Quarta Parede

Malhação aborda censura na semana em que governo de Rondônia mandou recolher livros de escolas

Ao antecipar a discussão, novela evidencia a pertinência de seu texto

Em cena de Malhação, Jaqueline (Gabz) defende Capitães de Areia, de Jorge Amado - Globo/Reprodução
Por Walter Felix

Publicado em 10/02/2020 às 06:41:00

Há 10 meses no ar, Malhação: Toda Forma de Amar segue com abordagens oportunas ao atual momento do país. Na última semana, a novelinha teen assinada por Emanuel Jacobina deu mais uma prova de sua pertinência. Foi como se o autor antevisse a polêmica que se instauraria dias depois, com a tentativa de censura pelo Governo de Rondônia.

Em Malhação, a estudante Jaque (Gabz) bateu de frente com colegas que pretendiam tirar da biblioteca da escola livros tido por eles como “impróprios” para o ambiente escolar. O impasse deu origem a um debate no fictício Colégio Otto Lara Resende, seguido de uma votação entre os alunos, que, em sua maioria, aprovaram a censura a livros de Jorge Amado, Nelson Rodrigues, entre outros autores.

A partir da última quinta-feira (6), o imbróglio na trama era concomitante à repercussão causada pelo controverso documento da Secretaria de Educação de Rondônia (Seduc), que determinou o recolhimento de 43 títulos de escolas da rede estadual. Na lista, constavam clássicos da literatura brasileira, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e “todos os livros de Rubem Braga”.

Após a repercussão, o Secretário de Educação do estado, Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu, afirmou que o documento era um rascunho feito por técnicos e que não chegou a ser expedido. O Ministério Público Federal investiga o caso.

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Em Malhação, tramas banais deram lugar a sérias discussões

Peça de Nelson Rodrigues, Beijo no Asfalto é uma das obras censuradas pelos alunos reacionários de Malhação. O beijo entre dois homens, ponto de partida da história, é o que causa controvérsia entre parte dos estudantes. Curiosamente, o título também aparece na listagem da Secretaria de Educação de Rondônia. 

A “coincidência” evidencia a atualidade e pertinência alcançada pelo texto de Malhação, até outrora limitado a merchandising sociais rasos, desencontros amorosos e vilãs maquiavélicas. Auxiliado pela direção competente de Adriano Mello, Emanuel Jacobina leva uma discussão tão importante a um público que, normalmente, passaria ao largo dela.

Ao longo dos mais de 230 capítulos já exibidos da história, o autor também colocou em pauta homofobia, racismo estrutural, a ação da polícia militar no Rio de Janeiro, entre outros assuntos, sempre com seriedade ao acender tais debates.

Pode-se dizer que a tendência de abordar temas sérios - com um recorte ao público infantojuvenil, mas igualmente palatável à audiência adulta -, teve início em 2017, com Malhação: Viva a Diferença, de Cao Hamburguer. Na temporada seguinte, subintitulada Vidas Brasileiras, houve tentativa parecida, mas sem grande sucesso.

Dramas realistas também mantêm interesse na história

Na mesma semana em que a censura foi assunto em Malhação, vimos a jovem deficiente auditiva Milena (Giovanna Rispoli, tão jovem e já ótima atriz) optando por não se submeter à cirurgia que a faria escutar. Sensível, é uma das tramas paralelas que conseguem manter os olhos do público atentos à TV no fim de tarde.

É certo que, perdurando mais de 200 capítulos, alguns entrechos acabaram andando em círculos. Surpreende que Rita (Alanis Gullen) e Lígia (Paloma Duarte), respectivamente a mãe biológica e a adotiva de Nina, ainda não tenham chegado a um consenso sobre a guarda da criança. Nos últimos dias, as duas mostraram gradativa aproximação.

Se, de forma geral, texto e direção mostram grande competência, o elenco de veteranos e estreantes não fica atrás. Paloma Duarte deu show nos últimos capítulos, especialmente na sequência em que desmascara a irmã Lara (Rosanne Mulholland). Outra que se destaca, desde o início da história, é Mariana Santos, na pele de Carla, uma mãe de família divertida e igualmente severa com os filhos. Entre os mais jovens, Gabz (Jaqueline), Danilo Maia (Thiago) e Dora de Assis (Raíssa) são alguns dos mais promissores.

Toda Forma de Amar deve ficar no ar até maio. Sabe-se que a longa duração costuma tirar certas histórias dos trilhos, mas não parece será o caso. Experiente no formato, Jacobina ajudou a conceber Malhação, em 1995, e foi autor titular de outras quatro temporadas. Tamanho fôlego e constante reinvenção permitem dizer que o novelista fez, neste último ano, seu melhor trabalho à frente da atração.

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