Colunas

Território da TV: "Amor à Vida" termina com beijo gay e final sensível


7a2f59ba15b209f6fe92432fd1e60093.jpg
Reprodução

Com uma breve narração revelando que Aline (Vanessa Giácomo) contaria a César (Antonio Fagundes) sobre a razão de tê-lo envenenado e cegado, William Bonner encerrou o "Jornal Nacional" anunciando que o desfecho de "Amor à Vida" viria na sequência. “Noveleiro, viu?”, comentou Patrícia Poeta ao seu lado.

Mas quem não se torna em um dia assim? O Projac é o nosso Maracanã, os atores são os craques e o autor é o técnico que rege como cada um deve proceder... E independentemente de termos visto as primeiras rodadas (ou capítulos), nos reunimos para o desfecho dos personagens como para o desfecho de um campeonato.


Mas como é que "Amor à Vida" entrará para história? Na empolgação trazida pelo primeiro beijo gay de uma novela global, muitos podem afirmar que a exibição de uma cena dessas para pontos de audiência é o principal marco da trama. Mero engano. Ao quebrar o tabu e teoricamente liberar que outros tantos beijos homossexuais sejam exibidos em outros folhetins sem nenhuma restrição, a exibição da cena tem um efeito interno muito mais impactante internamente do que para a sociedade. Apesar do simbolismo da cena, ter tratado a homofobia de forma séria ao longo de vários meses foi bem mais representativo para nosso cotidiano.

Prova disso é que a cena final com Félix (Mateus Solano) e César em um belo e sensível momento de amor fraterno mútuo acabou sendo mais marcante do que o beijo anterior. Se formos seguir com as analogias, esse foi o gol de placa do capítulo! Aliás, o mesmo Bonner do "JN" voltou ao Twitter e cravou: “A cena final de Amor à Vida valeu a novela inteira”.

Talvez até pela expectativa sobre o polêmico beijo, os números do desfecho foram muito bons (48 de pico e quase 70% de participação, por exemplo). Mas a média geral da trama fica bem aquém da meta estabelecida para a faixa das 21h. E isso com a sorte (ou azar) de ter sido esticada para chegar ao fim no 221º capítulo.

Se o prolongamento rende mais tempo com a trama já tendo caído no gosto popular, também acaba fazendo com que surja a famosa “barriga”, quando a história começa a andar em voltas. Walcyr Carrasco já havia tido esse mesmo problema em "Caras & Bocas", sucesso da faixa das 19h e que agora ganha reprise no Vale a Pena Ver de Novo. Aliás, é a segunda novela consecutiva do autor a ser reexibida na sessão vespertina. Antes, O Cravo e a Rosa teve uma segunda reapresentação.

O histórico de tramas marcantes e bem sucedidas como as próprias "Caras & Bocas" e "O Cravo e a Rosa" (acrescente-se na lista "Alma Gêmea", maior sucesso da faixa das 18h há mais de 10 anos) talvez tenha contribuído para criação de uma expectativa desproporcional pela estreia de Walcyr às 21h. Depois de tanto assistirmos e reassistirmos tramas de Carrasco em outras faixas, acabamos percebendo todos os seus vícios e repetições.

Até mesmo peças em comum no elenco ficam evidentes na comparação simples entre a novela que saiu de cena nessa sexta e a atual reprise da tarde. Dentre tantas figurinhas carimbadas, uma novata talvez tenha sido a figura que mais lucrou com a exibição de "Amor à Vida".

Tatá Werneck agregou seu valor para um público infinitamente maior do que atingia na MTV e caiu nas graças do público de cara. Numa época de reprodução de periguetes de sucesso na TV, como a Suellen de "Avenida Brasil" e a Fatinha de "Malhação 2012", a Valdirene conseguiu imprimir sua personalidade e se tornar uma das personagens mais queridas do Brasil. Por algumas horas, foi a mais vigiada também. A participação dela no "Big Brother Brasil" foi uma sacada de mestre. A interação real entre dois dos mais bem sucedidos produtos da Globo deu o que falar. E bem. Ela foi eliminada da casinha do "BBB" poucas horas depois de chegar, mas deu um show suficiente para deixar o público piradinho.

Bruna Linzmeyer é outra que sai de "Amor à Vida" com a moral bem maior do que quando foi escalada para interpretar a Linda. O merchandising social funcionou e o autismo foi colocado em pauta por causa da novela. E evidenciado pela convincente interpretação.

Completando o trio feminino da nova geração que brilhou na novela, a até pouco tempo atrás desconhecida Maria Casadevall se tornou ícone de beleza e moda ao longo de sua exibição. Mesmo com sua trama tendo perdido força e muitas vezes tendo parecido somente um quadro da trama (um mal que não foi exclusivo de seu núcleo), a atriz ganhou contrato fixo com a Globo e logo deve brilhar novamente.

Na ala masculina, também muito talento, mas poucas surpresas. Sempre é aposta fácil dizer que Antonio Fagundes será sensacional. Mas nunca é demais reverenciar o talento dele. O César teve diversas nuances que provavelmente teriam soado estranhas com uma figura menos competente o interpretando. A verossimilhança do dono de hospital que é feito de bobo pela jovem secretária pode ser toda depositada nas costas de Fagundes.

Mateus Solano e Thiago Fragoso também não são exatamente rostos novos na TV. Ambos já mostraram competência em diversos trabalhos, mas o caminho que uniu Félix e Niko mostra um pouco da bipolaridade de "Amor à Vida". O vilão que jogou a sobrinha na caçamba e chegou a ser tratado como a Carminha de saias foi perdoado bem antes de chegarmos ao final... Muitas vezes descambou até para uma comédia que mais lembrava o "Zorra Total", como também ocorreu com as cenas da Perséfone de Fabiana Karla.

O final feliz dos mocinhos gays ganhou mais destaque ainda pela aleatoriedade do casal principal. Paloma e Bruno foram e voltaram algumas tantas vezes, mas jamais despertaram uma torcida genuína do público. Considerados chatos por muitos, simplesmente não despertaram interesse. Faltou ação.

Mas faltou só para o casal, conste-se. A novela teve excelentes cenas com ritmo forte. Uma intensidade que realmente prendia o público. Méritos da boa direção de Mauro Mendonça Filho, Wolf Maia e de sua equipe.

Entre tantos altos e baixos, "Amor à Vida" sai de cena sem ser motivo de chacotas como "Salve Jorge", mas sem despertar o clima de Copa do Mundo dos tempos de "Avenida Brasil". Na conta final, somente mais uma novela das 21h, o horário em que amamos amar e também amamos odiar tudo que vai ao ar.

 

No NaTelinha, o colunista Lucas Félix irá mostrar um panorama desse surpreendente território que é a TV brasileira.

Ele também edita o https://territoriodeideias.blogspot.com.br e está no Twitter (@lucasfelix)

 

Mais Notícias

Enviar notícia por e-mail


Compartilhe com um amigo


Reportar erro


Descreva o problema encontrado