Guilherme Weber fala sobre sucesso de "O Negócio": "maior audiência junto com 'Game of Thrones'"
Ator foi o vilão Tony de "Da Cor do Pecado", em 2004
Publicado em 03/04/2017 às 11:48
Ator, diretor e autor. Guilherme Weber tem multifunções na arte de fazer TV e cinema, e em breve estreia na última temporada da série "O Negócio", do canal HBO, na pele do booker Ariel, um cara do submundo, mas humano.
Na pele de um cafetão cheio de trejeitos, ele concedeu entrevista ao NaTelinha para falar um pouco sobre seu personagem e carreira. "Foi tudo bem intuitivo", diz Weber sobre como compôs o Ariel.
Ele também fala sobre o sucesso de "O Negócio" na América Latina e o que o público pode esperar de seu personagem na derradeira temporada da série. "Oficialmente, o que a HBO nos passa é a maior audiência junto com 'Game of Thrones'", comemora.
Na Globo, teve grande notoriedade em 2004 ao fazer um dos vilões de "Da Cor do Pecado", ao lado de Giovanna Antonelli, como Tony. "Foi uma novela onde aprendi a fazer televisão", relembra.
No ano passado, Weber causou polêmica em entrevista ao "Programa do Jô", quando soltou um "fora, Temer" no final da entrevista. "Levei uma bandeirada. Ele acabou quebrando a bandeira no meu ombro", lembra, sobre um militante que o atingiu na Marcha da Candelária no ano passado.
Confira a entrevista na íntegra:
NaTelinha - Você está gravando "O Negócio", uma série que faz muito sucesso no Brasil desde 2013. Seu personagem ganhou ainda mais destaque na segunda temporada, como o Ariel. Como foi o convite para fazer esse personagem e como você fez para compô-lo? Ele é repleto de trejeitos, um mau-caráter que tem tido pesos na consciência, com uma religiosidade confusa...
Guilherme Weber - Foi tudo bem intuitivo. As respostas de todas dessas perguntas são creditadas muito a intuição. A maneira com que chegaram em mim, coisa que até hoje eu não entendi, mas o Michel Tikhomiroff, que é o diretor, teve um olhar original, uma certa originalidade. Ele conhecia meu trabalho, viu determinada foto minha na internet e ele achou que tinha a ver com o Ariel, o que eu acho originalíssimo. Já aceitei o convite feliz, porque sabia que vinha de um diretor original, já que eu que sou o melhor produtor de elenco do país (risos), talvez eu não me escalaria para esse personagem. Um judeu, um falso judeu, um cafetão, um cara que obedece as regras do submundo, eu pensaria em 15 atores antes de mim. Achei que tinha um olhar original, e começamos a filmar a primeira temporada, e nas minhas duas primeiras diárias, o que é normal, você está se adequando a um personagem, era um Ariel muito neutro.
Quando partimos para outra locação, que ele tinha um restaurante, cheio de símbolos judaicos, uma musiquinha na trilha que tocava, e em determinado momento da filmagem, eu notei que faltava uma certa musicalidade. Um jeito de emitir o texto de maneira diferente. E comecei a me lembrar, meio coisa de memória afetiva mesmo, de alguns ucranianos e poloneses da minha cidade natal, que é Curitiba, e que fizeram parte da minha infância, que trabalharam na casa dos meus pais, de uma chácara que eu ia passar o final de semana, e a maneira como eles falavam. Aquele sotaque ucraniano, polonês, e comecei a compor de uma maneira informal, uma espécie de sotaque, o que na verdade não é oficial, já que ele bebe de fontes diferentes. Uma cadência de emissão de textos, que compõe, digamos, 90% do charme do Ariel, a maneira de falar, que é um pouco ucraniana, polonesa, um pouco judaica, que tem às vezes uma religiosidade italiana. Todas as colônias e comunidades muito fortes em Curitiba. É um encontro dessa memória sonora para a composição desse personagem.
NaTelinha - "O Negócio" faz bastante sucesso no Brasil. Como tem sido a repercussão do personagem por aqui? E fora daqui, vocês tem feedback de como está sendo? Viajam para promover a série? Como é a repercussão entre o público estrangeiro e onde ela fez sucesso?
Guilherme Weber - Eu sinto o sucesso de "O Negócio" em toda a América Latina. Oficialmente, o que a HBO nos passa é que é a maior audiência junto com "Game of Thrones". É muito forte na Argentina, Uruguai, no México, as meninas tem viajado mais. Mas eu senti, por exemplo, muito retorno em Buenos Aires, nas ruas, restaurantes, shoppings, e depois ano passado, fui a convite da HBO, jurado do Emmy Internacional em Miami, e senti muito retorno daquela comunidade latinoamericana em Miami. Muito forte.
É fascinante, abre um leque de um público amplo de países diferentes.
NaTelinha - Você já sabia que "O Negócio" terminaria na quarta temporada? Quando isso ficou definido?
Guilherme Weber - A gente não sabia nem que chegaria a quarta temporada. É a primeira produção de TV a cabo nacional que chega a quarta temporada, e não sabíamos que chegaria ao fim, foi uma surpresa para todos. Claro que nós gostaríamos que fosse até a 10ª temporada, mas a HBO comentou que sempre acabam cancelando a temporada, nunca encerrando. "O Negócio", eles não queriam cancelar, eles queriam anunciar e encerrar. Foi uma surpresa, mas uma sensação de vitória, de ter chegado a uma quarta temporada, de encerrar uma série no auge. Claro que são personagens complexos, com temas fascinantes, e teriam chances de continuar, e talvez continuem. Tanta coisa pode rolar, né?
A gente tem uma relação muito aberta com os roteiristas com o canal, então a gente saberia (se fosse terminar). Não houve uma motivação do canal (em terminar), ela termina como a vida. Ela começa com dois pontos e termina com uma vírgula. A diferença de uma série é que os personagens não precisam se concluir. A vida continua pra eles, eles só não estarão no ar. Não é como na novela, que as coisas precisam se concluir. A beleza de uma série é eles continuarem, pelo menos no imaginário.
Chegamos para fazer uma temporada e ver qual era. Foi incrível, fizemos uma segunda, e foi indo. Não tinha um projeto desenhado de quatro temporadas. Foi acontecendo em função do retorno do público.
NaTelinha - Como estará o Ariel nessa derradeira temporada? Na última temporada, ele mostrou todo seu lado paternal para com o personagem de João Cortês...
Guilherme Weber - São histórias que vão se aprofundando. A relação de Ariel, primeiro que ele não sabia como ia gastar o dinheiro, o quanto o dinheiro estava afastando ele da própria personalidade. E aí a questão do afetivo, da figura tão pragmática, tão irônica, de certezas darks que é o Ariel quando ele começa quando começar a lidar com o filho. E como ele começa a lidar com o filho, com o filho que não era filho, mas ele escolheu amar o filho. Foi a família de eleição. E na quarta temporada ele aprofunda isso, a relação com Erik, de família. Mais é spoiler.
NaTelinha - Vocês já gravaram o desfecho?
Guilherme Weber - Já filmamos, já filmamos.
NaTelinha - Você acredita que seria possível produzir "O Negócio" na década de 1990 ou início dos anos 2000 com esse alcance todo? Como você vê esse crescimento de produtos em plataformas consideradas antes inacessíveis?
Guilherme Weber - Falar isso de 10, 20 anos atrás, a televisão no Brasil era outra. A televisão do mundo era outra. Ela não tinha encontrado esse viés da TV ser olhado com profudidade. De construir universo, mundos de personagens, então isso era uma coisa que não existia. Na TV ainda mais antiga, anos 80, talvez fosse mais forte. Quando a Globo produzia novelas como "Malu Mulher", era uma coisa tão forte... Ou uma novela como "Vale Tudo", onde a televisão era crônica. Depois a televisão deu uma confundida, desvirtuada, e agora as séries abrigam esse cravar de literatura, de profundidade. A TV era muito diferente, principalmente no quesito de produção.
Aí a gente tem que defender a lei que regulamentou a produção nacional dentro da TV a cabo. Não sei se seria um movimento genuíno dos canais, talvez levasse um tempo para os diretores perceberem isso, projetar e estudar um pouco o cotidiano do país, que esse sentimento de crônica também é forte. Essa lei forçou essa compreensão e hoje existiria independemente de uma lei.
NaTelinha - E se não fosse essa lei?
Guilherme Weber - Demoraria.
NaTelinha - Mas seria inevitável?
Guilherme Weber - Seria inevitável, aí perceberiam que não estaria conquistando um público, e sim usando um público potencial só como consumidor de produtos estrangeiros. Você tem uma produção muito forte e regional. São outras culturas e necessidades de reflexão. Aconteceria, mas demoraria mais tempo.
NaTelinha - É impossível te entrevistar sem falar de Tony de "Da Cor do Pecado", considerado por muitos como a melhor novela das 19h dos últimos tempos. Você concorda com isso? Como foi fazer o Tony? O que ele representa?
Guilherme Weber - Foi a minha primeira novela inteira. Só tinha feito participações. Um personagem complexo, vilão, ícone, entrou para a galeria dos vilões. Foi muito importante porque foi a partir dele que comecei a fazer televisão. Minha carreira era totalmente concentrada no teatro até 2004. É uma mudança de caminho, uma janela a mais que se abriu com o convite, que partiu do João Emanuel Carneiro, da Denise Saraceni e do Silvio de Abreu que é o coordenador de dramaturgia na Globo. Foram as pessoas que me acompanhavam no teatro e me convidaram para esse personagem. Comecei a fazer TV com um personagem muito forte. A novela tinha quatro protagonistas, que era o Paco, a Preta, a Bárbara e o Tony. Foi uma novela onde aprendi a fazer televisão.
NaTelinha - Você sentia nas ruas o ódio das pessoas? Mudou muita coisa? Há menos pessoas confundindo realidade e ficção?
Guilherme Weber - Sim, isso claro, não se confunde mais. É coisa dos telespectadores mais velhos, mais simples, é uma outra época, né? Onde os vilões apanhavam nas ruas, é uma coisa que pertence ao passado. Senti um retorno, e sentia na época coisa de: "minha avó te odiava", "minha tia não podia te ver na televisão", então tem esse retorno torto que é muito bom quando faz vilão. Quando você faz vilão e é xingado, é elogio.
NaTelinha - Já sofreu algum xingamento?
Guilherme Weber - Nada sério, eram xingamentos vinculados ao humor.
NaTelinha - Você estará em "Pega Ladrão", próxima novela das 19h, certo? Como será esse personagem?
Guilherme Weber - Eu começo a gravar em abril. A novela é super charmosa, me remete as novelas do Cassiano Gabus Mendes, onde tem grande núcleo geográfico e tudo acontece em torno dele, e no caso de "Pega Ladrão" é o hotel. Um grande hotel de luxo carioca, que reflete um pouco certo o luxo decadente. O grande personagem é o hotel, e aí você vai vendo a vida no hotel, desde os hóspedes até os funcionários, as camarareiras, o dono do hotel... Eu faço o gerente do hotel, o Douglas, que se torna depois uma espécie de pigmaleão da neta do dono do hotel, personagem da Camila Queiroz. É uma novela engraçada, a primeira da Cláudia Souto, muito sedutora a maneira como ela escreve. Tem muita graça, mas tem muita profundidade.
NaTelinha - Em junho do ano passado, você deu uma entrevista ao "Programa do Jô" e emendou um "Fora, Temer", no final, repercutindo bastante e sendo ovacionado. Foi com essa intenção? Não temeu ser cortado na edição?
Guilherme Weber - Nenhuma intenção. Fui ao programa porque era o último ano e não tinha nenhum objetivo, fui falar da minha carreira, sobre "O Negócio", sobre o meu filme, mas era pra fazer uma entrevista de despedida do programa. Tenho uma relação forte com o Jô, fui cinco, seis vezes lá. O "Fora, Temer" foi um pouco inevitável. Ao longo da entrevista comecei a me sentir um pouco egoísta, não sei, em relação ao país, que estava vivendo uma fase tão dura e atribulada. E ali falando sobre meu filme, minha peça, minha série, se é pra falar sobre você, tem que se posicionar politicamente também. Foi um desabafo totalmente genuíno, difícil de segurar.
Um mês mais ou menos depois, fui a uma marcha da democracia na Candelária e fui cercado por um grupo de pessoas que começaram a me xingar de comunista, de petralha. E levei uma bandeirada de um cara que estava com a bandeira do Brasil. Ele acabou quebrando a bandeira no meu ombro. Foi uma coisa bem violenta, especialmente porque estava com um casal de amigos, tava filho pequeno, de 6 anos, ele se assustou muito. Foi um momento bem terrível, traumático e altamente simbólico.
Foi um momento de muita intolerância, no mesmo dia a Letícia Sabatella foi agredida em Curitiba. Muita ignorância, de um fascismo muito perigoso.
NaTelinha - E seu filme?
Guilherme Weber - Vai estrear no final de maio, meu primeiro longa como diretor, chama "Deserto", roteiro meu e da Ana Paula Maia. Feito para homenagear os atores. Uma história de uma trupe de atores que estão circulando pelo sertão brasileiro no século XIX, e são liderados pelo Lima Duarte. Encontram uma cidadezinha abandonada e resolvem encenar aquilo o que eles imaginam que seja a vida na classe média. É um tributo aos atores, em especial a um dos meus favoritos, ao Lima Duarte que faz o líder da trupe. Ele me deu essa honra de ser dirigido por mim no meu primeiro filme. Era o quinquagésimo filme que ele fazia e o meu primeiro. Ele chegou com um entusiasmo de um menino. Um momento muito bonito da minha carreira.
NaTelinha - Vale lembrar que você matou o Lima Duarte em "Da Cor do Pecado"...
Guilherme Weber - Exatamente! Depois a gente fez um filme junto, chamado "Meus Dois Amores", do Luiz Henrique Rios, e agora, esse longa, "Deserto".