Globo e ex-funcionário disputam na Justiça pela autoria da vinheta "Brasil-sil-sil"
O sonoplasta José Cláudio Barbedo busca na justiça o reconhecimento pela criação da famosa vinheta exibida na Globo
Publicado em 09/10/2019 às 05:01
Os direitos autorais da icônica vinheta "Brasil-sil-sil", que acompanha as transmissões esportivas da Globo e virou referência sonora do país, vem sendo alvo de uma disputa judicial há oito anos entre a emissora e o ex-sonoplasta da Rádio Globo, José Cláudio Barbedo. O profissional busca o reconhecimento da autoria da vinheta enquanto a Globo, no processo, alega que pertence a ela e ao locutor Edmo Zarife (1940 - 1999).
José Cláudio Barbedo trabalhou durante 30 anos no Sistema Globo de Rádio. Em entrevista exclusiva ao NaTelinha, Formiga, como é conhecido no meio radiofônico, afirma ser o criador da famosa vinheta, que, segundo ele, foi produzida numa tarde de domingo de folga, em 1969.
"A vinheta é uma criação minha. O que você tem na vinheta é um sinal eletrônico misturado com a voz do locutor da época, chamado Edmo Zarife. Quem criou o sinal eletrônico, quem dirigiu o Zarife na locução, quem fez todo o processo da vinheta foi eu. Quando eu entrei com um processo contra a Globo, em 2011, eu descobri que a Globo registrou a vinheta em nome dela", conta Formiga, que atualmente presta consultoria para diversas rádios no país.
E completa: "O meu processo é para que eles reconheçam meus direitos, por eles terem registrado, ilegalmente e injustamente, a Rádio Globo e o Edmo Zarife como criadores da vinheta. Ele foi apenas o locutor e teria o direito de receber o direito de voz dele, mas não a criação da vinheta. A criação é minha".
O processo em que se discute a autoria da vinheta “Brasil-sil-sil” está sendo discutido na 18ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sob número 0165135-08.2013.8.19.0001 e tem como alicerce a Lei 9.610/98 (Lei de Direito Autoral).
Questionado sobre seu sentimento em torno do imbróglio judicial, o ex-funcionário da Rádio Globo foi enfático: "Injustiçado, claro. Melancólico, às vezes. Porque quando a vinheta toca, eu ouço a vinheta Brasil em diversas oportunidades, eu me lembro que eu não sou reconhecido financeiramente e nem como autor. Se eu não consigo ganho de causa, pode ser que essa vinheta, que vai ficar por aí, um dia eu desapareça, e as pessoas pense que ela é de criação de outra pessoa, de um CPNJ. Me sinto melancólico. Juridicamente falando, eu não deixei um legado".
Processo de criação
Utilizada pela primeira vez pela Rádio Globo durante as Eliminatórias da Copa de 70, José Cláudio Barbedo relembra à reportagem como foi o processo de criação da vinheta "Brasil-sil-sil".
"Por incrível que parece o processo de criação foi rápido. Isso foi em 1969. O Mário Luiz, que era diretor de programação, queria que gente fizesse algo pra a classificação da seleção brasileira. Então, foi eu num domingo pra lá (Rádio Globo) e comecei a testar vários tipos de efeitos. Reverbe, eco e fiz o efeito original dele e gravei numa fita. O (Edmo) Zarife chegou depois, entrou no estúdio, emulei a voz dele, alterei a rotação de máquina com durex, botei três gravadores juntos e passei por filtro e etc e tal. Até que falei: ‘Ok, Zarife. Vamos lá. Fala aí, Brasil’. Na terceira vez que ele falou ‘Brasil’, eu consegui o tempo de efeito. Achei bom e chamei ele. Ouvimos e tava pronto em quatro horas. Isso numa tarde de domingo de folga".
Num documentário sobre a rádio no Brasil, produzido em 1990 pelo Banco do Brasil, o locutor Edmo Zarife relatou sua versão sobre a criação da vinheta.
"Isso começou através de um trabalho, eu chamo ele de monstro sagrado da técnica, que é o José Cláudio Barbedo, o Formiga. Ficamos quase duas horas no estúdio gravando no fitão várias frases e vários bordões. E ouvindo a fita depois de toda gravada, ele, com o conhecimento, com aquela técnica apurada, falou: ‘Zarife, é essa’. Ouvimos a fita umas 30 vezes", contou.
Confira o vídeo:
Ao NaTelinha, a advogada de José Cláudio Barbedo, Lígia Valeria Bomfim Saraiva, explicou sobre a situação judicial do caso: "O processo se encontra em fase de conhecimento, sendo alvo de diversos recursos protelatórios das Rés. Todos os recursos até então promovidos pela Globo Comunicação e participações S.A e pela Rádio Globo não tiveram sucesso e esperamos em breve que seja designada a audiência para colheita da prova testemunhal, bem como seja realizada a perícia técnica requerida".
E completou: "Enquanto não for encerrada a instrução entendemos não ser prudente requerer a suspensão da vinheta, em que pese não haver notícias nos autos da ação quanto a renovação do contrato de cessão de direitos que foi assinado em 01/06/1998 com vigência de 20 anos para a veiculação da vinheta na grade de programação do conglomerado Globo. Destacamos que o contrato expirou em 01/06/2018 e foi assinado entre as empresas Globo e o locutor Edmo Zarife, tendo injustificadamente sido excluído o criador da combinação dos efeitos sonoros - radialista Formiga".
De acordo com a advogada, "a violação dos direitos autorias e patrimoniais é bastante expressiva, isto porque, ao considerarmos que a vinheta foi absorvida pelo conglomerado Globo e sido incluída em seu acervo intangível como marca corporativa para segmento esportivo, a valoração da vinheta e a quantificação dos direitos autorais pela utilização atinge valores que somente podem ser auferidos através de perícia técnica".
"É uma vinheta que identifica um país. Ela é uma vinheta muito valiosa. Já está no inconsciente do Brasil. Com certeza a parte mais importante é a questão financeira ( para Globo não reconhecê-lo como autor da vinheta). Eu não tenho ideia de quanto eu deixei de arrecadar", lamenta José Cláudio Barbedo.
Procurada, a Globo não respondeu ao contato da reportagem.