Em rara entrevista, diretor de programação da Globo celebra novidades e avalia desafios
“A área de programação mudou muito. Ficou mais analítica, mais estratégica”, diz Amauri Soares
Publicado em 30/04/2019 às 06:00
Ele chefia a grade da segunda maior emissora do mundo. Estamos falando de Amauri Soares, diretor de programação da Globo. Paulista de Bauru, ele está no cargo desde 2013. Nesses mais de seis anos à frente do setor, o executivo chefiou algumas mudanças estruturais, que envolvem telespectador, programação e conteúdo. Um exemplo? A partir desta semana, o canal lança mais um pacote de novidades – o terceiro só em 2019.
Geminiano de 52 anos, Amauri raramente concede entrevistas. “Normalmente os jornalistas querem saber do diretor de programação exatamente aquilo que ele não pode falar publicamente”, justifica. O diretor aceitou o convite do NaTelinha para compartilhar impressões e experiências de tocar a grade da Globo.
Tanto a programação de verão, lançada em janeiro, quanto as novidades de abril, tiveram desempenhos satisfatórios para o executivo. “Não foi surpresa (os resultados). Conhecemos bem o talento e o potencial de Tatá Werneck e por isso apostamos no 'Lady Night'. À tarde, tanto 'O Álbum da Grande Família' como 'Cordel Encantado' são produções que tiveram enorme sucesso em suas primeiras exibições. Como continuam sendo histórias muito relevantes e atuais, também esperávamos um bom resultado agora, na reprise”, afirma.
“Além desses produtos, também estamos bem satisfeitos as estreias feitas em abril, como ‘Órfãos da Terra’ e ‘Se eu fechar os olhos agora’. Seguimos com novos lançamentos, como ‘Assédio’, ‘Cine Holliúdy’, ‘A Dona do Pedaço’ e a nova temporada de ‘Sob Pressão’. Há, ainda, a volta de ‘Por Amor’ no ‘Vale a Pena Ver de Novo’, e do Campeonato Brasileiro, que sempre mexe com as emoções do torcedor. Fazer a grade podendo contar com títulos novos, que estão estreando agora, e também com grandes clássicos do nosso acervo é um privilégio”, acrescenta.
A reprise de “Por Amor” homenageia, de certa forma, o autor Manoel Carlos, prata da casa: “Ele é um mestre da dramaturgia. Um dos maiores. E essa novela é uma de suas obras-primas. A escolha tem a ver com todos os critérios que usamos para programar a faixa de reprises. Quando olhamos para o perfil de quem está vendo TV à tarde, vemos que é uma história perfeita para ser contada”.
Convergência de plataformas
Nos últimos três anos, o mercado viu a Globo fazer apostas ousadas, com o lançamento de produtos em plataformas diversas antes de chegar à televisão aberta. “Os Estúdios Globo vão produzir conteúdos para várias plataformas. Tudo vai depender da adequação desses produtos à nossa grade. As atrações concebidas para o VOD (vídeo on demand) ou para a TV paga poderão ter uma segunda janela de exibição na TV aberta, assim como continuaremos tendo conteúdos exclusivos, que serão exibidos primeiro na grade da Globo. Neste sentido, passamos a contar com uma oferta mais variada de títulos. Nosso telespectador só tem a ganhar”, indica.
A ideia se materializa em quatro exemplos: a série “Carcereiros”, colocada primeiro no Globoplay e só transmitida no canal aberto depois de passar pela Globo Portugal e pelo +Globosat; a minissérie “Se eu Fechar os Olhos Agora”, oferecida meses antes, com exclusividade, aos assinantes do Now da Net; a novela “Órfãos da Terra”, que tem o capítulo do dia seguinte antecipado na internet; e a escalação de produtos da TV paga na Globo.
Sobre esse último ponto, Amauri explica: “A TV por assinatura alcança um número muito menor de pessoas. A audiência dela é uma fração da audiência da Globo. Por isso, um conteúdo exibido lá pode ser aproveitado aqui. Desde que, é claro, tenha adequação com a nossa grade de programação”. O revival do “Sai de Baixo”, a nova versão da “Escolinha”, o “Lady Night” e o documentário “Viver do Riso” são algumas das atrações compartilhadas pelos sinais aberto e pago.
Disparidades regionais
A Globo é uma gigante da comunicação, mas não uma unanimidade. Isso se nota pelas diferenças nos índices de audiência pelo país. Ao mesmo tempo que a emissora obtém números confortáveis em cidades como Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre, passa por dificuldades em Goiânia e Salvador, que sofreram intervenção direta da equipe de programação. “Essas diferenças regionais sempre existiram. E aí está um dos desafios mais interessantes em fazer televisão nacional”, pondera.
“O que nós queremos, cada vez mais, é tornar os costumes, os hábitos de cada região, em pontos de conexão com a nossa grade, através das emissoras regionais e afiliadas. E isso se dará por meio das histórias que contamos. O Brasil está mudando depressa e isso também vai exigir muito da nossa sensibilidade. Aqui na Programação estamos prontos para este desafio. Temos um setor que trabalha diariamente em parceria com cada emissora regional, ajudando a desenvolver ideias e a capacitar equipes”, revela.
Na matriz, um dos trunfos descritos por Amauri é contar com profissionais que têm conhecimento de causa, por terem trabalhado em filiais ou afiliadas: “Esta experiência na ponta é fundamental para nosso trabalho”.
Evolução
Amauri está em um cargo que, durante décadas, foi de Roberto Buzzoni. Nesses seis anos, indubitavelmente, a grade global ficou mais flexível, para atender aos novos tempos. “Passa tudo tão depressa, não é verdade?”, reflete o executivo. “A área de Programação da Globo mudou muito. Ficou mais analítica, mais estratégica. Nos tornamos os curadores de todo o conteúdo Globo. Avaliamos as dinâmicas de todas as janelas e fazemos o ciclo de vida de cada produto novo que se desenvolve”, explica.
“O setor presta um serviço mais abrangente para as demais áreas da emissora, fazemos analises de conjuntura, de tendências. E, com isso, podemos fazer encomendas mais precisas de conteúdo", diz.
“Também mudamos radicalmente a linguagem das chamadas. Passamos a criar e a produzir peças para exibir tanto na TV aberta como em outras mídias. Hoje, posso dizer que os clipes de lançamento dos produtos da Globo não ficam devendo para os trailers dos filmes de Hollywood. É o resultado de três anos de trabalho, de capacitação da equipe e de experimentações”, complementa.
A área foi fortalecida com chegada de novas tecnologias. A “Sessão da Tarde”, por exemplo, é escalada de acordo com algoritmos. “Algoritmo, big data, analytics. São novas ferramentas, novas tecnologias que ajudam no trabalho de programar TV. Mas ninguém deve se enganar: programar televisão é uma atividade essencialmente humana”, salienta.
“Programação exige sensibilidade, conhecimento do público, visão de conteúdo. Nenhuma fórmula matemática fará isso. As ferramentas novas enriquecem o processo de escolha, torna-o mais abrangente. Mas quem decide, no final, é sempre uma pessoa, um profissional de Programação de TV”, finaliza Amauri Soares.