação.
A Globo explicou que não pode contar com muitos candidatos no estúdio em respeito ao protocolo adotado para evitar o contágio do novo coronavírus. “Para se ter uma ideia, com 10 candidatos, considerando que cada um possa ser acompanhado de apenas dois assessores (no passado esse número era superior a dez), haveria 30 pessoas ligadas às campanhas no estúdio num debate de primeiro turno. Acrescentando a equipe da Globo minimamente necessária para realizar o evento com qualidade, esse número supera 200 pessoas, incluindo jornalistas, câmeras, produtores, profissionais da sala de controle técnico, tecnologia, comunicação, operações e segurança (num debate normal, com plateia e convidados, é o dobro disso). Não há protocolo sanitário que garanta a saúde aos profissionais da Globo e aos candidatos”, explicou.
Para que o debate ocorra, os partidos terão que entrar em acordo e aceitar que apenas os quatro primeiros das pesquisas eleitorais feitas pelo Ibope ou Datafolha participem do evento. “A Globo vai lutar por esse acordo”, disse Ali Kamel, diretor de jornalismo da emissora em comunicado interno.
Conforme apurou o NaTelinha, as pré-campanhas não reagiram muito bem e já iniciaram conversas com diretores para que a emissora mude de ideia. Os grupos sabem que o debate do canal é o mais importante por diversos motivos, como ter a maior audiência entre todos os encontros e por ser o último antes da votação.
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O coordenador da pré-campanha a prefeitura de São Paulo de Guilherme Boulos, Josué Rocha, considera a decisão da empresa equivocada e pede que a emissora reveja sua decisão. Na visão dele, os canais de TV têm muita importância para a democracia.
“Uma decisão equivocada que esperamos que seja revista pela emissora. As concessões de TV cumprem um papel de fundamental importância para a vida democrática do País. É possível realizar debates tomando todas as precauções sanitárias. Tampouco faz sentido a suspensão das tradicionais entrevistas. Neste caso, em especial, as sabatinas poderiam ser realizadas à distância, sem a presença no estúdio. Temos plena consciência dos desafios que a pandemia nos impõe enquanto sociedade, porém não podemos abrir brechas que coloquem em risco os princípios democráticos. A inesperada decisão da emissora dificulta o debate e tem efeito direto: favorecer candidaturas que tem mais estrutura e tempo de TV. Também abre uma perigosa janela para que as fake news ganhem mais relevância como instrumento político por aqueles que agem à margem da ética e sob premissas de má fé. Reiteramos que tal posição da TV Globo seja revista”, comenta.
Outro pré-candidato a prefeitura da capital paulista, Arthur do Val, também se mostrou contrário a decisão da emissora carioca. O político explicou que há regra para que todos os competidores tenham direitos iguais na disputa eleitoral.
"Sou totalmente contra. Essa postura fere, em primeiro lugar, o princípio da democracia. Há, inclusive, legislação sobre isso. A Lei Eleitoral dá paridade, igualdade de condições a todos os candidatos. É o princípio da isonomia. Em segundo lugar, priva o eleitor do direito de conhecer os candidatos, suas propostas, posicionamentos e, principalmente, o que pretendem fazer pela sua cidade, seu bairro, e em relação aos mais variados temas, como educação, saúde, transporte, habitação, meio-ambiente e tantos outros problemas para a melhoria da qualidade de vida da comunidade. Só para lembrar, nas últimas eleições, os vencedores em Santa Catarina, Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo, não ocupavam as primeiras posições na campanha eleitoral e acabaram vencedores", posiciona-se.
Janaína Paschoal, deputada estadual por SP, também lamentou pelas redes sociais a decisão da Globo. “Ao restringir o número de candidatos participantes nos debates anteriores ao primeiro turno, a Rede Globo interfere nas eleições! Trata-se de um ataque à Democracia! A população tem direito a ouvir todas as propostas!”, publicou a advogada.
Em 1989, ocorreu a primeira eleição presidencial após o fim da Ditadura Militar. Fernando Collor e Lula disputaram o segundo turno e participaram do debate promovido pela Globo, Band, Manchete e SBT. Na ocasião, os dois estavam bem próximos nas pesquisas.
Após o debate, a Globo fez uma edição para o Jornal Nacional no dia seguinte e a oposição acusou o canal de ter manipulado em favor de Collor. Um relatório feito pela DENTEL (Departamento Nacional de Telecomunicações), divulgado em dezembro de 1989, apontou certo favoritismo da emissora para Collor. Ele teria tido 79% de mais tempo de divulgação no noticiário político em comparação com Lula entre os dias 27 de novembro até 6 de dezembro.
Em 2016, no programa Morning Show, da Jovem Pan, o ex-mandatário da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, se posicionou sobre o assunto. Ele relatou que Collor – eleito presidente em 1989 – foi melhor preparado que Lula e admitiu que o canal não teve um comportamento correto.
“O Collor foi preparado para o último debate na TV Bandeirantes com o Lula e eu fui o responsável pela preparação dele. O Dr. Roberto Marinho me pediu para ajudar nesse sentido, pois ele acreditava no Collor, não por ideologia, mas como todos nós acreditávamos, tínhamos esperança nele naquela época. A orientação, obviamente, era para que não houvesse nenhum tipo de edição favorecendo nenhum dos candidatos, mas, de repente alguém da redação mais 'Lulista' fez uma edição favorecendo mais o Lula e isso foi exibido na primeira edição. O Dr. Roberto evidentemente ficou furioso e mandou reeditar e eu vejo que na primeira edição o Collor ganhou de 2x1 e na segunda edição de 7x1. Eu estava em Angra e tomei um susto! Não acredito que isso influenciou, pois a audiência mostrou que a maioria viu ao vivo, mais do que as edições, mas claro que não é algo correto. Depois disso teve a regra na Globo de nunca mais mexer em nenhum debate”, afirmou.
Claro que se passaram três décadas e muita coisa mudou no processo eleitoral, mas os debates na Globo continuam tendo influência frente aos eleitores. Não por acaso há certa expectativa para que o canal mude de postura e encontre mecanismo de receber um número maior de candidatos sem que ninguém fique exposto ao novo coronavírus.
O calendário dos debates eleitorais já foi definido e os pré-candidatos estão se organizando para apresentarem suas propostas ao público. A Band é quem dará o pontapé inicial e o encontro dos postulantes as prefeituras acontecerá no dia 1° de outubro.
A Globo exibirá os seus debates no dia 12 de novembro, logo após a novela das 21h. Se os partidos não entrarem em acordo, a emissora irá cancelar a transmissão e apenas reunirá os candidatos no segundo turno. As eleições municipais estão marcadas para ocorrer no dia 15 de novembro.
Confira o posicionamento da Globo:
“Desde o início da Pandemia, a Globo tem se esforçado ao máximo para esclarecer o público sobre como evitar o contágio pelo coronavírus. Como prestam um serviço essencial, seus jornalistas não pararam de trabalhar, mas seguem um rígido protocolo para evitar ao máximo que adoeçam.
No planejamento para cobrir as eleições municipais, acreditou-se que o país chegaria a outubro com taxas de contágio sob controle, o que, infelizmente, não ocorrerá. Há outro aspecto: o elevado número de candidatos a prefeito em quase todas as cidades, como Rio, São Paulo e Belo Horizonte, para citar apenas três, com dez ou mais candidatos. Isso impõe grandes desafios.
Para se ter uma ideia, com dez candidatos, considerando que cada um possa ser acompanhado de apenas dois assessores (no passado esse número era superior a dez), haveria trinta pessoas ligadas às campanhas no estúdio num debate de primeiro turno. Acrescentando a equipe da Globo minimamente necessária para realizar o evento com qualidade, esse número supera 200 pessoas, incluindo jornalistas, câmeras, produtores, profissionais da sala de controle técnico, tecnologia, comunicação, operações e segurança (num debate normal, com plateia e convidados, é o dobro disso). Não há protocolo sanitário que garanta a saúde aos profissionais da Globo e aos candidatos.
Além disso, a severidade da legislação eleitoral não permite que a Globo possa exigir que as medidas de precaução (realização de certo número de testes necessários anteriores ao debate, afastamento entre as campanhas no estúdio, respeito aos espaços delimitados pelos painéis de acrílico, posicionamento no estúdio, uso de máscara o tempo todo por assessores) sejam cumpridas. Também não permite que o candidato seja impedido de participar do debate ou dele afastado caso não cumpra com as medidas. Isso é grave. Recente ato oficial em Brasília mostrou que, mesmo medidas de precaução, como painéis de acrílico separando autoridades, uso de máscaras e presença limitada a um mínimo, não evitaram que um surto fosse atribuído ao evento.
A alternativa de fazer um debate de forma remota não é possível. Os candidatos precisam ser tratados de forma equânime e ter as mesmas condições, e o público precisa perceber isso. Um candidato pode injustamente ser acusado de estar com ponto eletrônico, de estar recebendo ajuda de assessores, por exemplo. A transmissão pode cair num momento importante do debate, e a Globo ser injustamente acusada de ser a culpada ou, da mesma forma, e também de forma injusta, o candidato ou sua campanha serem acusados de terem provocado a interrupção para fugir de um momento difícil.
Por tudo isso, a Globo decidiu que só fará debates no primeiro turno onde haja acordo entre os partidos para que apenas os quatro mais bem colocados candidatos na pesquisa eleitoral mais recente (Ibope ou DataFolha) participem dos debates. A Globo vai lutar por esse acordo. O debate de segundo turno permanece com a data prevista.
Da mesma forma, as entrevistas em estúdio com os candidatos também não serão feitas. A característica dessas entrevistas é terem tempos iguais para todos e mesmo grau de dificuldade. São feitas em muitos dias consecutivos, com os candidatos sentados próximos dos entrevistadores e dos câmeras. E os candidatos comparecem a elas com assessores. É impossível conhecer o nível de exposição de candidatos ao vírus durante uma campanha. Não se pode garantir como interagem com os eleitores nas ruas.
Os estúdios da Globo são ambientes altamente controlados, para evitar contágio de seus profissionais. O risco de submeter suas equipes ao coronavírus por dias seguidos de contatos com candidatos em permanente exposição às ruas é muito alto. Pelas mesmas razões elencadas sobre debates, não é possível realizá-las de maneira remota.
Essas medidas são válidas para todas as quatro emissoras Globo (Rio, SP, BH e RCE onde há eleições) e recomendadas a todas as suas afiliadas, que seguem o mesmo protocolo.
Fora esses pontos, a Globo fará uma cobertura das eleições ainda mais extensa que em anos anteriores, com assuntos temáticos, abordando com mais intensidade aqueles de maior interesse do público revelados por pesquisas, esmiuçará os planos dos candidatos, a viabilidade deles e como pretendem alcançá-los, os pontos polêmicos de cada candidatura, ouvindo diariamente os candidatos sobre os temas abordados, mas de forma segura. E divulgará pesquisas eleitorais do Ibope e/ou DataFolha.
O jornalismo fará o que tem feito ao longo de toda essa pandemia: oferecer informação de qualidade, mas seguindo todos os protocolos sanitários. E precisa dar o exemplo. Não pode cobrar dos outros o que não faz para si.
Abraços,
Ali.”
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