Marco da Tupi

50 anos depois, cápsula do tempo de Flávio Cavalcanti será desenterrada

Urna enterrada no Museu Nacional guarda fita da TV Tupi e carta de Adolpho Bloch, fundador da Manchete


Flávio Cavalcanti no palco do seu programa na TV Tupi
Flávio Cavalcanti fechou a cápsula do tempo no Rio de Janeiro com filmes do Brasil da época - Foto: Divulgação/Colorizada por computador
Por Sandro Nascimento

Publicado em 15/12/2021 às 04:00,
atualizado em 15/12/2021 às 11:41

Um dos maiores mistérios da TV brasileira está prestes a ser desvendado. Meio século após ter sido enterrada na Quinta da Boa Vista, diante do Museu Nacional, no Rio, finalmente será desenterrada e reaberta a urna lacrada durante uma solenidade apresentada por Flávio Cavalcanti (1923 - 1986) em seu programa na TV Tupi de 7 de janeiro de 1973. O resgate do material foi confirmado por um funcionário do museu ouvido pelo NaTelinha.

Nos últimos anos, algumas especulações foram feitas em torno dessa cápsula do tempo. Ela foi idealizada por Fernando Luís da Câmara Cascudo (1931 - 2013), primogênito de Luís da Câmara Cascudo (1898 - 1986), um dos maiores cientistas sociais de todos os tempos. O objetivo de Fernando era conservar registros do Brasil de 1972, ano em que o país comemorou o sesquicentenário de sua independência. A cápsula só poderia ser resgatada em 2022, quando o Brasil completará 200 anos como nação independente.

Segundo os jornais da época, a cápsula do tempo foi montada pelo Instituto Nacional de Tecnologia, que usou latão, acrílico e um material antimagnético. Dentro, estariam diversos objetos, tais como um disco com o Hino do Sesquicentenário da Independência, composto por Miguel Gustavo (1922 - 1972), uma cópia do Plano Nacional de Desenvolvimento, publicações da Bloch Editores e uma fita com o programa Participação, apresentado e dirigido por Fernando Cascudo, com o tema A Herança de uma Geração - Brasil 2022. 

50 anos depois, cápsula do tempo de Flávio Cavalcanti será desenterradaFlávio Cavalcanti lê a carta de Adolpho Bloch. Entre eles, está Fernando Cascudo - Foto: Reprodução

Esse especial, exibido pela Tupi às 23h de 8 de janeiro de 1973 incluiu depoimentos de famosos como Chacrinha (1917 - 1988), Ciro Monteiro (1913 - 1973), Emerson Fittipaldi, Flávio Cavalcanti, Jairzinho, Luiz Gonzaga (1912 - 1989) e Rosemary, além de políticos, profissionais liberais e gente comum. A atração contou também com reportagens sobre a indústria nacional, números musicais e imagens da Copa do Mundo de 1970 e da rodovia Transamazônica. "Mesmo sem ter assistido ao programa, já é possível afirmar, com base nas reportagens da época, de que se trata de uma produção com tom ufanista, em linha com aqueles tempos de ditadura militar e milagre econômico", analisa o professor Fernando Morgado, autor do best-seller Silvio Santos - A Trajetória do Mito e membro da Television Academy, entidade realizadora dos prêmios Emmy.

A cerimônia de fechamento da urna ocorreu durante o Programa Flávio Cavalcanti de 7 de janeiro de 1973. Diversas personalidades compareceram ao auditório carioca da Rede Tupi, localizado no prédio onde antes funcionava o Cassino da Urca. Uma dessas personalidades foi Adolpho Bloch (1908 - 1995).

Dono da editora que levava seu sobrenome, ele foi responsável por várias publicações memoráveis, com destaque para a Manchete, revista semanal ilustrada que desbancou O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand (1892 - 1968). Em 1983, Bloch inaugurou a Rede Manchete de Televisão, que faria história com suas novelas, telejornais e transmissões de carnaval. 

50 anos depois, cápsula do tempo de Flávio Cavalcanti será desenterradaAnúncio do programa Participação, cuja cópia foi colocada na cápsula do tempo - Foto: Reprodução

Vestindo uma camisa quadriculada, Adolpho Bloch entrou no palco da Tupi segurando um punhado de fascículos, livros e revistas de sua editora. Bloch também levou uma carta assinada por ele próprio e que foi lida ao vivo por Flávio Cavalcanti. O título da mensagem era Às Gerações do Ano 2022.

Cheguei ao Brasil quando se comemorava o 1º Centenário de sua Independência. Escrevo esta carta meio século depois da minha chegada. Hoje, decorridos mais 50 anos, vocês estão festejando o 2º Centenário. Vi Brasília nascer e estender-se numa longa estrada até Belém, quando a floresta amazônica deixou de ser virgem. Vi os primeiros automóveis e navios construídos no Brasil, suas primeiras grandes fábricas, hidrelétricas, estradas. Vi nascerem a Transamazônica, a Siderúrgica, a Perimetral Norte, a Ponte Rio-Niterói. A minha riqueza sempre foi o otimismo e a lealdade com os amigos. Não sei se ainda existem revistas, mas, como editor, acredito ter lançado na minha época algumas das melhores publicações periódicas do Brasil. Deixo-lhes aí alguns exemplares. Sempre disse que a vida só é digna de ser vivida quando se faz alguma coisa pela vida em vida. Construí escolas, teatros, museus, sempre com a conta em vermelho, nos bancos. Tenho certeza de que minha obra continua. Pois o importante não é ser, nem ter, nem parecer. O importante é fazer, construir, desenvolver. Sejam todos felizes, neste País que tanto amei. Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1973.

Adolpho Bloch

Valor histórico da carta do fundador da TV Manchete na cápsula do tempo de Flávio Cavalcanti

50 anos depois, cápsula do tempo de Flávio Cavalcanti será desenterradaPlaca de bronze que marca o local onde está enterrada a cápsula do tempo - Foto: Reprodução

Para Fernando Morgado, essa carta possui grande valor histórico. "O texto está em sintonia com a imagem de Brasil Grande que os militares desejavam comunicar. Apesar disso, vale sublinhar a dúvida que Adolpho Bloch tinha sobre o futuro das revistas e a certeza de que sua obra continuaria. O tempo mostraria que ele estava equivocado nesses dois pontos. Passado meio século, o meio revista continua existindo, mas as Empresas Bloch não", comenta o professor.

A carta e as publicações da Bloch Editores foram colocadas na cápsula do tempo, cujo enterro, na frente do Museu Nacional, aconteceu precisamente às 15h30 de 9 de janeiro, Dia do Fico, de 1973. A cerimônia foi comandada pelo general Antônio Jorge Correia, então presidente da Comissão Executiva Central responsável por coordenar as comemorações do sesquicentenário da independência do Brasil.

O local da urna está marcado com uma placa de bronze, onde constam os seguintes dizeres: "Todos que por aqui passem protejam esta laje, pois ela guarda um documento que revela a cultura de uma geração e um marco na história de um povo que soube construir o seu próprio futuro."

50 anos depois, cápsula do tempo de Flávio Cavalcanti será desenterradaFachada do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, em reforma - Foto: NaTelinha

O NaTelinha esteve na Quinta da Boa Vista, onde fica o Museu Nacional. O edifício, que serviu de residência oficial da família real, foi consumido pelo fogo em 2018 e passa por uma enorme restauração, prevista para ser concluída em setembro de 2022, mês em que o Brasil comemorará o bicentenário da independência.

De acordo com um funcionário do museu ouvido pela reportagem, a cápsula do tempo deve ser desenterrada juntamente com a reinauguração do museu. Esse mesmo funcionário também afirmou que várias pessoas tem ido à Quinta da Boa Vista com o objetivo de se aproximarem do local exato onde está a urna, mas, por conta das obras, o acesso ao público está proibido. Outro ponto importante é que ninguém sabe qual o estado de conservação da urna e dos materiais guardados dentro dela, inclusive a fita do programa da Rede Tupi.

"Garanto que nenhuma das pessoas envolvidas nessa iniciativa imaginou que a cápsula seria desenterrada enquanto o mundo sofre os efeitos de uma pandemia violenta e diante de um Museu Nacional incinerado. É um cenário diametralmente oposto ao futuro de otimismo que se propalava. De todo modo, esse é mais um aspecto intrigante da história da TV brasileira, que se confunde com a história do próprio Brasil", conclui Fernando Morgado.

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