Silvio Cerceau

O protagonismo negro na novela: mais que cota, uma questão de representatividade

Novelas brasileiras ganham força com protagonistas negros, refletindo a diversidade e realidade do país na ficção

Clara Moneke é protagonista em Dona de Mim - Foto: Reprodução
Por Silvio Cerceau

Publicado em 16/11/2025 às 06:12:24

A teledramaturgia no Brasil, um dos produtos culturais de maior alcance e penetração, vive um momento de inflexão histórica: o protagonismo negro, antes raro ou relegado a estereótipos, finalmente vem, há alguns anos, ocupando o centro das narrativas. 

A escalação de atores e atrizes negros em papéis de destaque e complexidade não é apenas uma cota ou uma resposta ao medo do cancelamento, mas sim um passo fundamental para que a televisão reflita a real composição do país e cumpra seu papel social. 

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Com mais de 55% da população brasileira se autodeclarando negra (preta ou parda), a tela de televisão por muito tempo pintou uma realidade distorcida.

A ausência de diversidade em papéis centrais perpetuou o mito da democracia racial, sugerindo que o Brasil teria superado o racismo, enquanto, na prática, a comunidade negra era invisibilizada ou marginalizada nas histórias de ficção.  Por décadas, os atores negros ficaram limitados a papéis subalternos, como empregadas domésticas, motoristas, babás ou fiéis escudeiros.

A relevância atual reside em romper com essa limitação e mostrar a complexidade da vida negra: black personagens podem ser advogados, empresários, estilistas ou figuras centrais com tramas próprias, sem terem que servir de ponte para a história de personagens brancos.

Ocupar papéis protagonistas é crucial para a identificação. Atrizes como Jessica Ellen, que hoje estrela produções de destaque, apontam que sua maior referência na infância era Taís Araújo, ressaltando que ver mulheres negras na tela sinaliza que a mudança está ocorrendo e inspira as futuras gerações. 

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Na minha opinião, o protagonismo negro traz consigo pautas e vivências inerentes à comunidade, enriquecendo o folhetim com novas perspectivas e profundidade. A teledramaturgia ganha em autenticidade ao explorar dilemas e triunfos que ressoam com a maioria da população brasileira. 

O movimento negro no Brasil tem uma longa história de luta contra a marginalização na TV, com protestos que remontam até à década de 1960 contra estereótipos e blackface. Embora avanços notáveis tenham ocorrido a partir de 2022, com novelas apresentando protagonistas negros, o marco histórico de 2024, com todas as novelas da Globo exibindo protagonistas femininas negras simultaneamente, foi um reconhecimento tardio da realidade demográfica do país.

A relevância da escalação, portanto, deve ser medida pela qualidade e complexidade dos papéis, não apenas pela presença: os personagens precisam ser o centro da ação, com arcos dramáticos fortes e não meros coadjuvantes de luxo. 

Atores como Gabz, protagonista em Mania de Você, Bella Campos e Taís Araújo no remake de Vale Tudo, a presença negra em Êta Mundo Melhor e Clara Moneke em Dona de Mim, destacam a importância de viver personagens complexas, fortes e obstinadas, refletindo que a mudança está caminhando na direção certa. 

É necessário ir além da presença física e garantir que a escrita dos personagens não caia em novos estereótipos ou no esvaziamento de identidade negra. A ascensão de atores negros exige o mesmo nível de reconhecimento e oportunidade concedido aos atores brancos.

A presença negra em papéis de destaque é uma conquista do movimento social e um reflexo da crescente conscientização. Para o futuro da teledramaturgia, a relevância está em consolidar essa mudança, tornando a diversidade não uma exceção, mas a regra, através de personagens que sejam tão complexos, falhos e humanos quanto a própria realidade dessa população, avançando e normalizando a presença deles através da tela, entrando naturalmente nas casas.

O importante é que a história das novelas converse com o público, e que ele se identifique com a ficção que imita a vida, independentemente da audiência alcançada. É uma evolução necessária. É a perda do receio da rejeição. É mostrar o Brasil de fato como é, diverso. 

Independente da cor, são todos seres humanos, com os mesmos direitos e deveres. Essa é uma função social e necessária na dramaturgia, que ainda é o produto mais visto no mundo.



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