Publicado em 12/10/2025 às 09:15:09, atualizado em 12/10/2025 às 13:56:14
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Num momento em que o governo Lula ensaia uma regulamentação junto às big techs, motivado pela preocupação com a proteção das crianças, é necessário, antes de qualquer medida, reconhecer que a busca por conteúdo nessas plataformas ocorre justamente porque as grandes emissoras de TV aberta, como a Globo, deixaram de oferecer programação e investimentos capazes de conter a fuga desse público.
Isso cria um ciclo vicioso que, no futuro, quando essa geração atual se tornar maioria entre os que apertam o controle remoto, poderá colocar em xeque o próprio modelo de negócio da TV aberta, caso nada seja feito até lá.
Hoje, Globo e Record praticamente ignoram a programação infantil, se limitam a sessões pontuais de filmes. A Band oferece uma faixa de desenhos modestos, com apenas uma hora aos sábados e domingos.
Já o SBT, apesar de enfrentar restrições regulatórias, tem se esforçado para manter uma conexão com a garotada, reativando programas como Bom Dia & Cia e Sábado Animado. No entanto, mesmo demonstrando interesse em ampliar essa oferta, esbarra em um obstáculo decisivo: a falta de verba.
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Desde 2015, com a portaria do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) que praticamente inviabilizou a publicidade voltada ao público infantil, o conteúdo para crianças entrou em queda livre.
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Sem a sustentação financeira dos anunciantes, a produção e exibição de programas infantis despencaram, não só na TV aberta, mas em todas as telas.
O que antes era um espaço consolidado na grade da TV, com programação diária voltada às crianças, como Circo do Arrelia (1953-1972), Gincana Kibon (1964 -1970), Xou da Xuxa (1986-1992), Clube da Criança (1983-1986), Balão Mágico (1983-1986) e Show Maravilha (1987-1994), agora, virou um território abandonado.
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A consequência é clara: uma infância cada vez mais entregue ao algoritmo das plataformas digitais, consumindo conteúdos que não foram pensados para ela.
Sem referências infantis, as crianças passaram a ser moldar por vídeos e músicas voltadas ao público adulto. Hoje é comum ver crianças na rua cantando refrões como “senta, levanta” e outros recheados de palavrões , um reflexo direto da ausência poder público de não entender o tamanho do problema.
“Na prática, não se pensou no universo completo: quem produz e quem consome ficaram desamparados. As emissoras perderam um dos principais mecanismos de financiamento, e, sem essa receita, deixaram de investir em novas produções. As produtoras independentes, por sua vez, viram seus projetos encolherem ou desaparecerem, já que o mercado doméstico deixou de oferecer espaço e sustentabilidade. E, no outro extremo, o público infantil ficou com menos opções de conteúdo nacional de qualidade, sendo empurrado para produtos importados ou para plataformas que nem sempre respeitam critérios de diversidade, faixa etária e valores culturais.”
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Bruno Zanoni, diretor de conteúdo do mercado
Para Bruno Zanoni, o vácuo deixado pela ausência de conteúdo infantil na TV aberta não foi compensado por políticas públicas de fomento ou incentivos específicos. O resultado, segundo ele, é uma geração inteira de crianças brasileiras com acesso cada vez mais limitado a conteúdos que reflitam sua própria cultura, linguagem e realidade.
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“Se o Brasil quiser retomar o investimento no audiovisual infantil, precisa antes entender o desequilíbrio que se instalou. Regular é necessário, sim, mas regular sem pensar em sustentabilidade e formação de público é um erro de política cultural.”
Bruno Zanoni, diretor de conteúdo do mercado
Governo precisa adotar medidas
Nesse cenário, defendo que a saída mais óbvia para reverter o apagamento da programação infantil na TV passa por uma política pública simples e objetiva: incentivo fiscal para quem colocar criança na tela. Sem isso, nenhuma emissora vai se arriscar a investir.
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Esse modelo já funciona em outros países. Canadá, Reino Unido, Austrália e Hungria oferecem reembolsos que chegam a 40% dos custos de produção, além de bônus regionais e estímulos para contratação local. Espanha e Portugal também têm legislações que favorecem o audiovisual infantil, muitas vezes amarrada a acordos de co-produção e políticas de formação de público.
Aqui, nada. O Brasil segue sem uma política que permita às emissoras e produtoras terem fôlego na busca por esse público. Resultado: criança brasileira consumindo cada vez mais conteúdo estrangeiro e adulto, empurrada para o algoritmo das plataformas.
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Sem incentivo, não tem produção. Sem produção, não tem programação. Sem programação, não tem formação de público. É um ciclo que precisa ser quebrado, e rápido.
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