Sem sinal

Apagão analógico gera ausência de TVs no interior de SP

Cidades pequenas têm dificuldades para colocar sinal de emissoras no ar


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A era digital começa de vez na próxima década - Shutterstock

O advento da era digital para a televisão brasileira parece uma conquista sem precedentes em termos tecnológicos e de avanços. Parece. Em um país continental como o Brasil, nem sempre tudo o que parece, de fato, é. Tanto que uma série de cidades pequenas do interior de São Paulo ainda não recebeu o sinal digital de diversas emissoras, mesmo o analógico já tendo sido encerrado.

Em primeiro plano, pode parecer uma informação fortuita, mas não para quem vive longe dos grandes centros. Com a taxa de pobreza muito acima de muitas metrópoles, moradores do interior vivem, em boa parte, dependentes da agricultura ou agropecuária e sequer possuem acesso a outros meios para assistir televisão, que não a convencional antena UHF.

O NaTelinha conversou com vários políticos de todas as esferas para entender as razões que levaram alguns municípios a ficar sem a transmissão dos canais desde que o sinal analógico foi oficialmente desligado, seguindo o calendário imposto pelo Governo Federal.

Embora muitos tenham aceitado conversar com a reportagem, nenhum quis dar uma declaração oficial, principalmente porque afirmaram estar em negociações com as emissoras ou dependendo de liberação do Ministério das Comunicações para receber o sinal digital de alguma emissora e críticas poderiam atravancar o caminho.

Apagão analógico gera ausência de TVs no interior de SP

Quando uma cidade quer receber o sinal digital de uma emissora, ele precisa seguir dois passos fundamentais. O primeiro é conseguir a concessão do Ministério das Comunicações que irá liberar através de uma portaria publicada no Diário Oficial da União. Este é um movimento muito mais político que técnico.

No interior de São Paulo, por exemplo, o sinal da TV Tem, afiliada da Rede Globo, não cumpriu uma agenda que beneficiasse os municípios maiores. Tanto que Sud Mennucci, cidadezinha de pouco mais de sete mil habitantes, recebeu a liberação do Governo muito antes de outras cidades, como as Estâncias Turísticas de Ilha Solteira e de Pereira Barreto.

“A autorização é mostra de força política. Se o prefeito ou vereador não tem conexões com Brasília, dificilmente ele irá conseguir agilizar isso”, afirmou um assessor parlamentar de um Deputado Federal pelo Estado de São Paulo.

Isso acontece porque o Ministério das Comunicações não segue um cronograma que preze pela ordem cronológica de pedidos. Quando um prefeito ou vereador possui conexões, principalmente com deputados federais ou senadores, os parlamentares entram em contato diretamente com o Ministério e consegue agilizar o processo. “É pura política”, garante.

Apagão analógico gera ausência de TVs no interior de SP

Foi o que aconteceu no exemplo de Sud Mennucci, que tem como prefeito Júlio César Gomes, irmão do deputado federal e ex-juiz Luis Flávio Gomes. Quando a cidade conseguiu a concessão da TV Tem, ela fez a solicitação para liberar o sinal de todas as emissoras abertas e conseguiu rapidamente resposta positiva. É que Julião, como é conhecido o mandatário, possui intensas conexões políticas, já que é o presidente da AMENSP (Associação dos Municípios do Extremo Noroeste de São Paulo).

Pereira Barreto não teve a mesma sorte. O município com pouco mais de 25 mil habitantes foi uma das últimas da região a conseguir a concessão da TV Tem e também da Record. E mesmo assim, até esta terça-feira (25), ainda não contava com o sinal liberado para a população no canal de Edir Macedo.

É que há outra questão após a concessão pelo Ministério. Neste ponto, a administração pública precisa convencer as emissoras que não são obrigadas a disponibilizar os equipamentos para que o sinal alcance os televisores da cidade, a instalarem todo o artefato para o sinal funcionar.

“A gente tem encontrado muita dificuldade nisso porque como somos municípios pequenos, não há interesse, já que não há nenhum vislumbre de investimento publicitário nas afiliadas”, comentou o assessor de uma das cidades filiada a AMENSP.

Apagão analógico gera ausência de TVs no interior de SP

A solução encontrada é radical e pode até prejudicar a saúde das contas públicas, mas é o único ponto de convergência. As próprias prefeituras estão comprando todos os equipamentos e disponibilizando um espaço público para que os canais enviem seus técnicos para fazerem a instalação.

“Fizemos uma consulta no Tribunal de Contas e fomos informados que a compra é legal, então achamos por bem realizar esse procedimento”, explicou um funcionário da Prefeitura de Pereira Barreto.

O advogado Diogo Almeida explicou que isso poderá ser um problema. “Quem deve disponibilizar os equipamentos são as emissoras. Isso faz parte do acordo entre as TVs e o Ministério. Precisamos lembrar que todas as emissoras são concessões públicas e precisam cumprir a legislação”, relatou.

Mas as prefeituras não podem esperar até que as TVs cumpram a lei. É que deixar os munícipes sem a transmissão das principais redes não é uma estratégia política das melhores.

Apagão analógico gera ausência de TVs no interior de SP

“Desde que o sinal analógico foi desligado, eu tenho recebido um caminhão de críticas nas redes sociais”, explicou o prefeito de uma cidade do interior de São Paulo que conta com menos de cinco mil habitantes. A maioria das reclamações, segundo ele, acontece por conta da falta de sinal da Globo e da Record.

Se os prefeitos já estavam preocupados com a situação desde o desligamento, em 2019 a situação piorou e eles correm contra o tempo. É que, com a aproximação das eleições municipais, ser criticado todos os dias por conta da falta de emissoras de TV no município pode minar qualquer possibilidade de reeleição.

O NaTelinha entrou em contato com a AMENSP e descobriu que, dos 17 municípios filiados, 13 não possuem o sinal digital de todas as emissoras de TV aberta. A pedido da própria Associação, a reportagem não citará nominalmente cada cidade para não atrapalhar as negociações com os canais ou com o Ministério das Comunicações.

O levantamento aponta que oito municípios não possuem o sinal da TV Tem, afiliada da Globo, 11 estão sem o sinal da Record. No caso do SBT, restam ainda quatro cidades, e seis para cumprir a meta na Band. Já a TV Cultura e a TV Gazeta estão sintonizadas em todos as cidades.

Apagão analógico gera ausência de TVs no interior de SP

Vale lembrar que o sinal analógico na região de São José do Rio Preto foi desligado no dia 28 de novembro e, desde então, apenas o digital passou a funcionar para as emissoras de TV aberta. Todos os municípios distribuíram o kit TV digital para parte da população, considerada carente, a fim de adaptar os televisores para a nova captação.

No caso de TV por assinatura, uma alternativa para manter todas as emissoras também de TV aberta funcionando, a realidade passa longe da maioria das famílias do interior.

A reportagem entrou em contato com uma série de Associações Comerciais de algumas dessas cidades e descobriu que não há um estudo consolidado para saber quantas residências possuem TV por assinatura, mas a estimativa média é de que cerca de 15% tenham acesso.

Prefeitos, vereadores e até assessores que aceitaram conversar em off afirmaram que a dificuldade maior é o contato com os canais, mas as negociações prosseguem e os dribles à burocracia também estão sendo medidas.

O NaTelinha procurou todas as grandes redes de TV aberta, que enviaram nota oficial para falar sobre o tema, conforme se lê abaixo.

Nota oficial da Globo

O desligamento do sinal analógico no Brasil tem sido considerado um caso de sucesso ímpar na indústria mundial. Temos um país de dimensões continentais, que encontra na TV aberta sua principal fonte de entretenimento e informação. Concluímos a primeira fase do desligamento em 2018 com o mínimo de impacto para o público. A TV aberta continua a ser a principal plataforma de distribuição audiovisual do país, agora com mais qualidade, mobilidade e interatividade. Aqui, ao contrário de outros países com perfil socioeconômico similar ao Brasil, emissoras e entidades responsáveis se uniram para construir um modelo que se adaptasse aos brasileiros, e isso fez toda a diferença para o engajamento da população e para a mobilização em torno do tema.

Agora, seguindo o modelo de parceria entre emissoras e indústria que garantiu o sucesso da primeira fase do desligamento, estamos trabalhando em soluções para a interiorização da TV Digital no Brasil. O cronograma das localidades que ainda não foram digitalizadas vai até 2023. E estamos trabalhando em soluções adequadas à realidade dos municípios que passarão pelo desligamento nesta nova fase, investindo em planejamento e preparação da infraestrutura, como estações compartilhadas, que contribuem para o desenvolvimento do mercado nacional e são economicamente viáveis. Temos como prioridade a digitalização do Brasil inteiro e acreditamos que, com os aprendizados que tivemos até agora, esta será mais uma etapa de sucesso.

Nota oficial do SBT

Estamos dentro do cronograma previsto de desligamento do sinal analógico. Quanto as permissões junto ao MCTIC, não estamos tendo problemas de atraso e os investimentos estão previstos, fruto de um planejamento detalhado já feito há alguns anos.

Nota oficial da Record

A Record TV já digitalizou 1200 cidades seguindo o cronograma do Governo Federal onde o processo de digitalização foi estabelecido. Segundo a Anatel o prazo final para o desligamento total do sinal analógico é em 2023.

Nota oficial da Band

A Band segue com a expansão de seu sinal digital de acordo com o cronograma de implantação do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações firmado no switch-off até 2023. A emissora vai completar toda a cobertura outorgada no território nacional atendendo 100% de digitalização. A Band tem atuado com outras emissoras para que, em municípios de menor densidade populacional, possa utilizar sites de transmissão e sistemas compartilhados, o que permitirá uma expansão mais rápida do sinal digital para o interior dos estados.

Nota oficial da RedeTV!

A RedeTV! tem cumprido com o cronograma de switch-off dos canais analógicos, definido pelo Ministério das Comunicações.

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