Publicado em 25/06/2019 às 05:39:46
Quem conversa com Maria João Costa ou observa seu jeito despojado nas redes sociais pode se enganar. Muito atenciosa e, principalmente, com reverência ao Brasil, ela ganha fácil a simpatia de quem está a seu redor.
O nome pode não ser facilmente reconhecido pelos brasileiros, mas trata-se de uma das mais promissoras novelistas da atualidade. Com duas novelas em seu currículo, a autora portuguesa vencedora do Emmy Internacional conversou com o NaTelinha e se mostrou bastante atenta ao que ocorre no país.
“É fantástico poder estrear no Brasil, mas também é assustador. Eu, como todos os portugueses, cresci assistindo novelas brasileiras e tenho nelas a grande referência mundial no gênero. Sabendo que o público brasileiro é muito exigente com as tramas, confesso que fico com um nervoso miudinho com essa estreia”, afirmou.
Ela se refere a “Ouro Verde” que foi confirmada pela Band como a próxima novela exibida na faixa nobre da emissora e que deve substituir a turca “Minha Vida” nas próximas semanas. A produção, que marcou a estreia de Maria João como novelista, é a atual vencedora do Emmy Internacional, numa disputa que não teve novelas brasileiras.
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E a autora conta como acabou se tornando novelista e foi de um jeito diferente. Muito antes de ser autora, ela conta que viveu no Brasil e isso ajudou a pensar na novela. “'Ouro Verde' é fruto de muito trabalho e dedicação. Acredito que isso tenha ajudado a que tenha sido tão bem sucedida. Curioso é que a ideia dessa novela surgiu quando eu vivia ainda no Brasil (para quem não sabe, vivi no Rio de Janeiro quase cinco anos), quando comecei a falar com o Jose Eduardo Moniz da TVI (uma espécie de Boni português) sobre a possibilidade de escrever uma novela”, revela.
A dramaturga aproveita a oportunidade para explicar um pouco de seu histórico como profissional e conta uma confidência: escreveu uma sinopse mesmo que estivesse sem nenhuma encomenda oficial para tal.
“Na época não passava de uma ilustre desconhecida no roteirismo, minha experiência era zero, apesar da minha ligação a áreas de conteúdos ser antiga (comecei como jornalista ainda na faculdade e depois fui Publisher de livros durante quase dez anos). Para saltar algumas etapas, restava-me arrumar um jeito de convencer o Moniz de que eu tinha capacidade para ser autora titular. Um certo dia, ele comenta comigo que gostaria de ter uma novela cuja história se passasse entre Portugal e Brasil e aí eu pensei: está aqui minha chance. A verdade é que não me foi feito um convite formal para apresentar uma sinopse sobre a temática: eu é quis acreditar que sim, e não deixei passar a oportunidade. De cara lhe disse que se queriam uma novela entre os dois país iria ser eu a escreve-la, e logo comecei a trabalhar numa sinopse”.
Maria João é enfática ao afirmar que, para sua estreia, decidiu apostar numa trama clássica e inspirada numa obra muito conhecida da literatura e que já foi bastante explorada por tramas brasileira, “O Conde de Monte Cristo”, que inspirou obras como “Avenida Brasil” (2012) e “O Outro Lado do Paraíso” (2017).
“Como vão poder ver a premissa da história central é muito clássica. O nosso Jorge Monforte é uma espécie de ‘Conde de Monte Cristo’ na matriz (não mais do que isso), mas tive de jogar pelo seguro. Já chegava não ser conhecida no meio, nem ter experiência: não podia apresentar uma ideia totalmente fora da caixa. Foi assim que surgiu o primeiro rascunho de Ouro Verde.”
Mesmo com poucas novelas em seu currículo, a autora demonstra ser exigente e conta que partiu com a história pronta em sua cabeça, ao menos no início. “quando começo a escrever uma novela sei exatamente como vão ser os primeiros episódios. Trabalho muito o arranque na sinopse, porque eu mesma tenho necessidade de conhecer a história que vou contar, tal como as personagens. Na verdade acho que os principais problemas de furos nas novelas acontecem quando se está mais à frente na escrita e já não se sabe se se escreveu ou pensou certa cena. Acontece mais do que se possa pensar, sobretudo em Portugal, onde as novelas têm no mínimo 200 episódios”.
Maria João vai além e mostra sua visão crítica aos chamados “cacos”, sejam eles feitos por atores ou mesmo por diretores. “Daí que seja tão importante o processo de revisão, que normalmente pega esses enganos, se bem que há situações em que eles acontecem não porque estão no texto, mas porque os atores ou diretores resolvem acrescentar ou mudar/cortar algo no texto - algo que não deviam fazer, mas fazem – e que por vezes prejudica o resultado final”.
No Brasil, recentemente uma cena de caco acabou ganhando as manchetes dos principais sites que cobrem o mundo da televisão. Cláudia Raia, intérprete de Lidiane, cometeu uma gafe ao inserir no texto de “Verão 90” uma frase afirmando que “Fera Ferida” era de Glória Perez. Não apenas Maria João não aprova esse estilo, muitos autores brasileiros desaprovam os chamados “cacos”.
E a novelista não tem em seu currículo apenas “Ouro Verde”. Ela acabou de terminar recentemente sua segunda trama para a TVI. “Valor da Vida” foi ao ar entre 2018 e 2019 e conta uma história que apresenta ficção científica com um olhar de melodrama.
E Maria afirmou que não teve muito tempo para pensar nessa história. “Quando soube que tinha de escrever uma segunda novela (e para que tenham ideia, tive de entregar o primeiro esboço do projeto ainda estava a a escrever Ouro Verde, foi aí em Abril de 2017) minha grande preocupação foi fazer algo totalmente diferente. Se Ouro Verde é, como disse antes, uma novela com uma premissa totalmente clássica – muito resumidamente, um homem que volta para se vingar do homem que destruiu a sua família-, Valor da Vida é muito fora da caixa”
A autora diz que sua história é pautada de um jeito que afasta muito seu trabalho anterior deste.
“o protagonista é encontrado sem memória e descobre que foi dado como morto há vinte anos; só que ele, ao contrário de todos, não envelheceu, continua igual ao dia em que partiu e muitos pensam que ele é um impostor. Depois vamos descobrir que ele foi alvo de uma experiência científica e esteve criogenado todos esses anos, o que explica a sua juventude. Como podem ver, temos uma premissa de ficção científica no arranque dessa história que obriga a toda uma nova lógica de construção da novela. Porque como o protagonista não tem memória, temos de recuperar os acontecimentos do passado através das memórias dos outros. Os flashbacks aparecem assim, não de forma continuada, nem necessariamente cronológica, mas antes à medida que encontros e acontecimentos remetem as personagens, que se cruzam com o protagonista, ao passado. Como se não bastasse temos ainda uma personagem (interpretada no presente pela Carolina Kasting) que hoje tem uma filha que é igual a ela no passado e que era o grande amor do protagonista, graças a quem ele tem a sua primeira memória: que é a mãe, mas que ele pensa que é a filha (o que torna os flashbacks ainda mais complexos, pois a atriz em questão muda apenas a cor dos olhos e o corte de cabelo)”.
Fãs de tramas brasileiras, a atual vencedora do Emmy Internacional relembrou com muito carinhos algumas obras e citou pelo menos quatro autores diferentes, todos da Globo, em sua memória afetiva como telespectadora.
“Assisti muitas novelas brasileira quando era criança, depois estive anos ausente das tramas de novela, e depois voltei primeiro com o Clone da Glória Perez, depois com a Avenida Brasil do João Emanuel Carneiro, autores de quem gosto bastante. No momento tenho visto Orfãos da Terra, da Duca Rachid e Telma Guedes (uma dupla de que gosto muito), e a Dona do Pedaço de Walcyr Carrasco (mesmo autor de Verdades Secretas, de que gostei muito também), duas novelas bastante diferentes entre si, mas que me têm segurado ao ecrã. Não posso dizer que tenho um autor preferido, antes novelas preferidas”.
Embora admiradora das telenovelas nacionais, ela é enfática e se diz muito satisfeita com o trabalho em Portugal. Questionada se aceitaria escrever uma produção em solo brasileiro, como aconteceu com Rui Vilhena, ela não foge da resposta. Nega que tenha recebido convite e explica em que contexto aceitaria a proposta.
“Para escrever novela não [recebi convite]. Se isso acontecer, tudo vai depender da estação de onde vier o convite e das condições associadas: se há coisa que prezo na relação que tenho com a TVI é a liberdade criativa que me permitem”.
Ainda sobre o Brasil, ela explica como foi o processo de escolha do elenco de suas duas novelas que contam com muitos artistas brasileiros. Em “Ouro Verde”, a atriz Sílvia Pfeifer teve grande destaque e a trama ainda contou a presença de Zezé Mota. Já “Valor da Vida” deu espaço para Carolina Kasting e Thiago Rodrigues.
“Esse é um trabalho conjunto que engloba vários decisores da estação. É muito bom trabalhar com os atores brasileiros. O Brasil tem uma escola ótima de novela e os atores são muito bem preparados”, elogia.
Por fim, Maria João explica que também defende a diminuição nos números de capítulos das telenovelas. Ela lembra, no entanto, que a geografia de Portugal é diferente do Brasil e, pelo tamanho da população, as novelas acabam sendo longas para se manter financeiramente.
“O caminho é esse sim, me parece óbvio, até porque o público quer cada vez mais conteúdos de duração curta, eu mesma. A grande questão que se coloca, especialmente em Portugal, mas acredito que agora se comece a pensar nisso no Brasil também, é o orçamento. As novelas não são longas por acaso, mas antes porque isso permite otimizar custos de produção que tornam o produto viável para o horário. E eu diria que o orçamento de qualquer episódio de Ouro Verde é algumas vezes menor do que qualquer episódio da Rede Globo. Em Portugal esse é um tema fulcral, uma vez que somos apenas 10 milhões de pessoas, um número bem diferente do brasileiro e o nosso orçamento é bem controlado. Como vamos fazer no futuro se a tendência se mantiver, não sei. Mas num momento em que as ofertas no cabo e streaming são cada vez mais apelativas, em que a vida das pessoas é tão preenchida e as pessoas são bombardeadas com conteúdos por todos os lados, segurar o público por tanto tempo na mesma trama começa a ser obra. Mas é, em simultâneo, um desafio. E eu gosto de desafios”, encerrou.
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