Publicado em 18/10/2020 às 11:48:31
Já pensou descobrir se o casamento de Maria de Fátima (Gloria Pires), de Vale Tudo (1988), com o príncipe deu certo? Ou se Flora (Patrícia Pilar), de A Favorita (2008), saiu da prisão? Quem sabe descobrir se Carminha (Adriana Esteves), de Avenida Brasil (2012), voltou a aplicar golpes e saiu do lixão? Isso seria possível caso as novelas brasileiras investissem num formato que vem sendo muito explorado na TV americana, os revivals. É o caso de Dexter, premiada série que teve o anúncio de novos episódios na última semana e movimentou o mercado dos EUA. Mas por que uma revisitação a um produto de sucesso é tão bem visto em outros países e as novelas brasileiras nunca experimentaram? O NaTelinha mergulhou no tema e falou com diversos profissionais e especialistas da área para encontrar a resposta.
Para discutir o assunto é preciso primeiro compreender os termos utilizados no universo de dramaturgia. Existem três formatos dentro do universo de uma produção: o reboot, o spinoff e o revival. Enquanto o reboot é uma espécie de remake, como conhecemos, ou seja, é recontar a mesma história, anos depois, com os mesmos personagens. Já o spinoff é quando um personagem de determinada série, novela ou até filme, ganha uma história própria, diferente da contada na obra original. Por fim, o revival é revisitar os personagens da história anos depois.
Nos últimos anos, a TV americana vem apostando em revivals e Dexter não chega a ser uma surpresa devido ao sucesso que o formato vem fazendo. Em 2017, a Netflix anunciou uma visita contemporânea mostrando como estavam os personagens de Gilmore Girls anos depois do encerramento da produção. Arquivo X, Will and Grace e até 24 horas deram a chance do público rever seus personagens prediletos.
Embora bastante comum nos EUA, no Brasil a prática do revival ainda não foi pensada - em termos. O modelo mais comum utilizado por aqui é o remake. Apenas nos últimos anos a Globo investiu pesado em produções assim, com Tititi (2010), O Astro (2011), Gabriela (2012), Guerra dos Sexos (2012), Saramandaia (2013), Meu Pecadinho de Chão (2014), O Rebu (2014), Haja Coração (2016) e Éramos Seis (2019) e já está confirmado para o ano que vem a nova versão de Pantanal e para 2022 Amor com Amor se Paga (1985).
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O NaTelinha entrou em contato com diversos profissionais da área de novelas para saber se o formato atende as exigências. O diretor Alexandre Boury, que fez parte da equipe de produções como A Próxima Vítima (1995) e O Profeta (2007) é um dos defensores da ideia. "É um filão que não foi descoberto ainda pelas novelas brasileiras, mas é facilmente realizável", conta ele em conversa exclusiva com a reportagem.
Para o diretor, é possível inclusive remontar cidades cenográficas. "É fácil, basta dar um ar modernizado, como acontece com a vida em que os cenários vão mudando ao longo dos tempos. Tecnicamente não é difícil de ser feito e é uma ideia interessante que alguém logo deve ter", salienta o diretor, lembrando ainda que o país já se rendeu ao remake e que pode acontecer o mesmo com o revival.
Quem concorda com o diretor é Lauro César Muniz. Responsável por grandes fenômenos de audiência, o novelista defende que é possível investir no formato. "Sou plenamente favorável ao revival de novelas e minisséries brasileiras, sobretudo da TV Globo que tem uma história de mais de 50 anos", conta ele e foi além. "Naturalmente os trabalhos retomados seriam entre novelas que marcaram a história pela qualidade", garante o autor de obras icônicas como O Salvador da Pátria (1989), O Casarão (1976) e Poder Paralelo (2009).
Já Carlos Lombardi pensa um pouco diferente. Tido como um dos portos seguros que ajudou a fortalecer a faixa das sete entre os anos 80 e 90, o autor defende o revival, mas em outro estilo nas terras brasileiras. "A novela acaba quando o conflito acaba, não dá para revisitar a novela porque não existe mais o conflito. Mas é possível fazer um revival em formato curto para mostrar como está a vida daqueles personagens que foram deixados antes", garante. Autor de tramas como Quatro por Quatro (1994), Kubanakan (2003) e Pé na Jaca (2006), Lombardi defende uma experimentação. "Um filme de uma hora e meia seria suficiente para fazer a homenagem e relembrar o público. Uma novela inteira, talvez teria interesse no começo, mas depois disso é difícil".
O NaTelinha também perguntou para os profissionais quais novelas eles apostariam em revivals, caso o filão fosse utilizado no Brasil e as respostas foram as mais variadas. Alexandre Boury, que esteve na equipe de Que Rei Sou Eu? (1989) defendeu a possibilidade de uma revisitação e até deu sugestões de roteiro. "Bastava o Jean-Pierre (Edson Celulari) ter tomado o poder e se tornar um corrupto e ditador. E a gente nem abandonaria o estilo do Cassiano [Gabus Mendes, autor da obra original e falecido em 1993], que adorava tratar temas atuais", afirma ele. Boury lembrou ainda que seria possível revisitar a história de Tieta (1989). "Outra tempestade de areia traria a cidade de volta e os personagens voltariam. Aliás, a Betty está aí, seria ótimo rever a Tieta nos dias atuais", crava ele.
Já Lauro César afirma que não tem mais condições de conduzir um revival ele próprio. "No meu caso não escreveria pessoalmente nenhum trabalho de telenovela pois estou com 82 anos e não desejo dedicar um tempo enorme em um trabalho já realizado . Eventualmente eu poderia acompanhar ou até supervisionar o trabalho de um colega mais jovem", conta e cita nominalmente algumas de suas obras que poderiam ser revisitadas. "no meu caso eu teria prazer em rever Escalada, O Casarão, Transas e Caretas e O Salvador da Pátria", sugere.
Carlos Lombardi também deu seus pitacos nas obras e surpreende quem pensa na mais cultuada de suas novelas. "Kubanakan tem o final aberto e eu prefiro que cada um mantenha sua própria versão", afirma ele se referindo ao surpreendente fim da história que deixa em dúvida sobre a possibilidade de uma viagem no tempo, mas ele dá exemplos. "Se as quatro ainda estivessem vivas, seria bacana um telefilme mostrando como as quatro amigas de Quatro por Quatro estão atualmente". Isso seria, contudo, impossível, já que Betty Lago, uma das protagonistas, faleceu em 2015. Lombardi também cita outra de suas tramas para um possível revival. "Seria ótimo ver como andam os cinco amigos de Pé na Jaca", comenta finalizando.
A Globo está tratando As Five como um spinoff de Viva a Diferença, mas será mesmo? Um spinoff sugere um ou mais personagens de uma obra original inseridos em uma nova história, enquanto revival é revisitar aqueles personagens. Em As Five, as cinco amigas irão se reencontrar após sete anos afastadas e voltarão a viver a força da amizade que as uniu na temporada de Malhação.
O formato utilizado por Cao Hamburger se aproxima mais do revival que do Spinoff, ao menos é o que defende Paulo Irikura, especialista em dramaturgia. "O revival e o spinoff são diferentes no conceito, mas na prática não é tão simples de perceber. Neste caso, me parece se tratar de um revival porque o público vai rever as personagens partindo do mesmo pressuposto de antes, a força da amizade", explica ele em conversa com o NaTelinha.
Mas o estudioso, que também é diretor de teatro, pondera. "É preciso lembrar que um revival normalmente é uma espécie de homenagem para o público matar a saudade e costuma vir ao ar bem depois do encerramento, não me parece o caso de As Five", garante. A série exclusiva do Globoplay tem previsão de estreia para o mês de novembro e já garantiu uma segunda temporada.
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