Publicado em 06/12/2020 às 08:45:00
No dia 26 de dezembro de 2019, surgiu a informação de que Marcius Melhem havia cometido assédio moral e sexual contra algumas funcionárias do núcleo de humor da Globo, incluindo Dani Calabresa. A partir dali, muita coisa aconteceu e culminou na saída do humorista da emissora. Só que, na última sexta-feira (4), uma reportagem apresentou todos os detalhes das acusações contra o ex-executivo.
Marcius teria iniciado suas ações de assédio moral em 2015, prejudicando Calabresa profissionalmente. Já a questão sexual teria iniciado em 2017. A longa matéria causou reação imediata do público, jornalistas, artistas e políticos. Por conta disso, o NaTelinha faz uma cronologia dessa história.
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Dani Calabresa havia chegado na Globo em janeiro e foi tratada como a principal estrela da reformulação do Zorra Total, que se transformou em apenas Zorra. Com prestígio dentro da emissora, tinha sido convidada em junho para a novela Haja Coração (2016), mas seu nome teria sido vetado pela direção do programa de humor, na época chefiado por Marcius Melhem.
Em dezembro daquele ano, Miguel Falabella conversou com Calabresa e a animou com um projeto que o roteirista tinha para as noites de domingo. Ao conversar com Melhem, ele teria negado o pedido da atriz. “Eu trouxe você para a Globo, eu te protejo aqui dentro da emissora e você vai me trair?”, teria dito na época.
A equipe do Zorra se preparava para gravar uma sátira da série Baywatch (1989-1999) e Dani faria a salva-vidas gostosona, usando apenas um maiô vermelho, no melhor estilo Pamela Anderson, principal personagem do programa americano. Contudo, para surpresa de todos, Marcius teria ido ao local.
Calabresa estaria em seu camarim, quando a porta abriu. O ex-executivo da Globo, em tom de brincadeira, explicou que tinha ido assistir as gravações para dar uma “conferida” no figurino dela. Constrangida, Dani apenas teria dado um sorriso amarelo e não tirou o roupão.
Ao passo que dançava e cantava, Melhem tentava contato físico a todo custo. O diretor, em um primeiro momento, teria puxado sua cabeça para tentar beijá-la. Não conseguiu. A situação teria piorado algum tempo depois, quando ela foi ao banheiro e ao sair, topou com Melhem. Embora tenha pedido para passar, não foi atendida. Pior: Melhem teria a imobilizado, forçado um beijo e não conseguindo, lambeu seu rosto.
Não satisfeito, ainda teria tirado o pênis para fora da calça, levando Dani a encostar a mão e quadris na genitália do chefe ao tentar escapar. Inconformada com a situação, Calabresa teve uma forte crise de choro, sendo confortada pelos atores Luís Miranda e George Sauma.
Levou apenas três dias para que Marcius Melhem agisse como se o que tivesse acontecido teria sido normal. A Piauí relata que ele teria provocado Calabresa durante um ensaio do Zorra e Maria Clara Gueiros pedido para que a deixasse em paz.
Melhem, além de não ter atendido o clamor, teria feito pior: justificou seu comportamento alegando que Calabresa estava muito “gostosa”. “Eu não tenho culpa do que aconteceu”, teria dito ele em tom de deboche, caminhando em direção a Calabresa. Ela se levantou, tentando evitar qualquer contato físico e, para se esquivar dele, começou a andar em volta de uma mesa que fazia parte do cenário.
Melhem convidou roteiristas dos programas de humor da Globo para uma celebração em sua casa, em Mauá, no interior do Rio de Janeiro. Naquela ocasião, tinha sido promovido diretor do Departamento de Humor da Globo, ficando responsável por mais de 100 pessoas.
A festança foi animada e contou com a presença de 40 pessoas. Numa Jacuzzi, com capacidade para 10 pessoas, instalada no jardim da sua casa e com vista para a Mata Atlântica, ele teria brincado com seus colegas ao cantar um jingle. “Não tem compliance lá, não tem compliance lá, não adianta reclamar no DAA.”, teria dito. A revista Piauí diz que o momento foi gravado em vídeo.
Dani queria lançar um programa com formato parecido com o Furo MTV, atração que fez sucesso com ela e Bento Ribeiro. Melhem afirmava que gostava do projeto, contudo, nunca saía do papel. A comediante resolveu então procurar uma maneira de fazer a atração andar.
Com a dificuldade de emplacar o programa na Globo, a humorista sugeriu oferecer para o GNT e Multishow, mas Melhem teria batido o pé e garantido que seria apenas para a Globo. Duas semanas depois disso, marcou a primeira leitura do roteiro, que seria intitulada de Fora de Hora, e que estreou em janeiro deste ano.
A atração proposta pela direção seria sem Bento Ribeiro, sendo apresentada somente por Calabresa. Ela queria o parceiro, se sentiu traída e foi embora. A publicação ainda apontou que os assédios continuaram sempre que ela encontrava Melhem, com comentários constrangedores.
Dani Calabresa surpreendeu e anunciou sua saída do Zorra. Na época, a humorista usou as redes sociais para explicar o motivo do seu desligamento do programa. “Priorizei esse projeto com o maior carinho, mas como todo dia vocês me pedem para ter um programa, ou voltar a fazer o Furo MTV ou um canal, ano que vem pedi para sair do Zorra para conseguir me dedicar a novos desafios”, publicou.
“Fui muito feliz interpretando várias personagens diferentes todos os dias. A equipe do programa é super unida e animada, e todo mundo rala com amor. O programa tem externas que parecem cenas de filmes ou seriado, figurinos lindos, números musicais incríveis e um elenco muito talentoso. Aprendi e me diverti muito com o Zorra”, escreveu.
Dani sabia que não faria o programa inspirado no Furo MTV e cogitou não renovar seu contrato com a Globo. Mas um convite a animou: A produtora de elenco Daniela Ciminelli pediu que ela reservasse o período de 6 a 12 de dezembro para gravar A Gente Riu Assim, uma retrospectiva de humor do que aconteceu no ano passado.
Ela dividiria a apresentação com Marcelo Adnet, repetindo a parceria do ano anterior. Entretanto, Ciminelli ligou para a atriz e avisou que ela não precisava mais ir, porque seu nome havia sido cortado do elenco. O programa foi ao ar no dia 23 de dezembro sem Dani e aquilo a deixou muito triste.
Calabresa viajou para os Estados Unidos dias antes. No dia 22, após um período de reflexão pegou o telefone e ligou para Mônica Albuquerque, então diretora de Desenvolvimento e Acompanhamento Artístico (DAA) da emissora, para relatar sobre as desavenças profissionais, a sensação de estar sendo ludibriada e do assédio sexual e moral.
Ela soube que Melhem tinha conversado com Mônica e dito que a comediante estava “estranha”. Dani explicou que o antigo chefe a pegava em sua cintura, chamava-a de “gostosa” e adorava mexer em seu cabelo. Fez questão de ressaltar que tinha testemunhas. Marcaram reunião para o início de janeiro.
Um dia após o Natal, o mundo da TV e dos famosos veio ao chão com a notícia que Marcius Melhem teria assediado Dani Calabresa e outras pessoas da área de humor da Globo, tendo como testemunha Maria Clara Gueiros e Marcelo Adnet. Na ocasião, Maria e Adnet negaram que tinham sido os denunciantes e Calabresa não se posicionou.
Marcius negou que tenha praticado qualquer ato de assédio moral ou sexual. Contudo, os bastidores da emissora ficaram quentes e, a partir dali, iniciava-se a queda de Melhem na Globo.
Calabresa se reuniu com Mônica e o braço direito dela no DAA, Jazette Guedes. Elas estavam no topo da hierarquia da emissora, já que ficavam com a responsabilidade de cuidar de tudo que envolvia a dramaturgia, como escalar, demitir e contratar atores, diretores e profissionais de produção.
O bate-papo durou cerca de quatro horas e a comediante detalhou tudo que estava acontecendo nos bastidores do humor da emissora. A revista Piauí ainda explica que a humorista apresentou mensagens trocadas com o ex-chefe. Recebeu a informação que a Globo aplicava as normas éticas e de conduta.
Melhem foi procurado pela direção da emissora e Jazette deu o retorno para Dani Calabresa. Ela explicou que falou das acusações com o antigo executivo, que o ex-diretor chorou durante o bate-papo e que foi recomendado que ele procurasse uma terapia.
Calabresa não recebeu a informação muito bem e demonstrou decepção com a atitude da emissora, segundo fontes da reportagem. A atriz teria dito que indicar “terapia” para um homem que prática assédio era um presente. Guedes então teria afirmado que existia apenas o caso da comediante.
Dani pediu uma conversa com Carlos Henrique Schroder e foi atendida. O encontro durou três horas e ela explicou os episódios de assédio, criticou a solução de terapia dada pelo canal e fez questão de ressaltar que não tinha sido a única vítima de Melhem.
Ela teria se sentido acolhida pelo ex-chefão da Globo, já que o executivo concordou que o pedido de fazer terapia era inaceitável. Schroder teria se desculpado e lamentado tudo que aconteceu com Calabresa. O executivo teria pegado seu telefone e dito para que a investigação continuasse.
Com o caso ganhando força dentro da Globo e também na imprensa, o clima foi ficando pesado no Hahahouse. Ocampo, considerado o segundo nome mais importante do humor na época, pediu para que a equipe assinasse uma carta de apoio para Marcius Melhem. Mais de 50 pessoas assinaram o manifesto.
A carta foi divulgada e foi considerada uma derrota para Calabresa. “O nosso colega Marcius Melhem em tempo algum praticou assédio moral com qualquer um de nós”, dizia um trecho da carta. O então diretor saiu fortalecido e irritou profundamente os seus “oponentes”.
O fortalecimento de Marcius Melhem não durou muito. Se a certeza de muitos era que o contrato de Dani não fosse renovado, tudo mudou quando ela anunciou que continuaria na emissora com acordo fixo e exclusivo. Ganhou quadro no Se Joga e passou a participar com mais frequência em atrações da empresa.
Neste período, outras cinco mulheres se sentiram seguras para se juntar a Calabresa e compareceram ao compliance da Globo, denunciando Melhem por assédio sexual. Três delas falaram do incômodo em trabalhar com ele.
A primeira vitória do grupo aconteceu logo no começo de março. A Globo emitiu uma nota informando que Marcius Melhem estava se afastando das suas funções por problemas “pessoais”. “Marcius solicitou, ainda, licença das funções de roteirista e ator por um período de quatro meses”, disse um trecho do comunicado.
Na época, Melhem deixaria o Brasil por um período, porque sua filha, de 11 anos, faria uma cirurgia nos Estados Unidos. No comunicado divulgado pela Globo, não houve qualquer menção ao caso de assédio sexual ou moral.
Sentindo que a Globo não estava tomando as medidas corretas, um grupo de 13 pessoas – seis vítimas de assédio sexual, segundo a denúncia, e sete testemunhas – procurou a advogada Mayra Cotta. Procuraram receber orientação jurídica e um plano para lidar com questões internadas, já que não queria judicializar o assunto.
Com o apoio da ativista Manoela Miklos, considerada uma referência para as mulheres em casos de assédio, Cotta criou a Bastet, uma consultoria especializada em compliance de gênero. A partir disso, passou a acompanhar os casos das denunciantes de Melhem.
Depois de meses do grupo se movimentando nos bastidores para que a Globo tomasse providências em relação ao caso de Marcius, a emissora divulgou uma nova nota anunciando a saída definitiva de Melhem. Porém, não houve qualquer menção aos crimes que ele teria cometido.
“A Globo e Marcius Melhem, em comum acordo, encerraram a parceria de 17 anos de sucessos. O artista, que deu importante contribuição para a renovação do humor nas diversas plataformas da empresa, estava de licença desde março para acompanhar o tratamento de saúde de sua filha no exterior. Como todos sabem, a Globo tem tomado uma série de iniciativas para se preparar para os desafios do futuro e, com isso, adotado novas dinâmicas de parceria com atores e criadores em suas múltiplas plataformas. Os conteúdos de humor, assim como os de dramaturgia diária e semanal, continuam sob a liderança de Silvio de Abreu, diretor de Dramaturgia da Globo”, disse o canal na época.
Três dias depois, o grupo decidiu enviar uma carta para Carlos Henrique pedindo medidas da empresa para que fosse criado “um ambiente de trabalho saudável, transparente e digno para todas e todos” e que “muitos sofrem diariamente e precisam de apoio para debater junto à empresa novas medidas e mecanismos que garantam um ambiente de trabalho onde haja respeito e segurança”.
No final da carta, as pessoas envolvidas no caso pediram que Schroder os atendessem em uma reunião. “Devido à urgência do assunto que afeta a todos nós, vítimas e apoiadores que assinam essa carta, gostaríamos de propor uma reunião com representantes desse grupo o quanto antes, se possível ainda esta semana (17 a 22 de agosto)”, concluiu.
No mesmo dia, Marcelo Adnet participou do Roda Viva. Ele falou do cenário político, do seu trabalho como humorista e seu desenvolvimento na Globo. Contudo, foi questionado sobre o caso envolvendo Marcius Melhem e sua ex-esposa, Dani Calabresa.
“Eu acho uma coisa inadmissível. Eu fui abusado duas vezes e sei como as vítimas sofrem. Portanto, não tenho poder de polícia, porque minha opinião é da dúvida. Quando nos apressamos em dar uma opinião, condenatória ou não, estamos sendo levianos”, respondeu de forma ambígua.
Adnet estava solidário com Calabresa, mas foi massacrado por ter um posicionamento “fraco” na frente das câmeras. Horas antes de participar do programa da Cultura, foi orientado pelos advogados da Globo a evitar se aprofundar no assunto. “Há que se entender o seguinte. Não posso sair falando o que as vítimas me contaram em segredo. Devo a elas a discrição que me pediram, para que elas não sejam expostas”, comentou o comediante.
Como a emissora não se posicionava sobre o tema, o grupo escalou Mayra Cotta para dar uma entrevista para a jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo. Ela explicou como teriam sido os casos de assédio sexual e moral envolvendo Marcius Melhem.
Melhem não ficou quieto e usou seu perfil do Twitter para se defender. Ele disse que era “inocente” e que iria “provar na Justiça”. “Mas preciso falar e com o tempo mostrar minha sinceridade no que vou dizer aqui. Estou disposto a reconhecer meus erros, pedir desculpas e, se possível, reparar pessoas que eu tenha de qualquer forma magoado. Quero enfrentar isso com verdade e humanidade e me expor se for preciso”, declarou.
“Mesmo abraçando profissionalmente a causa feminista, ainda combato o machismo dentro de mim, erro, posso ter relações que magoem. Tento melhorar e aprender.”, prosseguiu. “E queria muito falar sobre isso. Mas diante de acusações tão graves que de forma alguma cometi, o que eu posso fazer? Negar”, concluiu.
A revista Piauí soltou uma longa reportagem detalhando passo a passo de tudo que teria acontecido na Globo no período em que Marcius passou a ser chefe do Zorra e, tempos depois, diretor de humor do canal. Na matéria é mostrado que Melhem era um homem violento e fazia questão de constranger e assediar funcionárias.
A reportagem se aprofunda como foram as movimentações nos bastidores, as reações das pessoas envolvidas e até mesmo a insatisfação de Marcelo Adnet com seu antigo parceiro de cena.
Marcius Melhem deu sua primeira entrevista desde que foi acusado de assédio sexual e moral contra funcionárias do humor da Globo. O ex-diretor de humor da emissora confessou que cometeu equívocos e teve atitudes no ambiente de trabalho e pessoal que, nos tempos atuais, não podem acontecer. Contudo, ele negou que tenha sido violento ou assediado sexualmente qualquer mulher, inclusive citando a humorista Dani Calabresa.
Melhem declarou que a reportagem publicada pela revista Piauí criou uma narrativa com histórias inventadas e que vai entrar com um processo contra a advogada Mayra Cotta e uma interpelação judicial a Dani Calabresa na próxima segunda-feira (7). Ao longo da entrevista, fez questão de ressaltar que não era um homem violento e quer que o caso seja esclarecido na Justiça.
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