Publicado em 05/11/2019 às 05:15:44
Roberto Cabrini, 59, está lançando o livro No Rastro da Notícia, onde relata, ao longo de 304 páginas, detalhes inéditos dos bastidores das grandes reportagens investigativas que protagonizou nos seus 43 anos de carreira no telejornalismo. Para escrever a publicação, Cabrini levou cinco anos e ao fim de cada capítulo, num total de 10, se sentia esgotado por reviver toda a encruzilhada física, emocional e logística da época.
"Era preciso viver novamente o processo de cada uma dessas reportagens. Todas elas tiveram momentos desafiadores e para descrever cada jornada foi preciso me transportar integralmente a cada momento, descrevendo vitorias e derrotas sem jamais me tornar mais importante do que a própria história", conta o jornalista, que atualmente é editor-chefe e âncora do Conexão Repórter no SBT, em entrevista ao NaTelinha.
Ele completa: "Ao final de cada capítulo me sentia exaurido por reviver cada encruzilhada física, emocional, logística. Revivi cada sentimento: entusiasmo, inquietação, angústia, medo, incerteza, convicção, determinação, prazer... O ato de escrever em si pra mim é rápido mas entrar no estágio necessário sentindo cada situação foi particularmente penoso e muitas vezes demorado pois antes de tudo exigia renunciar ao cotidiano do momento".
Em No Rastro da Notícia, que chega às lojas pela Editora Planeta, dentre outras histórias, Roberto Cabrini narra como conseguiu descobrir o paradeiro de Paulo César Farias, tesoureiro do então presidente Fernando Collor de Mello e fugitivo da justiça na época, os bastidores da morte de Ayrton Senna e da investigação que expôs abusos sexuais cometidos contra crianças e jovens por importantes sacerdotes brasileiros, que teve repercussão internacional.
Como foi o processo para escrever No Rastro da Notícia? Quanto tempo durou?
Roberto Cabrini - Desde o início me propus a fazer um livro intenso. Que refletisse de forma visceral os dilemas e as convicções da vida de um repórter investigativo. E isso implicou em fazer 10 livros em apenas um pois cada capítulo é uma história independente com particularidades absolutamente distintas.
Tinha minhas anotações mas elas não bastavam. Era preciso viver novamente o processo de cada uma dessas reportagens. Todas elas tiveram momentos desafiadores e para descrever cada jornada foi preciso me transportar integralmente a cada momento, descrevendo vitorias e derrotas sem jamais me tornar mais importante do que a própria história. Ao final de cada capítulo me sentia exaurido por reviver cada encruzilhada física, emocional, logística. Revivi cada sentimento: entusiasmo, inquietação,angústia, medo, incerteza, convicção, determinação, prazer... O ato de escrever em si pra mim é rápido mas entrar no estágio necessário sentindo cada situação foi particularmente penoso e muitas vezes demorado pois antes de tudo exigia renunciar ao cotidiano do momento.
Escrevia dentro de aviões, carros de reportagens, hotéis e principalmente no silêncio de meu escritório em minha casa. Casa história em si foi escrita em uma semana, no máximo duas, mas com grandes espaços entre uma e outra. Eu concluía um capitulo, voltava a realidade dos afazeres do momento durante meses e quando me sentia pronto e instigado iniciava outro. Comecei em 2014 e terminei o último em 2019.
Procurei contemplar as grandes investigações e também percorrer diferentes processos de reportagem, imprimindo diversidade de temas e de narrativas. Naveguei os momentos de coberturas de guerra, de localização de fugitivos, de jogos mentais de entrevistados complexos, de investigações de idas e vindas radicais e de detalhes minuciosos, de situações limite onde sobreviver se tornou crucial. E ainda instantes de grande desafio psicológico.
Qual foi sua maior preocupação e desafio em transformar os bastidores das suas reportagens em livro?
Roberto Cabrini - O grande desafio foi o estar atento para evitar qualquer glamourização individual de forma que a história fosse sempre mais importante do que o repórter.
Nossos dilemas são úteis à medida que indicam nossos limites e nossas encruzilhadas, mas estamos a serviço da reportagem e jamais o contrário. No final do dia contadores de histórias somos... E Isso é uma responsabilidade e também um sacerdócio.
De forma simbólica, qual capítulo de No Rastro da Notícia mais reflete a trajetória da sua carreira? Por quê?
Roberto Cabrini - Na verdade penso que minhas convicções estão representadas em uma foto. Na cobertura da guerra do Afeganistão, um guerrilheiro Taliban se aproximou de nós (de mim e do cinegrafista Sherman Costa) e apontou seu fuzil Kalashnikov contra nossa câmera. Não era exatamente um ato agressivo, mas traduzia de forma jocosa que eles eram os donos do país pois detinham as armas.
Sua vaidade de poder me permitiu que ele não se importasse que eu fotografasse aquele momento, o do fuzil contra a câmera, a repressão contra a verdade. A imagem pra mim simboliza nossa missão nesse ofício: o de sempre enfrentar a força usurpadora com as lentes da realidade.
Quais foram os critérios no momento de filtrar as histórias?
Roberto Cabrini - O critério foi o da representatividade de cada história no contexto histórico e humano. E também o de aumentar o espectro da cobertura do livro trazendo grande amplitude de enfoques e situações combatendo monopólios de narrativas de forma a me permitir reflexões das mais diversificadas sobre o dia a dia do trabalho de um repórter investigativo.
Na sua opinião, quais serão os principais trechos que surpreenderão o leitor de No Rastro da Notícia?
Roberto Cabrini - Cada uma das 10 histórias tem suas surpresas e por diferentes razões. Procurei colocar o leitor ao meu lado, dentro de minha embarcação, para que ele vivesse comigo nossos dilemas, sentimentos, transformações, derrotas e conquistas.
Qual elemento novo (ou um desdobramento) das suas reportagens, nunca antes revelada, foi inserido na publicação?
Roberto Cabrini - Todos os 10 capítulos contêm detalhes e reflexões que jamais contei antes.
Você descreve, com riqueza de detalhes, como descobriu o paradeiro do empresário PC Farias no exterior e a entrevista exclusiva com Ben Johnson. O que não vale por uma exclusiva?
Roberto Cabrini - Todos os dias vamos à luta em busca do furo de reportagem. É a essência da profissão, mas sem jamais abrir mão de princípios éticos. Ganhamos e perdemos ao longo de uma carreira e reconhecer o bom trabalho de outro colega é tão importante quanto chegar ao pote de ouro das doces terras de Shangri-la.
No livro tem o seguinte trecho: "Censura? Em qualquer veículo de comunicação, em qualquer parte do mundo, o jornalista vai enfrentar algum tipo de restrição em algum momento. Isso, entretanto, não pode servir como desculpa. Cabe ao jornalista resistir. Penso que a pior forma de censura não é a governamental ou a empresarial, mas a autocensura". Como seria essa resistência? Você já perdeu uma boa reportagem por censura? Qual foi?
Roberto Cabrini - Muitas vezes a estrada é mais importante do que o destino. Manter nossas convicções intactas é nosso maior patrimônio. Não há repórter sério, incluindo os de veículos de imprensa das mais avançadas democracias mundo afora, que não tenha vivido situações de pressão em forma de censura. A história que hoje não dá pra publicar, amanhã vai dar.
Muitas vezes é uma questão de estratégia e pragmatismo. Vivi isso em várias situações que, por questão ética, prefiro não detalhar. As pressões medem o nosso grau de comprometimento para com as responsabilidades morais e sociais da profissão. E sempre cheguei ao final de cada episódio convencido de que vale a pena resistir.
O que é ter medo pra você?
Roberto Cabrini - Meu maior medo é justamente o de sentir medo de exercer o que penso, vivo e acredito.
- Dia 7 de novembro, às 17h, na Livrarias Curitiba do Beiramar Shopping (R. Bocaiúva, 2468 - Centro, Florianópolis/SC).
- Dia 12 de novembro, às 19h, na Saraiva do Shopping Eldorado (Av. Rebouças, 3970 - Pinheiros, São Paulo/SP).
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