A história de um fã que virou braço direito de Silvio Santos no SBT
Em entrevista exclusiva, Ricky Medeiros conta passagens de sua carreira ao lado de Silvio Santos
Publicado em 17/07/2016 às 06:00
Tudo começou com um sonho juvenil de fã de trabalhar com Silvio Santos. Durante 26 anos, o americano Ricky Medeiros foi o braço direito do homem do Baú na programação do SBT.
"Eu não saia de casa aos domingos e meus pais achavam que eu estava ficando louco. Me chamavam para sair e eu dizia 'não'. Queria assistir o 'Programa Silvio Santos', relembra Ricky, hoje com 65 anos e que foi responsável, dentre outras coisas, por trazer Bozo ao Brasil, formatar o "Qual é a Música?" e negociar a exclusividade dos filmes da Warner e Disney.
Nascido na Pennsylvania, Estados Unidos, Ricky Medeiros é bacharel em Rádio e TV pela Syracuse University. Chegou a trabalhar na rede americana ABC, mas sua história como executivo de televisão se interlaçou com a do SBT.
Em entrevista exclusiva a este colunista do NaTelinha, Ricky Medeiros revela algumas curiosidades na história da emissora que completa 35 anos no próximo dia 19 de agosto. "Um dia, quando o SBT ainda era da Vila Guilherme, eu estava voltando pela Avenida Tiradentes, tinha um cartaz das cuecas Mash. E estava lá: 'Quem procura acha'. Veio o som na minha cabeça, pensei na hora em 'Quem procura acha... aqui', casou", disse ele sobre como foi criada a famosa vinheta do SBT nos anos 80.
O ex-executivo também conta outras passagens interessantes, como quando fechou acordos milionários com Warner, Disney, MGM e Paramount, além de falar como trouxe Bozo para o Brasil e formatou o programa "Qual é a Música?".
Confira:
Como o senhor conheceu o Silvio Santos?
Ricky Medeiros - Meu pai veio ao Brasil em 1964, eu tinha 13 anos de idade. Não falava nem "bom dia" em português. Naquela época, eu não tinha TV a cabo e nem VHS. Mas eu gostava de assistir televisão e alguém me indicou um programa com coisas americanas. E foi aí que fiquei fã de um cara chamado Silvio Santos. Eu não saia de casa aos domingos e meus pais achavam que eu estava ficando louco. Me chamavam para sair e eu dizia "não", queria assistir o "Programa Silvio Santos" que era ao vivo na época. Começa as 11 da manhã e terminava as 20h. Quando comecei a falar (português) um pouco melhor, eu ia com minha empregada, pegava fila na rua das Palmeiras às 5 horas da manhã, para assistir ao "Programa Silvio Santos".
Com dezessete anos, minha mãe me falou: "Olha, eu conheci alguém que conhece alguém lá no canal 5". Então, eu fui procurar esse alguém, e esse alguém se chamava Eduardo Martins, que me empurrou para um cara chamado Luiz Lopes Correa. Ele era locutor da rádio Nacional e apresentador do jornal da TV Paulista, ainda não era Globo.
Eu fiz muita amizade com Luiz Lopes porque ele falava inglês perfeitamente e também era espírita. Foi a pessoa que me introduziu (Rick Medeiros também é conhecido por publicar livros espíritas). Um dia de tanto ficar falando de Silvio Santos, ele me perguntou se eu queria conhecê-lo. Eu disse que sim e combinou comigo: "Amanhã você mata a aula na escola e vem aqui às 14h". Na época não tinha SBT, ele era simplesmente um apresentador de televisão e locutor da rádio Nacional. Eu conheci o Silvio Santos e disse: "Meu nome é Rick Medeiros, eu tenho 17 anos, eu sou americano, eu vou voltar para os Estados Unidos para estudar rádio e televisão e vou trabalhar com você". Ele falou: "Prazer, legal". Tipo, moleque doente (risos).
Passou alguns anos, eu voltei para os Estados Unidos e estudei rádio e televisão. Fui trabalhar em Baltimore e produzi um jornal local das seis horas e depois fui trabalhar na ABC em Nova York, onde redigia o jornal. Então, ganhei meu primeiro cartão de crédito e pensei na hora em passar as férias no Brasil. Fui rever os amigos e liguei para o Luiz Lopes Correa em São Paulo. Ele combinou para me encontrar na rádio Nacional, na rua das Palmeiras, no domingo às 23h. Mas o Luiz se atrasou.
Do outro lado da rua, estava terminando o "Programa Silvio Santos". Nesses impulsos, eu atravessei e o Silvio olhou para mim e eu mostrei a minha carteirinha da ABC e falei: "Meu nome é Rick Medeiros, eu sou americano, eu falo português, eu trabalho na ABC em Nova York, eu fiz minha faculdade e agora eu quero trabalhar com você". Ele me contratou.
Com uma oferta de emprego de 15 mil cruzeiros feitos pelo Luciano Callegari, eu voltei aos Estados Unidos para pedir demissão. Nesta viagem de volta, quem sentou do meu lado? Silvio Santos. Um detalhe, ele só cruzou que eu era o mesmo menino da rádio Nacional anos depois.
O senhor editou a campanha mais famosa do SBT, "Quem procura acha aqui". Como surgiu a ideia de trazer para o Brasil a versão do "Let's All Be There" da NBC?
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Ricky Medeiros - Eu comprava muitos programas da NBC. Lembra da "Punky Brewster"? Então, era da NBC, a gente fazia muito negócios com filmes e desenhos com eles que eram exibidos no SBT. Um dia, um representante da emissora que era meu amigo e que tratava dos negócios, me perguntou se eu queria comprar umas campanhas. As redes fazem uma grande conferência com todas as agências e mostram a nova programação. Aquelas vinhetas de dois minutos, não passam no ar, passa uma versão de 30 segundos. As de dois minutos são exibidas só nas agências.
Então, ele me perguntou se eu estava interessado. Eu assisti a de 30 segundos e disse que iria falar com meu chefe e dava um retorno. "Por que pra gente não tem muito valor vender isso para fora do país, então vou incluir no pacote", disse. Compramos cinco anos dos direitos de graça.
Eu me lembro que no Brasil era uma novidade. A Globo faz isso hoje, mas na época ninguém fazia. Então eu falei com o Silvio que tinha a trilha musical, mas eu escrevendo em português ficava horrível. Ele disse que era para procurar o Renato Barbosa (participava do "Show de Calouros" como o "Rei da Paródia").
Eu e Renato sentamos, e eu disse que tínhamos que falar dos filmes da programação e dos artistas. Então eu traduzi a letra e não soava. Um dia, quando o SBT ainda era da Vila Guilherme, eu estava voltando pela Avenida Tiradentes. Tinha um cartaz das cuecas Mash e estava lá: "Quem procura acha". Veio o som na minha cabeça, pensei na hora em "Quem procura acha...aqui", casou. No dia seguinte, eu chamei o Renato e disse que tinha visto um cartaz das cuecas Mash e só faltava o "aqui". E assim que foi criada a vinheta.
O senhor foi responsável por negociar direitos de exibição dos grandes sucessos na história do SBT. Qual foi o mais desafiador?
Ricky Medeiros - O mais desafiador foi o começo. Eu comecei a trabalhar com o Silvio em 1976, não tinha nem SBT, era só o "Programa Silvio Santos". Eu tinha 25 anos de idade. Eu vim para o Brasil e montei o "Qual é a Música?" e o Silvio pediu para voltar aos Estados Unidos. Ele estava percebendo que era muito difícil comprar aqui no Brasil. Porque a Globo era a Globo e continua sendo a Globo e a gente precisava de desenhos animados.
Ele explicou que a "Hanna-Barbera", que era uma grande produtora de desenhos da época, só vendia para a Globo. Eu nunca fui deste ramo de aquisição. Eu estudei Rádio e TV nos Estados Unidos, meu primeiro emprego foi produtor de jornal, depois fui para a ABC de Nova York como redator.
Então, o desafiador foram os primeiros meses, por dois motivos: de achar o produto e de vender a confiança para que eles vendessem para mim.
No final dos anos 90, em 1997, o SBT começou a fechar contratos milionários com a Warner, Disney, MGM e Paramount, tendo direitos de exibição dos grandes blockbusters do cinema. Esses acordos tiveram uma grande repercussão no mercado. Como foram essas negociações?
Os quatro ases da televisão em institucional do SBT;
Medeiros teve participação determinante
Ricky Medeiros - Todo mundo acha que só comprava filmes, eu fazia programas também (risos). Todo ano indo para as férias, brigando com a Globo, o SBT começava a crescer. Um dia, o Silvio me disse que gostaria de ter filmes bons. E isso a gente não poderia fazer no começo porque não tínhamos nem credibilidade e nem dinheiro. Ele adorava a Warner.
Eu falei: "Vamos tirar a Warner da Globo?". Demorou três anos, mas conseguimos. A Disney veio porque eles estavam de saco cheio da Globo, porque lá eles só colocavam desenho dentro do programa da Xuxa e eles queriam fazer um programa deles.
Como o SBT era mais flexível eu disse que poderíamos fazer, mas queríamos os filmes também. Foi assim que foi construído o negócio com a Disney, com o "Cruj".
A Warner, eu considerei um desafio pessoal: "Eu vou tirar a Warner da Globo". Eu chamava os representantes do México, ligava pro chefe dele de Nova York, enfim, fazia tudo.
Depois que veio esse dois, o mercado no Brasil estava difícil para quem vendia filmes. Porque a Globo, naquela época, tinha a Fox e Universal. A gente tinha a Warner e a Disney e o restante não tinha mais mercado pra vender. A Paramount não tinha muito filme mas completava o pacote e a MGM eu estava contra desde o primeiro dia, mas o Silvio quis, e a gente comprou.
E a Globo como reagiu?
Ricky Medeiros - Eu juro que não estava preocupado com isso, estava mais preocupado com a gente, que era muito dinheiro (risos).
O SBT optou por terminar esses acordos com os grandes estúdios. Na sua opinião, ainda vale pena para a TV aberta investir em contratos de exclusividade com os grandes estúdios?
Rick Medeiros - Ficou muito caro. Outra coisa, o mercado do cinema mudou. Quando eu coloquei o "Batman" no ar, que foi o primeiro filme do pacote que a gente lançou, foi um acontecimento. Mas hoje, como tem mais salas de cinemas, tem muita pirataria e influência da TV a cabo, já não é tanto um evento.
O "Batman", que naquela época foi visto só no cinema, hoje é visto pela pirataria, no canal da Warner, na HBO e no Telecine, antes de chegar na TV aberta. Hoje eu não faria um negócio assim.
Não valeria a pena?
Ricky Medeiros - Não nos preços que eles pedem.
O senhor trouxe o Bozo para o Brasil. Como foi essa história?
Ricky fez os primeiros 26 programas do palhaço Bozo
Ricky Medeiros - Eu trouxe o Bozo para o Brasil. Não somente comprei os direitos como fiz os 26 primeiros programas. Um dia, o Silvio me ligou e falou que a TV Tupi comprou o "Clube do Mickey" e que precisava de alguma coisa. Eu respondi que tinha um palhaço chamado Bozo e ele disse: "Aquele de Cabelo laranja?". Eu falei: "Esse mesmo, eu vou atrás".
Eu achei a pessoa que tinha os direitos, tivemos uma negociação longa e fechamos. Eu retornei ao Brasil e antes de ir para São Paulo, fui ao Rio, e o filho do Larry Harmon (criador do palhaço), o Jeffrey, me encontrou. Num domingo, na piscina do Hotel Nacional, comecei a ver o manual do Bozo. Além do palhaço, tinham três personagens. E lá, na piscina do hotel Nacional do Rio de Janeiro, que foi criada a Vovó Mafalda, Papai Papudo e o Professor Salci Fufu.
Chegando em São Paulo, para produzir o programa, eu falei com o Valentino Guzzo, que era um grande amigo. Expliquei que precisava achar esses tipos. Foi ele que trouxe o Wandeco Pipoca até nós. O Gibe ele trouxe e o Pedro De Lara eu já conhecia. Mas eu disse para o Valentino que eu queria que ele fosse o Bozo. Mas ele falou que queria ser a Vovó Mafalda.
O SBT sempre teve uma grande afinidade com os produtos da Televisa. Como iniciou essa relação?
Ricky Medeiros - Eu não ficava envolvido com essas coisas, era direto com o Silvio. Eu não gostava, achava que a Televisa se impôs muito no SBT e que não era bom para a emissora.
O senhor implantou o jornalismo na emissora?
Ricky Medeiros - Eu montei o "Cidade Quatro", o "Noticentro", eu ajudei o pessoal do "TJ Brasil", inclusive o Boris Casoy, da revista Veja. Ele sempre diz que o o Rick "me ensinou a ler o teleprompter sem parecer que estava lendo o teleprompter". Eu sempre defendi o jornalismo no SBT.
Mas o SBT nunca foi conhecido como referência de jornalismo...
Ricky Medeiros - Não, e continua não sendo.
O senhor sempre defendeu a TV mais popular. A TV no mundo segue a tendência do Brasil em ser cada vez mais popular?
Ricky Medeiros - Porque tem muita concorrência no cabo hoje. Todas as TV abertas no mundo, inclusive as americanas, estão ficando mais populares, embora o pessoal fale tanto de internet e da TV a cabo, mas a TV aberta é o único que até hoje pode reunir uma multidão de público ao mesmo tempo. A TV aberta, para entregar um público para as agências e para os anunciantes, tem que fazer isso. Mas na minha cabeça, sempre teve uma grande diferença em ser popular e popularesco. algumas sabem fazer, as outras não sabem.
Acha que o telejornais policiais, no estilo do extinto "Aqui Agora", seria a televisão popularesca?
Ricky Medeiros - Isso que falo de TV popular e popularesca. Esses programas que estão no ar agora de polícia, ficam acompanhando uma viatura por meia hora. Isso porque não tem tanto assunto. Esses são popularescos.
"Pássaros Feridos" foi a primeira ameaça do SBT na audiência do horário nobre da Globo. O senhor também negociou esses direitos?
"Pássaros Feridos" liderou a audiência no horário nobre na década de 1980
Ricky Medeiros - Não fui eu, foi o Silvio. Eu estava nos Estados Unidos e o Silvio me ligou e disse: "Rick, tem uma minissérie "The Thorn Birds", já viu ela? Eu respondi que sim. "A Globo não quer e a Warner está oferecendo pra mim", disse ele. E falei: "Compra".
Lembra do seriado "Esquadrão Classe A"? Assim que vi a chamada eu liguei pro Silvio e disse: "Vai ter um seriado na NBC, Chamado 'Esquadrão classe A' e tem a cara do Brasil". A mesma coisa foi com o "Chips". Eu falei para o Silvio que teria que negociar no Brasil. A Universal, na época, só vendia para a Globo. Ele foi na frente e comprou a "Super Máquina" e o "Esquadrão Classe A". E descobri que o "Chips" era da MGM e eu negociei com o escritório em Miami.
Mas no começo não era fácil não. O pessoal tinha medo. Eu entendo o receio. Se você é uma empresa que vende dois ou três milhões de dólares para a Globo todo ano, e aí vem o SBT que só compra dois ou três seriadinhos. "Se eu vendo para o SBT, a Globo não vai gostar", pensavam. A Globo ameaçava as pessoas, quando o Silvio comprou o "Tom e Jerry" da MGM, teve um executivo que perdeu o emprego.
Como foi formatar o "Qual é a Música?" para o Brasil?
Ricky Medeiros - Eu estava no Brasil fazia um mês. O Silvio tinha saido da Globo e foi para a Tupi e estava levando uma surra no domingo. Ele estava acostumado a dar 50 e 60 pontos na Globo e estava dando 12, 15 e 20 pontos. A Globo tinha montado um esquema, tinha "Oito e Oitocentos?" e o programa com o Moacyr Franco. Estavam acabando com a gente.
Estava todo mundo muito nervoso e falei para ele que tinha um programa diário que eu gostava muito quando era moleque e ainda estava no ar. Era chamado "Name That Tune". "Do pianinho?", ele questionou. Eu disse sim. Mas ele falou: "Rick, aquele programa é muito difícil de fazer no Brasil". Eu respondi: "Não sei, por quê?". Mas quando você é ignorante é bom porque eu não sabia a grande dificuldade (risos).
Trouxeram a fita dos Estados Unidos em uma semana. Eu pensei: "Eu não sou músico e como vou fazer as partituras musicais em 30 segundos? E quando o cara acerta? Tem que colocar outro, tudo na hora". O problema foi solucionado em dois minutos. Eu chamei o maestro Osmar Milano, que fazia os arranjos do SBT, e mostrei a fita. Ele me disse que não teria nenhum problema e que ajeitaria tudo pra mim. Com isso fizemos o programa (risos).
A imagem da versão americana do "Qual é a Música", adaptada por Medeiros no Brasil
O senhor tem uma espiritualidade muito forte. Teve alguma ajuda espiritual nos seus negócios no SBT?
Ricky Medeiros - Todos os dias. As pessoas chamam isso de intuição, mas a intuição nada mais é do que estar aberto para inspiração do outro lado. O Silvio dizia: "Você não erra nenhuma. Compra esse seriado, compra isso e coloca aquele filme". Eu estudava Ibope e tinha intuições. Geralmente dava certo dentro do limite que a gente podia decidir algo.
Além do Bozo, o senhor ficou responsável pelos outros programas infantis na emissora?
Ricky Medeiros - O Bozo fiquei mais. Eu montei o esquema dos desenhos todo dia para o Silvio. Quando você tem um concorrente muito forte você não pode bater de frente com ele. Eu deixei essa herança.
Seria o melhor legado na emissora?
Ricky Medeiros - Imagina, meu melhor legado no SBT foi ter 26 anos de trabalho honesto e sério. Que ninguém pode jogar uma pedra.
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