Opinião

Caso Henry Borel: Gilmar Mendes manda Monique Medeiros de volta à prisão usando ChatGPT

Advogado Marcos Ferreira dá seu ponto de vista sobre o retorno de Monique Medeiros à prisão após decisão do ministro do STF


Monique Medeiros sendo presa (à esquerda) e Gilmar Mendes sentado (à direita)
Gilmar Mendes determinou que Monique Medeiros volte à prisão - Foto: Montagem

A professora Monique Medeiros, acusada de matar o próprio filho, Henry Borel, em 2021, foi presa novamente nesta quinta-feira (6) após decisão monocrática do ministro do STF, Gilmar Mendes. Dessa decisão, cabe recurso.

De uma análise detida da decisão do magistrado, é possível verificar tanta inconsistência que a impressão que fica é de que Gilmar Mendes tenha utilizado inteligência artificial para decidir.

Os fundamentos utilizados para restabelecer a determinação do TJRJ que decretou a prisão preventiva da professora são tão dissociados da realidade, das provas do processo e de decisões anteriores, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que até um leigo em Direito concluiria que a decisão extrapola as raias do razoável.

O ministro ressuscitou alegações dos advogados do assistente de acusação, o pai da vítima, Leniel Borel, que já haviam sido superadas, suscitando a ideia de que a professora teria descumprido as medidas cautelares alternativas impostas a ela quando da sua soltura.

Segundo Gilmar Mendes, o fato de a acusada ter feito postagens em suas redes sociais, no caso, vídeos dos momentos de carinho e felicidade na intimidade com o filho falecido, é motivo bastante para Monique ser reconduzida ao cárcere.

Enquanto alguns desinformados comemoram e veem essa medida como necessária para a “garantia da ordem pública”, outros (como eu) a interpretam como um exemplo preocupante de judicialização da opinião pública.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que ninguém deve desconsiderar a gravidade do caso em questão. A morte de uma criança é um fato abominável e exige uma apuração rigorosa para que sejam responsabilizados os verdadeiros culpados. No entanto, é fundamental que essa busca pela justiça seja conduzida dentro dos limites estabelecidos pelo Estado de Direito, respeitando-se os direitos fundamentais de todos os envolvidos, inclusive os de Monique Medeiros.

Aliás, no Brasil, a prisão é exceção e não regra, pouco importando a gravidade do delito. Mas o que se vê, normalmente, quando se trata de crime midiático, é a inversão desse princípio constitucional que não deve ser usado somente por conveniência.

Justamente por isso, ao se analisar a decisão do ministro Gilmar Mendes, é preciso questionar se ela se baseou estritamente nos princípios do direito ou se foi influenciada por pressões externas e pelo clamor popular.

Quem analisou as mais de 7 mil páginas do processo sabe que Monique presa não é sinônimo de justiça feita. Tudo indica, pois, que o ChatGPT não fez bem o dever de casa para o magistrado do STF.

Sobretudo, quando se sabe que a fundamentação jurídica para o retorno de Monique Medeiros à prisão foi baseado no fato dela ter usado seu perfil na rede social supostamente para coagir testemunhas. Mas nenhuma prova concreta foi indicada na decisão.

Mesmo porque, que razão teria Monique para fazê-lo, se ela já havia sido beneficiada pelos depoimentos das testemunhas colhidos em juízo, na primeira fase do processo que a libertou da prisão? Nenhuma. Pelo contrário. Todas as testemunhas descreveram a professora como “mãe zelosa”, inclusive seu ex Leniel Borel.

Vale lembrar, ainda, que o direito penal prevê medidas cautelares menos gravosas que a prisão para garantir a efetividade do processo. Logo, a decisão de reconduzir Monique Medeiros à prisão se mostra desproporcional e constrangedora.

E não é exagero assegurar que a determinação do ministro Gilmar suscita preocupações em relação à independência do Judiciário. Em outras palavras, é essencial que os magistrados decidam de acordo com a lei, pautando-se pela imparcialidade e pelo distanciamento das pressões externas. Ao tomar uma decisão que se alinha com a opinião pública e que pode ser interpretada como uma resposta ao clamor popular, o magistrado só reforça precedentes perigosos de instrumentalização do sistema judicial.

Outro ponto a ser destacado é que a prisão cautelar deve ser excepcional, devendo ser aplicada somente quando estritamente necessária para garantir a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal. Fora disso, qualquer decisão passa ser arbitrária e pode comprometer a imparcialidade do julgamento pelo Tribunal do Júri e a própria busca pela verdade real dos fatos.

Com efeito, é necessário questionar se a prisão de Monique Medeiros é indispensável nesse estágio do processo, especialmente considerando que ela é ré primária, não representa perigo à sociedade e possui residência fixa.

Sem olvidar que, uma vez solta, mesmo procurada por toda imprensa nacional, a professora se manteve reclusa com seus familiares, serena e longe dos holofotes, tão desejados e perseguidos pelo seu ex-marido, Leniel Borel.

Enfim, impossível não concluir que qualquer caso criminal exposto na imprensa de forma irresponsável e sensacionalista, acaba fulminando a garantia fundamental assegurada pela nossa Constituição e ratificada por diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário: ninguém pode ser preso sem justo motivo e considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Marcos Ferreira é advogado há 23 anos, pós-graduado em Direito Penal e MBA em Gestão Pública

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