Publicado em 16/06/2021 às 07:09:00
Em janeiro de 2020, Regina Duarte aceitou ser Secretária Especial da Cultura do governo do presidente Jair Bolsonaro cercada de desconfiança, críticas e, ao mesmo tempo, um pouco de esperança. Consagrada como atriz, seu colegas de profissão não aprovavam a gestão do atual governante brasileiro e acreditavam que Regina poderia dar maior atenção ao setor cultural do país, algo que acabou não ocorrendo. Nos quase seis meses em Brasília, se envolveu em diversas polêmicas, como uma foto nas redes sociais sem autorização de Carolina Ferraz e uma entrevista na CNN Brasil onde minimizou as consequências da Ditadura Militar (1964-1985). Na última quinta-feira (10), completou um ano que a atriz foi exonerada e deixou cargo no governo.
Tudo começou quando Roberto Alvim publicou um vídeo nas redes sociais em que tinha símbolos que faziam apologia ao nazismo. Muito criticado, ele foi exonerado por Bolsonaro e rapidamente o presidente pensou em um nome que pudesse tentar fazê-lo se aproximar da classe artística. Com boa relação com Regina, ela se tornou a favorita para entrar no governo.
Depois de diversos encontros – Regina e Bolsonaro chegaram a afirmar que estavam namorando – ela anunciou que faria parte da gestão. Seu principal objetivo era criar um laço entre os trabalhadores culturais com o presidente. Mas para entender a passagem dela pelo Poder Executivo é preciso conhecer um pouco mais da trajetória da atriz.
Regina sempre teve participação ativa no cenário político brasileiro. Lutou contra a Ditadura Militar, estando ao lado de diversos artistas nos protestos da Diretas Já. Na década de 1980, apoiou Fernando Henrique Cardoso para a prefeitura de São Paulo e seguiu ao lado dele pelos anos seguintes.
Em 2002, ficou marcada pela frase “Eu tenho medo”. Na ocasião. Ela estava ao lado do então candidato José Serra, também do PSDB e a preocupação de Regina era como ficaria o Brasil, caso Lula vencesse. A atriz foi muito criticada pelos seus colegas, mas nada que a prejudicasse profissionalmente, pois todos compreenderam aquilo como uma declaração democrática.
Nos anos seguintes, Regina se mostrou contra o governo PT, mas passou longe de ter a mesma participação do passado. Porém, em 2016, tudo mudou. Ela se declarou abertamente favorável a vitória de João Dória a prefeitura de São Paulo, derrotando Fernando Haddad.
No ano seguinte, Dória apareceu vestido de gari e limpou algumas ruas de São Paulo, numa jogada de marketing para chamar a atenção dos paulistanos. Bem humorada, Regina ficou ao lado do político segurando uma vassoura e comemorando a ação do político.
Introduzida na política atual, Regina Duarte seguiu se posicionando a favor de pautas conservadoras e que dialogavam com eleitores de Jair Bolsonaro. Com a onda bolsonarista crescendo em todo país, a atriz deixou claro que votaria nele e chegou a dizer que o então deputado lembrava o jeito do pai dela.
Regina Duarte usou suas redes sociais para defender pautas do presidente Bolsonaro – a reforma da previdência é um exemplo – e ganhou ainda mais a simpatia da extrema-direita do país. Essa boa relação com o governo não era bem vista pela classe artística, só que ela seguia sendo respeitada pela maioria.
No fim de fevereiro, ela anuncia que estava se desligando da Globo para poder fazer parte do Poder Executivo Federal. “Deixar a TV Globo é como deixar a casa paterna. Aqui recebi carinho, ensinamentos e tive a oportunidade de interpretar personagens extraordinárias, reveladoras do DNA da mulher brasileira. Por mais de cinquenta anos sinto que pude viver, com a grande maioria do povo brasileiro, um caso de amor que, agora sei, é para sempre. E não existem palavras para expressar o tamanho da minha gratidão”, afirmou ela.
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“Que Deus me ilumine para que eu possa agora, na Secretaria Especial de Cultura do Governo Bolsonaro, honrar meus aprendizados em benefício das Artes e das Expressões Culturais da população do meu país”, acrescentou.
A atriz chegou à emissora em 1969, após abandonar a Excelsior para protagonizar Véu de Noiva, escrita por Janete Clair. Desde então, ela viveu inúmeras personagens, inclusive a sonhadora Patrícia Lobato em Minha Doce Namorada (1970). Por conta desse papel, ostentou o título de namoradinha do Brasil.
Ao longo dos 50 anos de Globo, Regina Duarte viveu personagens que fazem parte da memória afetiva do público, como a viúva Porcina de Roque Santeiro (1985), a batalhadora de Raquel em Vale Tudo (1989) ou Maria do Carmo em Rainha da Sucata (1990).
Com a entrada de Regina Duarte no governo Bolsonaro, houve uma divisão na classe artística. Uns ficaram chateados, porque tratavam o presidente como fascista. Outros passaram a acreditar que seria uma oportunidade para que a arte brasileira fosse melhor vista pela gestão bolsonarista.
Porém, uma postagem da atriz no Instagram já causou o primeiro ruído. Ela publicou fotos de artistas que, supostamente, estariam ao lado do de Bolsonaro. Muitos pediram para que suas imagens fossem retiradas da imagem e a atriz Carolina Ferraz chegou a gravar um áudio sobre o assunto.
"Regina não imaginei que você fosse colocar minha foto ou a foto de qualquer um, né, colega nosso, sem até comentar ou pedir autorização da gente, né", disse Carolina em áudio enviado pelo WhatsApp, conforme denunciou o jornal Folha de S. Paulo.
Embora tenha ficado insatisfeita com a postagem sem autorização prévia, Carolina deixou claro na mensagem que realmente torcia para que a colega fosse bem sucedida no cargo. "Realmente, torço para que você consiga exercer e fazer a diferença em um governo que desprestigia tanto a classe artística, que persegue tanto a classe artística", falou, mostrando que não está satisfeita com a atual gestão.
Na continuação do áudio, Carolina fez questão de dizer que não apoia Bolsonaro. "Você, sendo uma artista que eu conheço há mais de 30 anos, espero que você faça a diferença. Mas eu não quero ser usada como alguém que está ali no seu Instagram, porque dá a entender que eu apoio o governo Bolsonaro e eu não apoio, Regina. Eu nunca aprovei e nunca compactuei com esse governo e inclusive não votei no Bolsonaro", cravou.
Ela apagou a imagem e se desculpou, afirmando que Carolina estava certa e faltou sensibilidade da parte dela para pedir aos colegas autorização para publicar a foto. No dia 4 de março de 2020, foi empossada e deixou claro que seu objetivo era acabar com as brigas.
“Meu propósito aqui é pacificação e diálogo permanente com o setor cultural, com estados e municípios, com o parlamento e com os órgãos de controle”, declarou. Mesmo assim, todo o discurso foi ironizado por conter frases caricatas.
Bolsonaro nunca gostou da Globo, mas Regina Duarte deu sua primeira entrevista ao Fantástico. Isso causou mal-estar com ala mais radical do governo, mas isso não a impediu de enviar um recado aos artistas.
“Eu acho que o dinheiro público deve ser utilizado seguindo algumas diretrizes importantes, porque é o que a população que elegeu esse governo espera dele. Todos estão livres para se expressar, desde que busque seus patrocínios na sociedade civil. Você agora não vai gravar filme pra agradar minoria com dinheiro público”, afirmou.
Questionada se as minorias não teriam espaço no seu governo, Regina explicou que quer dialogar com os artistas, mas deixou claro que eles precisam se esforçar para arrecadar dinheiro. Sobre a Lei Rouanet, Duarte prometeu que sua equipe faria modificações para que a ferramenta estivesse mais acessível para os produtores e empresas.
Regina revelou que aceitou ser secretária por causa do desafio. “É um aprendizado imenso para algo que não estava preparada. Isso me assustava muito. Mas depois eu percebi que poderia dividir isso com uma equipe competente, apaixonada por cultura e, por patriotismo, aceitei”.
A artista também não aprovou o comportamento do antigo secretário, Roberto Alvim, que foi demitido após fazer uma propaganda com semelhanças nazistas. “Ele foi tomado por um personagem e esqueceu que era o secretário de cultura de um país. Gravíssimo. Caiu!”, posicionou-se.
A declaração de Regina Duarte no Fantástico desagradou muitos bolsonaristas e começou um processo de “fritura” para que ela perdesse o cargo. A classe artística contra o governo Bolsonaro optou por dar um tempo para fazer críticas mais firmes sobre o trabalho da então secretária.
Só que dois meses se passaram e ela não tinha apresentado nenhum projeto concreto para a cultura. Com forte pressão e supostas ameaças de queda, ela chegou a se manifestar. “Que loucura isso, que loucura. Eu acho que ele está me dispensando’, lamentou.
O desabafo não foi por acaso. Ela acabou sendo pega de surpresa ao descobrir que Dante Henrique Mantovani estava retornando ao cargo de presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes). Regina tinha exonerado o profissional, que havia sido nomeado em dezembro, assim que assumiu o cargo na cultura.
Em conversa direta com a reportagem da revista Crusoé, Regina Duarte disse que não iria comentar a conversa vazada com a assessora por se tratar de um assunto privado, mas confirmou a surpresa ao descobrir o retorno de Mantovani para a Fundação Nacional de Artes. Duarte também demonstrou estranhamento pela nomeação não ter tido a sua opinião direta. Ali ficou claro o “racha”.
Em maio do ano passado, Regina Duarte deu uma entrevista para a CNN Brasil com objetivo e falar dos seus projetos. Mas tudo acabou seguindo um caminho indesejável e ela chegou a minimizar as mortes causadas pela Ditadura Militar (1964-1985).
"Vai desenterrar a mensagem da Maitê para quê? O que que você ganha com isso? Quem é você que está desenterrando uma fala da Maitê de dois meses atrás?", esbravejou Regina.
Daniela Lima tentou explicar: "Não, não, ela enviou para a gente hoje". Reinaldo Gottino também entrou na discussão, mas a secretária de Cultura ameaçou encerrar a entrevista. "A senhora, por ser secretária da Cultura, tem que estar aberta para ouvir as pessoas. Por favor, o que é isso", falou o apresentador.
"Vocês estão desenterrando mortos, vocês estão carregando um cemitério nas costas, vocês devem estar cansados. Fiquem leves, olhem para a frente", criticou Regina Duarte. Ela se desculpou, mas não foi o suficiente e vários artistas a detonaram.
Sem clima para continuar no governo, Regina Duarte anunciou sua saída do cargo. Pouco tempo depois, Mário Frias foi anunciado como o novo Secretário. Desde então, a atriz tem usado suas redes sociais para falar sobre o seu dia-a-dia.
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