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Ano de despedida precisa fazer jus ao peso da história de Jô Soares

Território da TV


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Divulgação/TV Globo
Foram 28 anos, 16 deles na Globo, realizando entrevistas diariamente com algumas das maiores personalidades do país, mas eis que chegou a hora de Jô Soares se despedir do formato que o consagrou como ícone da nossa televisão.
 
A hipótese do acerto prévio para esse adeus sempre vai levantar suspeitas, é natural. Afinal, de acordo com as notas oficiais, aparentemente tudo na TV ocorre com comum acordo entre as partes. Improvável.
 
Jô, porém, está beirando os 80 anos. Há pouco mais de dois, ficou internado por semanas. E está longe de ser dependente da televisão para se manter na ativa. São muitos os seus talentos que ainda serão explorados. Entre os principais, por exemplo, as verves teatral e literária.  
 
O fato é que agora confirmado, seu tchau para a programação diária precisa ser feito no melhor dos estilos, como recentemente ocorreu nos Estados Unidos com duas figuras memoráveis: David Letterman e Jay Leno.
 
Por justiça, a terra do qual importamos o modelo de talk-show deve inspirar também a forma de renovação cíclica que estamos acompanhando. Por lá, os veteranos tiveram uma série de bons momentos na “reta final”, sendo devidamente reverenciados por personalidades de todos os meios e correntes graças a história que fizeram.  
 
Por exemplo, no dia do derradeiro “Late Show” de David Letterman, Jimmy Kimmel, um de seus concorrentes, exibiu uma reprise, gravando de forma inédita somente o monólogo de abertura no qual pediu ao público que não o assistisse e em vez disso sintonizasse no concorrente.
 
Tal como foi lá, o caso de Jô não pede uma despedida fúnebre com cara de “Arquivo Confidencial”. A melhor homenagem é rememorar os grandes instantes e criar outros tantos novos no tempo que resta.
 
Para isso, a composição clássica deveria ser retomada ou mantida. Ou seja, o hoje quarteto voltar a ser sexteto, o debate político com as “Meninas” não ser abandonado... São características que ao menos deviam ter sido intocáveis. Renovação nem sempre ocorre somente ao limar ou trocar peças, mas no conteúdo.
 
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Sobre as “Meninas”, diga-se, seja com outro moderador, seja com elas sozinhas, o formato e as integrantes não deveriam sumir junto com o atual comandante. Mesmo que na TV fechada, a atração tem fôlego de sobra para sobreviver com as próprias pernas.
 
Voltando ao Jô, com sua saída do páreo, viveríamos uma era sombria no reino dos talk-shows caso se fixasse cenário atual. O único sobrevivente no ar de segunda a sexta seria o “The Noite”, de Danilo Gentili, que começou promissor, mas nos últimos tempos se tornou mais uma plataforma de discurso do seu apresentador do que uma boa opção de entretenimento.
 
As boas edições eventuais, contando até mesmo com astros internacionais, mostram que a equipe não perdeu o talento, mas somente a mão na dosagem da liberdade concedida com o SBT. Um pouco de limite pode fazer com que o programa volte aos eixos.
 
Quem já está mandando bem, mas com exibição somente semanal, são Mariana Godoy e Luciana Gimenez. Cada uma ao seu estilo, as apresentadoras da linha de shows da RedeTV! conseguem arrancar entrevistas interessantes.
 
E o filão para por aí em nossa TV aberta. É muito pouco para a infinidade de personagens que o Brasil rende.  Faz falta Marília Gabriela e seu perfil direto, assim como Rafinha Bastos, que teve o “Agora é Tarde” cortado justamente quando entrava em sua fase mais empolgante.
 
Devem vir por aí em breve novas opções com Marcelo Adnet e Fábio Porchat, respectivamente na Globo e na Record. Os modelos de exibição e de linguagem deles, porém, ainda são grandes incógnitas. O provável é que ambos sejam mais “show” do que “talk”.
 
E é justamente na capacidade de sustentar uma boa conversa mesmo que sobre o nada, sem roteiros pré-determinados por nenhuma das partes ou maiores amarras que Jô Soares faz falta.
 
Ressalte-se que se fala de uma carreira de décadas, que não se encontrava na sua melhor fase. Nos últimos dois ou três anos, ele estava, digamos, “preguiçoso”. Tinha virado quase o antônimo de Fausto Silva, deixando o convidado falar o quanto quisesse simplesmente por não conseguir intervir com a mesma habilidade.
 
Por isso, artisticamente, a opção do desfecho “precoce” até preserva sua biografia. E também pelo lado artístico é que esse último ano deve ser especialmente caprichado.
 
Ao menos tentar fazer com que a temporada final do “Programa do Jô” seja uma das melhores de sua trajetória não se trata de caridade, mas de justiça. Que se saia por cima, com a imagem em alta, rendendo para todas as partes.
 
Para isso, além de uma seleção apurada de convidados entre os milhares que já passaram pelo sofá, que possivelmente se tornou o mais ilustre do país após a morte de Hebe Camargo, é preciso ajustar o formato que fracassou em 2015.
 
Mais curto, entretanto ainda com dois entrevistados diários, o programa deu um tiro no pé no ano passado. Em vez de ágil e dinâmico, ficou corrido e confuso. Se não houver disponibilidade de ajustar a cada vez mais concorrida grade das madrugadas para lhe conceder alguns minutos adicionais, que se opte em ouvir somente uma pessoa por dia. E a ouvir bem. Essa talvez seja a melhor forma das últimas dezenas de beijos dos gordos soarem mais agradáveis ao público.
 
Era de mudanças
 
Nos últimos cinco anos, a Globo viu duas apresentadoras do “Jornal Nacional”, um do “Fantástico” e um do “Globo Esporte SP” migrarem do jornalismo ao entretenimento.
 
Também viu Xuxa, outrora rainha, sair da geladeira direto para Record, onde ainda não se encontrou (o que é assunto para outra coluna).
 
Nesse intervalo, outra figura de primeiro time que deixou a telinha global de forma regular foi Renato Aragão, que agora se dedica somente a especiais, como telefilmes.
 
Ao mesmo tempo em que ocorre uma renovação acelerada, no embalo do canal Viva ou do “Vale a Pena Ver de Novo”, humorísticos antigos de sucesso como o “Sai de Baixo” e a “Escolinha do Professor Raimundo” ganharam novas versões com sucesso de pública e crítica. E a faixa de novelas das 21h, a principal da emissora, terá o retorno de Benedito Ruy Barbosa, autor tradicional, com uma trama rural em destaque ao mesmo tempo em que nunca se lançaram tantos novatos no comando de outras faixas de dramaturgia.  
 
Conduzir bem esse complicado processo, novamente evidenciado com a saída de Jô e a chegada de Adnet, mesmo que essa não seja uma substituição direta, certamente é um dos principais desafios da rede, que deve atentar que o velho e o novo são complementares, não excludentes.
 
 
O colunista Lucas Félix mostra um panorama desse surpreendente território que é a TV brasileira. Ele também edita o https://territoriodeideias.blogspot.com.br e está no Twitter (@lucasfelix)
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